O Globo
O senador Davi Alcolumbre foi misógino com
Marina e mostra como a coalizão antiambiental tem visão curta sobre o tema
A coalizão fóssil e antiambiental que se formou no Congresso para desfigurar o Ministério do Meio Ambiente comete vários erros. Primeiro, não percebe quem é Marina Silva. Ela comandou o mais importante e bem-sucedido programa ambiental do Brasil, que derrubou o desmatamento em mais de 80%. Segundo, mesmo se a licença do poço da Petrobras fosse dada hoje, e se for encontrado petróleo, a produção começaria em 2030, quando a era dos hidrocarbonetos provavelmente estará em declínio. Terceiro, e mais importante, esse movimento que começou na última quarta-feira tem o poder de destruir a reputação ambiental que o Brasil estava começando a reconstruir no governo Lula.
A declaração ofensiva e misógina do senador
Davi Alcolumbre em relação à ministra do Meio Ambiente volta-se, na verdade,
contra ele. Quando o senador diz “ela é gente boa. É bom ela ficar para ir lá
com a gente inaugurar o poço”, ele demonstrou menosprezo a uma brasileira que
deveria respeitar. Marina, sob a liderança do presidente Lula, iniciou em 2003
o processo virtuoso que levou o desmatamento de 27.7 mil km2 em 2004 para 4.6
mil km2 em 2012. A política implantada por ela foi mantida e fortalecida pelo
seu sucessor, o ministro Carlos Minc. E isso foi, a seu tempo, a maior
contribuição de um país na luta contra a mudança climática.
O senador pelo Amapá não entendeu que o
papel do Brasil no mundo é ser potência ambiental. É isso ou será um país
irrelevante no mundo. Se a Amazônia continuar tendo lideranças políticas com
visão tão curta, isso será um problema para todo o Brasil. A coalizão política
antiambiental reuniu grande parte da base do governo, inclusive o PT. Eles
acham que se esvaziarem o Ministério do Meio Ambiente, o problema estará
resolvido e sairá a licença para exploração de petróleo no mar da Amazônia.
Deveriam se perguntar por que a licença foi negada no governo Temer e até
Bolsonaro não a conseguiu. A única forma correta de tomar essa decisão é a de
iniciar uma ampla pesquisa ambiental estratégica na região, a chamada AAAS. O
obstáculo não é a ministra Marina, nem mesmo o Ibama. É o respeito ao princípio
da precaução, o respeito à ciência e ao ordenamento brasileiro. Não simplifiquem,
senhores parlamentares, o que é sério, complexo e delicado.
Para os governistas que se associaram a
isso, para os ministros que conspiram achando que terão mais poderes se
dilapidarem o MMA, fica a dica. O Brasil passou os quatro últimos anos demolindo
a sua imagem ambiental e isso fechou portas e afastou investidores. Continuar
nessa trilha pela qual andou Bolsonaro é suicídio. O governo Lula reconquistou
prestígio internacional porque o presidente se colocou em defesa do meio
ambiente e no combate às mudanças climáticas. O Brasil, que quer sediar na
Amazônia a COP 30, tem que levar a sério a sua vocação, o seu patrimônio
natural e o trabalho a ser feito para curar as cicatrizes de um tempo
horrível.
Esta semana é decisiva. O
plenário da Câmara vai decidir se o governo Lula vai entregar ou não o respeito
ao meio ambiente que prometeu aos eleitores e aos líderes mundiais. Se for
confirmado o relatório do deputado Isnaldo Bulhões, que desfigurou o Ministério
do Meio Ambiente e o Ministério dos Povos Indígenas, o governo Lula vai trair o
seu projeto. É óbvio que o Cadastro Ambiental Rural não pode ficar no
Ministério da Gestão e da Inovação, pelo simples motivo de o MGI não ter nada a
ver com o assunto. Os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e das Relações
Institucionais, Alexandre Padilha, deveriam estar agora tentando reverter esse
atentado que desfigura o governo. O próprio presidente Lula precisa estar nessa
articulação.
Ontem, a PUC do Rio fez um dia inteiro de eventos sobre Amazônia, e é difícil resumir aqui tudo o que foi dito de interessante pelos mais variados palestrantes. O último painel reuniu o INPA, o Museu Emílio Goeldi, e o Museu da Amazônia. Neste último, o professor Ennio Candotti contou que, por esforço feito nos últimos 15 anos, há hoje em toda a Amazônia mais de 300 campi de 42 entidades públicas de ensino e pesquisa, em 166 municípios, com milhares de estudantes. Eles estão, segundo Candotti, aprendendo e disseminando conhecimento sobre Amazônia. Foi por isso que se resistiu, disse o professor, “ao terraplanismo e à ameaça de destruição” dos últimos anos. É essa Amazônia, ocupada pela ciência, que busca a sabedoria, com protagonismo de quem mora lá, que poderá ter um papel decisivo no planeta.
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