Valor Econômico
Cenário indica que mesmo que o programa do carro popular seja um
sucesso, o governo continuará recebendo visitas dos executivos desse setor por
um bom tempo
No início de 1993, Itamar Franco acabara de ser empossado
presidente da República, depois do impeachment de Fernando Collor de Mello.
Numa conversa com a direção da Volkswagen ele teve uma ideia: “Por que vocês
não voltam a fabricar o Fusca?”. Os executivos imediatamente concordaram com a
sugestão em troca, claro, de incentivos fiscais.
As outras montadoras bateram à porta da Presidência da República
para pedir a mesma vantagem. Mas não tinham um Fusca. A Fiat ofereceu seu Uno.
Ficou, então, acertado que, além do Fusca, o incentivo valeria para qualquer
carro com motor 1.0.
Mas e a Kombi? Não era também popular? Sim, mas não tinha motor 1.0. Fizeram, então, um arranjo que ganhou o apelido de “decreto Kombi” para acomodar esse veículo também.
O IPI do 1.0, do Fusca e da Kombi foi logo reduzido à simbólica
alíquota de 0,1%. Antes disso, agosto de 1993, Itamar foi à festa de
reinauguração da linha do Fusca em São Bernardo do Campo. Desfilou a bordo de
um conversível, tal como fizera, em 1959, no mesmo local, o então presidente
Juscelino Kubitschek.
O Fusca conversível nunca foi produzido em série. Foram só dois -
um ficou com a Volks e o outro com Itamar. O modelo serviu para dar charme ao
evento. E também para mostrar como um simples carro pode marcar a história de
um governo. No caso, dois - o de Juscelino e o de Itamar. Não parece haver espaço
para consagrar um terceiro.
Essa história é conhecida. Mas nunca é demais relembrá-la diante
da polêmica que surgiu com um novo programa de carro popular. A onda de
comentários em torno do anúncio do governo, que vai reduzir PIS/Cofins para
veículos abaixo de R$ 120 mil, parece não ter fim. E não se pode culpar os
analistas que diariamente enchem o noticiário com comentários. A abundância das
observações e das indignações surge a medida que o programa carece de
fundamentos.
A começar pelo anúncio em si - um programa de subsídio ao
transporte individual em meio ao esforço do governo para elevar receita. Chama,
ainda, a atenção a insistência em dar mais benefícios a um setor que se
acomodou em subsídios.
O plano revela, ainda, falta de sintonia entre ministérios. A
Fazenda pediu 15 dias para analisar até que ponto o projeto anunciado pelo
Ministério da Indústria poderia contrariar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O anúncio também mexe com um setor sensível a preços. Revelar com
antecedência que o valor de um produto vai baixar retrai o consumidor em
qualquer situação. No caso de um bem de alto valor, como o automóvel, a notícia
paralisa vendas.
No fim de semana, lojistas baixaram preços de carros seminovos em
estoque porque sabem que esses veículos vão desvalorizar quando os preços dos
novos de até R$ 120 mil caírem entre 1,50% e 10,96%, como anunciou o governo.
Na indústria automotiva, qualquer novidade provoca efeito dominó
em toda a cadeia. Na quinta-feira, as autopeças começaram a sonhar com aumento
de vendas quando ouviram do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio,
Geraldo Alckmin, que o programa privilegiará conteúdo local. Ou seja, ganhará
mais incentivo o carro com maior quantidade de peças produzidas no Brasil.
Na sexta, porém, as expectativas esfriaram quando, em entrevista à
GloboNews, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o programa vai
durar três a quatro meses. Bem mais curto do que o do IPI reduzido para modelos
1.0.
O popular de Itamar não acabou. Quase 30 anos depois, veículos com
motor 1.0, mesmo os “turbinados”, têm alíquota de IPI menor que os demais.
A confusão aumenta na medida em que nessa indústria, os contratos
de compras são longos e fechados com antecedência. Ilustra essa situação o caso
contado por um empresário do setor.
Recentemente, uma grande montadora fez cotação de preços de uma
peça para um automóvel que ainda não foi lançado. Mas chegou à conclusão de que
comprar da China saía bem mais barato.
A esperança dada por Alckmin de que a nacionalização seria privilegiada
foi frustrada no dia seguinte por Haddad ao dizer que o plano é de curta
duração. “Ninguém vai fechar com um fabricante local e cancelar quatro meses
depois”, diz fonte do setor.
E as montadoras?
A indústria automobilística adora holofotes e costuma ser grata ao
governo por qualquer incentivo fiscal. Mas desta vez a redução de impostos para
carros mais simples não estava nos planos dessas empresas.
A ideia, na verdade, foi levantada pela Fenabrave, que representa
os concessionários. E o presidente Lula gostou.
O popular passou a ter mais destaque do que dois importantes temas
que decidirão o futuro do setor no país e sobre o qual as empresas estão
divididas.
Um trata da isenção do Imposto de Importação para carros
elétricos, em vigor desde 2015. Parte da indústria defende o fim desse
benefício enquanto outra parte e importadores querem aumento gradual a partir
de 2025.
Outro tema diz respeito aos incentivos fiscais para o setor
automotivo no Nordeste e Centro-Oeste, que terminam em 2025. Empresas com
fábricas nessas regiões brigam pela extensão do benefício, enquanto que rivais
com produção concentrada no Sudeste fazem lobby no sentido contrário.
O cenário indica que, mesmo que o programa do carro popular seja
um sucesso, o governo continuará recebendo visitas dos executivos desse setor
por um bom tempo.
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