terça-feira, 30 de maio de 2023

Opinião do dia – Antonio Gramsci* (Introdução ao estudo da filosofia)

“1) Hegemonia da cultura ocidental sobre toda a cultura mundial. Mesmo admitindo que outras culturas tiveram importância e significação no processo de unificação “hierárquica” da civilização mundial (e, por certo, isto deve ser admitido inequivocamente), elas tiveram valor universal na medida em que se tornaram elementos constitutivos da cultura europeia, a única histórica ou concretamente universal, isto é, na medida em que contribuíram para o processo do pensamento europeu e foram por ele assimiladas. 2) Mas também a cultura européia sofreu um processo de unificação e, no momento histórico que nos interessa, culminou em Hegel e na crítica ao hegelianismo. 3) Dos dois primeiros pontos, resulta que se leva em conta o processo cultural que se encarna nos intelectuais; não cabe tratar das culturas populares, para as quais é impossível falar de elaboração crítica e de processo de desenvolvimento. 4) Tampouco se deve falar dos processos culturais que culminam na atividade real, como se verificou na França do século XVIII; ou, pelo menos, só se deve falar deles em conexão com o processo que culminou em Hegel e na filosofia clássica alemã, como uma comprovação “prática”, no sentido já várias vezes e alhures mencionado, a saber, no da recíproca tradutibilidade dos dois processos, um, o francês, político-jurídico, o outro, o alemão, teórico-especulativo. 5) Da decomposição do hegelianismo, resulta o início de um novo processo cultural, de caráter diverso dos precedentes, isto é, no qual se unificam o movimento prático e o pensamento teórico (ou buscam unificar-se, através de uma luta teórica e prática). 6) Não é relevante o fato de que este novo movimento tenha seu berço em obras filosóficas medíocres, ou, pelo menos, não em obras primas filosóficas. O que é relevante é o nascimento de uma nova maneira de conceber o homem e o mundo, e que essa concepção não mais seja reservada aos grandes intelectuais, mas tenda a se tornar popular, de massa, com caráter concretamente mundial, modificando (ainda que através de combinações híbridas) o pensamento popular, a mumificada cultura popular. 7) Que tal início resulte da confluência de vários elementos, aparentemente heterogêneos, não causa espanto: Feuerbach como crítico de Hegel, a escola de Tübingen como afirmação da crítica histórica e filosófica da religião, etc. Aliás, deve-se notar que uma transformação tão radical não podia deixar de ter vinculações com a religião. 8) A filosofia da práxis como resultado e coroamento de toda a história precedente. Da crítica ao hegelianismo, nascem o idealismo moderno e a filosofia da práxis. O imanentismo hegeliano torna-se historicismo; mas só é historicismo absoluto com a filosofia da práxis, historicismo absoluto ou humanismo absoluto. (Equívoco do ateísmo e equívoco do deísmo em muitos idealistas modernos: é evidente que o ateísmo é uma forma puramente negativa e infecunda, a não ser que seja concebido como um período de pura polêmica literária popular.)”

*Antonio Gramsci (1891-1937). Cadernos do Cárcere, v.1. p. 263-4. Civilização Brasileira, 2006.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Procurei material do pensador na internet,encontrei muito pouco.