Valor Econômico
Autonomia formal do BC impõe o fim de
encontros fechados com colaboradores de empresas associadas à gestão de
recursos
Alguns membros do Executivo, parlamentares,
acadêmicos e representantes empresariais têm sido eloquentes em suas críticas
sobre a atuação do Banco Central (BC). A argumentação é de que, ao manter alta
a taxa Selic, a autoridade monetária reduz o crescimento e piora as condições
do mercado de trabalho, sem diminuir a inflação, que seria determinada por condições
de oferta. As medidas adotadas e a proposta de arcabouço fiscal são vistas por
esse grupo como um compromisso do governo com a solvência das contas públicas e
uma abertura de espaço para o corte da taxa Selic. A expectativa de continuação
do atual recuo da inflação também seria um fator para permitir o início do
ciclo de afrouxamento monetário.
Essa linha de raciocínio está equivocada em várias dimensões. A imposição de uma política monetária muito restritiva, dadas as condições fiscais frouxas, é a única forma de combater a atual inflação. Só seria possível reduzir a taxa Selic no curto prazo caso houvesse um impensável aperto fiscal imediato. Como o governo não cortará despesas nos próximos anos, será preciso elevar os impostos para ampliar o resultado primário. Será uma tarefa árdua, em função da oposição da população. Por fim, as projeções do Focus para a inflação sugerem sua alta, e não uma queda, no 2º semestre.
As críticas ao BC têm sido também muito
influenciadas pela percepção de que as decisões do órgão atendem as demandas
por juros altos dos participantes de mercado. Apesar de fantasiosa, não é fácil
reverter essa percepção de captura do BC.
De qualquer forma, interpretações
incorretas como essas têm estimulado os bancos centrais a melhorar sua
comunicação. Um dos passos nessa direção tem sido o aumento do número de
participações dos representantes desses órgãos em eventos públicos para melhor
explicar a sua atuação e a influência dos fundamentos e das condições de
liquidez sobre a trajetória dos juros. Esses encontros terminam por servir,
algumas vezes, como sinalizações sobre possíveis ajustes nas respostas
monetárias.
No Brasil, as reuniões fechadas do
presidente e dos diretores do BC com origem no setor privado para tratar de
assuntos de conjuntura econômica ou para apresentação do cenário macroeconômico
dos audientes têm feito parte desse processo de comunicação. Apesar de regras de
compliance cada vez mais rígidas para encontros dessa natureza, o enorme número
de reuniões fechadas com instituições financeiras contribui para reforçar a
percepção dos críticos sobre a captura do BC pelo mercado.
Mesmo assumindo que as discussões se circunscrevem
às informações presentes em documentos publicados, é natural que haja reação
dos preços dos ativos quando surgem especulações sobre comentários de membros
do Copom nessas reuniões, pois dificilmente o debate sobre a conjuntura passa
ao largo de considerações sobre a trajetória dos juros e, principalmente, da
busca por um posicionamento sobre o tema de membros do Copom.
A assimetria de informação permite que
participantes de mercado, cientes do teor dos encontros, possam extrair, por um
prazo curto, lucro anormal em suas operações. Dados os intensos choques dos
últimos anos, faz sentido atribuir certa probabilidade de que as afirmativas de
membros do Copom, mesmo que muito cuidadosas, embutam conteúdo informacional e
sinais diferentes dos extraídos nos documentos já divulgados. Assim, essas
reuniões prejudicam o funcionamento do mercado ao incorporar ruídos na
trajetória dos preços dos ativos financeiros.
Em 2022, houve mais de 250 reuniões
fechadas do presidente ou de diretores oriundos do setor privado com
representantes de instituições financeiras para discutir o cenário
macroeconômico, sem considerar os seminários organizados para seus clientes.
Neste ano, já foram cerca de 80 desses encontros. Os números de audiências são
bastante expressivos, ainda mais quando esses encontros não trazem, em tese,
informações adicionais àquelas já publicadas. A quantidade de reuniões fechadas
com membros de empresas gestoras de recursos é totalmente desproporcional
frente, por exemplo, ao número de eventos similares com representantes de
outros segmentos da sociedade.
Defendo, assim, o fim dessas reuniões
fechadas sobre o cenário econômico e a conjuntura por não serem a forma mais
adequada de aumentar a robustez da avaliação do BC nem de melhorar o
entendimento da sociedade sobre as suas decisões. Seria mais adequado
construir, em substituição, um maior relacionamento com os demais setores da
economia doméstica, bem como com outros bancos centrais, para uma melhor
compreensão sobre as dinâmicas da atividade e dos preços de bens e serviços.
A autonomia formal do BC impõe o fim desses
encontros fechados com colaboradores de empresas associadas à gestão de
recursos, pois não basta o órgão público ser independente, precisa parecer
independente aos olhos da sociedade e de seus representantes.
A comunicação pode ser fortalecida por meio
de maior participação de membros do BC em conferências, mesmo que fechadas, de
organismos que representem a agropecuária, a indústria e o setor de serviços,
incluindo os das instituições financeiras, desde que com transmissão aberta
durante toda a sua participação e com discursos e materiais de apoio divulgados
antecipadamente.
Seria também positivo aumentar a
regularidade das reuniões formais com os ministérios mais associados à
atividade. Ademais, o BC precisa ampliar a frequência dos encontros de sua
diretoria e respectivas equipes com parlamentares - representantes da sociedade
- para tornar a compreensão sobre a atuação do BC mais direta e transparente.
Uma estratégia dessa natureza, embora não
seja simples, contribuiria para eliminar as dúvidas de parte da sociedade sobre
a captura do BC pelo mercado financeiro. A missão, porém, não seria livre de
atritos, pois os setores a serem abordados são notórios críticos da atuação do
BC. Muito embora seja inocente crer que a melhoria do seu relacionamento com os
diversos segmentos da sociedade garantirá a imediata atenuação das críticas, é
papel do BC ampliar o alcance e o entendimento sobre a sua atuação.
*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia.
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