O Estado de S. Paulo
Atitude de francês e a derrota de Boric no Chile mostram os limites das escolhas do petista no Brasil
Quando Emmanuel Macron decidiu ir,
anteontem, ao memorial da antiga prisão de Montluc, em Lyon, onde Jean Moulin
foi preso e torturado pelos nazistas, o chefe de Estado francês associou a
figura do líder da resistência à do historiador Marc Bloch, deportado e morto
pelos nazistas. “Moulin e Bloch nos dizem que a República francesa não é, por
definição, boa ou má; ela é necessária, vital e justa. Tenhamos confiança em
nós e no que vai se seguir.”
Moulin foi preso em 21 de junho de 1943.
Torturado pela Gestapo, não falou. Morreu quando o levavam para a Alemanha.
Acostar Moulin a Bloch na comemoração do
fim da guerra na Europa tem uma razão. Macron pretende não ser apenas julgado,
mas compreendido.
Bloch acreditava que a ciência histórica se consumava na ética. “A história deve ser verdade; o historiador se realiza como moralista, um justo”, escreveu Jacques Le Goff sobre o autor de Apologia da História. “Ele procura verdade e justiça não fora do tempo, mas no tempo.” Compreender, no entanto, nada tem de passividade. A receptividade passiva só nos leva a negar o tempo e, por conseguinte, nossa própria história.
Acossado pelos protestos por ter feito uma
reforma da Previdência que julga necessária e justa, Macron governa em uma
Europa conflagrada. As disputas políticas se inflamam na França ao mesmo tempo
que Putin retoma os sonhos imperiais russos. O francês enfrenta essa dupla
prova. E resiste.
No Brasil, Lula assiste a tudo como se nada
tivesse a aprender. A esquerda petista sonhava com um estalido no Brasil como o
que convulsionou o Chile. Agora, ao lado de Lula, vê ali o triunfo da extrema
direita na eleição para a nova constituinte, resultado da tentativa de impor ao
país um pensamento identitário, como se a antipolítica do estalido fosse força
hegemônica e não circunstancial.
Ao tentar levar adiante um programa que
pensa na manutenção do governo nas mãos do PT, Lula parece querer um passado
que não existe mais. Devia olhar mais para Geraldo Alckmin e menos para
Guilherme Boulos se não quiser se ver como o chileno Gabriel Boric. Democratas
moderados indagam sobre o futuro da extrema direita no Brasil e na América
Latina.
A lição de Macron vai além da coragem para
resistir. Ela mostra que onde a memória é um dever cívico, a Ucrânia não é mais
distante, nem um capricho. Nela cresce a história, que se alimenta da memória
para salvar o passado a fim de servir ao presente e ao futuro. A memória torna
fácil compreender que o sentido da República é a liberdade. E esta nunca está
ao lado de quem se nega a viver os desafios de seu tempo.
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