Valor Econômico
Há dez anos sem contratações, com equipe
reduzida a quase metade da original, instituição ainda enfrenta pressão contra
política monetária
“O Banco Central está sob ataque. Quando
você começa a bater no presidente do Banco Central chamando-o de ‘aquele
cidadão que lá está’, você está fazendo põe um ataque à instituição. Este
governo está desmontando uma instituição. Quero deixar isso bem claro”, disse o
ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, durante seminário sobre Política
Monetária, no FGV Ibre, dia 23.
“Os economistas têm que ter a coragem de dar um grito em defesa de uma instituição que vem fazendo, exemplarmente, o seu trabalho. E têm que, no fundo, denunciar um governo que vem atacando essa instituição. Isso não é uma conduta que um estadista deveria ter”, prosseguiu Pastore. Ele concluiu: “Sr. presidente da República e senhores ministros, é obrigação de vocês preservarem a instituição chamada Banco Central do Brasil”.
Os diretores e os chefes de departamento do
Banco Central também estão com uma ação sincronizada, na tentativa de chamar a
atenção da sociedade para outras faces do que chamam de desmonte do BC. Há mais
de dez anos não se faz um concurso para o BC e, na decisão da ministra da
Gestão e Inovação dos Serviços Públicos, Esther Dweck, de abrir concurso para
4.436 novas vagas para diversos órgãos públicos, o BC não foi contemplado.
“Em relação ao tema do corpo funcional, o
Banco Central passa por um momento difícil”, disse ontem o presidente da
instituição, Roberto Campos Neto, ao abrir a entrevista sobre o Relatório
Trimestral de Inflação. Dentre as demandas para melhorar as condições dos
funcionários, uma parte era não pecuniária. Elas estavam muito perto de serem
aprovadas no fim do governo passado, mas não foram, o que gerou insatisfação.
“Algumas áreas estão estranguladas, são
muitos anos sem concurso”, disse Campos Neto, que já esteve com Dweck para
tratar do assunto. Outro aspecto que funcionários do BC entendem como uma
atitude deliberada do governo é a assimetria remuneratória com outras carreiras
de Estado equivalentes. Os auditores da Receita Federal acabaram de ganhar
bonificação, a pedido do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que precisa
aumentar a arrecadação como parte fundamental da política fiscal. Os
funcionários do BC fizeram, no ano passado, greve por três meses, reivindicando
reajuste salarial e reestruturação de carreira. Não foram atendidos pelo
governo, que fez sobre a folha de pagamentos do setor público um grande ajuste
das despesas.
As expectativas de obtenção da pauta de
reivindicações se renovaram com a posse de Lula na Presidência da República,
mas a esperança teve vida curta. Lula logo iniciou uma campanha pela queda da
taxa básica de juros e elegeu como alvo preferencial o presidente do BC,
Roberto Campos Neto, que logo passou a ser criticado também pelos demais
ministros e por nomes da esquerda, como os deputados Guilherme Boulos (Psol-SP)
e Zeca Dirceu (PT-PR).
Nos últimos dias, uma nova onda de críticos
se formou por causa do comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), que,
no entendimento de Lula e seus apoiadores, não trazia uma data para queda dos
juros e, portanto, não estava disposto a reduzi-los. Na ata, o Copom citou o
mês de agosto como possível início do corte da Selic.
O chefe do Departamento de Estatísticas do
BC, Fernando Rocha, ao dar entrevista sobre os dados do setor externo, nesta
semana, disse que iria se juntar aos demais colegas na questão do desmonte do
BC. Queixou-se da situação de penúria que está o quadro de funcionários da
instituição, que há dez anos não contrata ninguém. O BC tem atualmente 3.120
cargos vagos e 3.350 ocupados. Há inúmeras tarefas desempenha por apenas duas
pessoas. A equipe responsável por toda a pesquisa semanal Focus, o ranking Top
5 e toda a série estatística de expectativas de mercado tem três pessoas, disse
ele, ao citar vários outros casos de produção estatística que teme que estejam
sob risco. “O primeiro aspecto do desmonte é uma crescente e inaceitável
assimetria remuneratória com outras carreiras de Estado. Um tratamento desigual
e injusto, que motivou a maior greve do BC no ano passado”, disse Rocha.
Neste ano, mais recentemente, recomeçaram
as paralisações por algumas horas. Não se caracteriza greve até porque os funcionários
ainda estão em dívida com a greve do ano passado. Ao lado da independência
operacional conquistada há pouco tempo, e da qual Campos Neto é o primeiro
presidente a usufruir, ele tinha como parte relevante de sua agenda à frente da
instituição conseguir obter a independência administrativa. Tinha, porque é
muito provável que este seja um projeto que não terá futuro na administração de
Lula.
“O BC conseguiu a duras penas, por
competência dos seus dirigentes, adquirir respeito e credibilidade na economia
mundial que são raros”, disse Pastore. “Vocês assistiram ao seminário
internacional que o Campos Neto organizou, no qual ele trouxe pessoas de grande
reputação e de grande conhecimento. Aquilo não foi feito para o Campos Neto se
promover pessoalmente, aquilo foi feito para mostrar qual é a qualidade de uma
instituição que se chama Banco Central”, completou.
Tomara que não seja nada pré-concebido, mas
apenas um descuido da administração, pois no fim de 2024 Campos Neto deixa a
presidência do BC, e em dois anos a diretoria será de escolha do presidente
Lula, que, é claro, não vai querer uma instituição sucateada.
Claudia Safatle
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