O Estado de S. Paulo
Ao se colocar contra a terceirização, o
senador Paulo Paim, representando o Partido dos Trabalhadores, assume a
vanguarda do atraso
Não há lei perfeita e acabada. Boas ou más,
todas se submetem ao desgaste do tempo. É o caso da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), ultrapassada pela ação invencível de tecnologias modernas.
Algumas omissões eram inevitáveis. Na época
da elaboração da CLT (início dos anos 40), a produção compartilhada, ou
terceirização, era ignorada pela economia. Verticalizadas e concentradoras, as
indústrias supriam suas necessidades com utilização de mão de obra interna,
tanto em atividades urbanas como nos serviços rurais.
O fenômeno da produção compartilhada cresce
na economia por volta dos anos 70. Escrito por Peter Drucker, o livro
Administração em Tempos Turbulentos dedica capítulo ao tema Produção
Partilhada: Integração Internacional. Thomas Friedman analisa a terceirização
no livro O Mundo é Plano – Uma Breve História do Século XXI.
Terceirizar é expressão nova na Língua Portuguesa. Não a registram as duas primeiras edições do Dicionário Aurélio e o Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva. Aparece no Michaelis, edição de 1998, com o significado de “delegar, a trabalhadores não pertencentes ao quadro de funcionários de uma empresa, funções exercidas anteriormente por empregados dessa mesma empresa”. Está na primeira edição do Dicionário Houaiss, de 2001.
As primeiras prestadoras de serviços foram
organizadas nos anos 70. Recrutavam empregados para serviços de vigilância,
limpeza e conservação. Convenceram grandes empresas de que era mais simples e
menos oneroso transferir determinadas atividades a firmas especializadas em
fornecer mão de obra, deixando os serviços essenciais a cargo de empregados
próprios.
Na mesma década, o aumento de assaltos a
bancos deu origem ao serviço do vigilante armado, logo regulamentado pela Lei
n.º 7.102/1983, que dispõe sobre “segurança para estabelecimentos financeiros,
estabelece normas para a constituição e funcionamento das empresas particulares
que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores”. Considere-se,
porém, que desde 1965 a Lei n.º 4.886 regulava as atividades dos representantes
comerciais autônomos, pessoas físicas, sem relação de emprego, contratadas para
intermediar a realização de negócios externos.
Frequentes violações da legislação
trabalhista por prestadoras de serviços ecoaram na Justiça do Trabalho na forma
de centenas de reclamações trabalhistas. O acúmulo de processos induziu o
Tribunal Superior do Trabalho (TST) a tentar solução radical. Para isso, editou
o Enunciado n.º 256/1986, com a seguinte redação: “Salvo nos casos de trabalho
temporário e serviços de vigilância, previstos nas Leis n.º 6.010, de 3/1/1974,
e n.º 7.102, de 20/6/1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa
interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de
serviços”.
A rígida decisão sucumbiu diante dos fatos.
A terceirização ganhava terreno como instrumento de racionalização do sistema
produtivo, redução de custos e aumento da produtividade. Passados poucos anos,
o TST reexaminou a posição adotada em 1986. Finalmente, em 17 de dezembro de 1993,
aprovou o Enunciado n.º 331, destinado a permitir a terceirização de limpeza e
conservação, “bem como de serviços especializados, ligados à atividademeio do
tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta”.
Para compor posições divergentes, o
tribunal adotou solução nebulosa: aceitava-se a terceirização de limpeza e
conservação e de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador,
excluindo-se a terceirização daquilo que seria a atividade-fim. Permaneceu,
porém, sem resposta conclusiva a pergunta: o que é atividade-fim?
Examinando o artigo 981 do Código Civil,
chega-se à inevitável conclusão de que a atividade-fim da sociedade é gerar
lucro, para dividi-lo entre os associados. Dito de outra maneira, o fim visado
em qualquer espécie de negócio é ganhar dinheiro. Se não lucrar, estará
condenado ao desaparecimento.
A reforma trabalhista pôs termo à estéril
discussão. Permitiu a transmissão de quaisquer dos diversos aspectos do
empreendimento econômico a pessoa jurídica de direito privado prestadora de
serviços, desde que tenha capacidade econômica compatível com o trabalho
contratado.
A terceirização não é invenção nacional.
Farta literatura estrangeira trata do assunto de maneira positiva, como
requisito essencial da moderna atividade produtiva. A antieconômica integração
vertical cedeu lugar à ramificação horizontal entre empresas do mesmo grupo, ou
empresas independentes.
No Senado Federal tramitam dois projetos,
ambos de iniciativa do senador Paulo Paim (PT-RS), destinados a vedar o direito
de terceirizar. Aprová-los significará irremediável retrocesso, com o desmonte
do sistema industrial fortemente terceirizado, e desestímulo a investimentos
geradores de empregos. Ao se colocar contra a terceirização, o senador Paulo Paim,
representando o Partido dos Trabalhadores, assume a vanguarda do atraso.
*Advogado, foi ministro do Trabalho e
presidente do TST
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