O Globo
Novo desenho da sociedade brasileira
demandará novas políticas
Havemos censo.
E todas as delícias e dores que dele advêm. A mais atropelada operação
censitária já efetuada no país deu em 203 milhões de brasileiras e brasileiros,
abaixo do esperado por especialistas, mas em linha com tendências demográficas
já diagnosticadas. No caminho do Censo 2022, não uma, mas várias pedras: de
Paulo Guedes a pandemia, de corte orçamentário a eleição presidencial, de Copa
do Mundo a festas de fim de ano, de férias de verão a carnaval e Páscoa. O
esforço de apuração terminou em maio, e anteontem o IBGE apresentou
os primeiros resultados.
Não é de hoje que a natalidade vem diminuindo e a longevidade aumentando no Brasil. Demógrafos antecipavam aos quatro ventos que, a partir dos anos 2040, o número de habitantes do país cairia em termos absolutos. Pena que as autoridades nem sequer começaram a se preparar — o que tampouco surpreende. Atravessado pela mais grave crise sanitária em um século, pela diminuição perceptível no tamanho das famílias e pela conjuntura econômica adversa, o Censo 2022 sugere que o encolhimento da população pode se adiantar em uma década.
— Não vi surpresa nem nos 203 milhões de
habitantes nem na diminuição da população de algumas capitais. Tudo estava no
radar. A pandemia acelerou, mas não mudou o rumo das coisas — dispara Ana
Amélia Camarano, uma das mais respeitadas demógrafas do país, há décadas
no Ipea.
O Censo impõe urgência a uma agenda que o
Brasil já deveria estar seguindo. E mais ainda cidades como o Rio de Janeiro.
Há 20 anos, a capital fluminense foi premiada com o primeiro Relatório de
Desenvolvimento Humano municipal pelo PNUD, agência da ONU. A publicação, em
dez capítulos tornados série de cadernos especiais no GLOBO, já anunciava o
envelhecimento da população, a redução no tamanho das famílias, o aumento na
demanda por residências unipessoais, o medo da violência, a precariedade das
condições habitacionais.
No Censo 2022, o Rio figura entre as nove
capitais que perderam habitantes entre 2010 e 2022. O município perdeu quase
110 mil moradores. Também encolheram Belo Horizonte e Vitória,
no Sudeste; Salvador, Recife, Fortaleza e Natal, no Nordeste; Belém, no Norte;
Porto Alegre, no Sul. No Estado do Rio, a população avançou modestos 0,03% ao
ano, fração de uma já baixa taxa nacional (0,52%). Em 2010, éramos 15,9
milhões; hoje, 16,1 milhões. São Gonçalo, Niterói, Duque de Caxias, Nova
Iguaçu, São João de Meriti, Mesquita, Nilópolis, Paracambi, todas na Região
Metropolitana, Petrópolis, na Serra, e Barra Mansa, no Sul, estão entre
municípios que encolheram. Das 20 cidades médias (mais de 100 mil habitantes)
que mais perderam população, seis ficam no Estado do Rio.
O Rio vasculha escombros de uma conjuntura
nefasta que combinou crise fiscal aguda, esvaziamento econômico intenso,
empobrecimento galopante, insegurança crônica. A pandemia tornou tudo mais
grave. No estado, a Covid-19 matou, até a semana passada, 77.291 pessoas, ou
448 óbitos por 100 mil habitantes. Perderam a vida 2,75% dos que contraíram a
doença. Tanto a taxa de mortalidade (335 por 100 mil) quanto a letalidade
(1,9%) são muito superiores à do Brasil, que oficialmente perdeu quase 704 mil
para a doença. Na capital, o total de óbitos, desde 2020, passa de 38 mil. No
primeiro ano da pandemia, ainda sem vacinação, 8,7% das pessoas que pegaram
Covid-19 morreram. Uma barbaridade.
— Devemos a queda no número de habitantes à
Covid-19, às doenças da pobreza, mas também às más condições econômicas e à
violência. O valor do aluguel e a carestia, diante da renda precarizada pelo
trabalho informal, expulsam a população da metrópole — diz Tainá de Paula,
arquiteta e urbanista, secretária municipal de Meio Ambiente.
O presidente do IBGE, Cimar Azeredo,
enfileira os mesmos motivos para explicar o êxodo detectado pelo Censo 2022.
Muita gente que migrou para municípios menores ou cidades de origem durante a
pandemia não voltou. O mercado de trabalho, sublinha, também se transformou, e
outras regiões tornaram-se mais prósperas, caso da cadeia do agronegócio no
Centro-Oeste.
Tudo posto, significa que o novo desenho da
sociedade brasileira demandará novas políticas em habitação, trabalho,
transporte, saúde, previdência e assistência social, educação. As crianças, em
número cada vez menor, precisarão de formação exemplar; os adultos, de mais
qualificação; os idosos, de oportunidades de trabalho e cuidados. As cidades
terão de ser mais generosas; o transporte, eficiente e breve; as autoridades,
competentes.
E o censo demográfico não pode mais demorar
tanto, porque o país tem de sair da zona de sombra sobre seus filhos e filhas.
Daqui a dois anos, a contagem populacional confirmará as linhas traçadas pelo
Censo 2022, até que venha a pesquisa de 2030. Que não sejam desprezadas, como na
década passada.
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