sexta-feira, 30 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

CMN mantém meta e amplia prazo para o BC atingi-la

Valor Econômico

Não está descartado um ambiente mais favorável que o previsto que permita reduções mais rápidas da taxa de juros

O Conselho Monetário Nacional fez a coisa certa e decidiu ontem estabelecer para 2026, pelo terceiro ano consecutivo, a meta de inflação em 3%, com intervalo de 1,5 ponto percentual em ambas direções. Resolveu também ratificar as metas de 2024 e 2025 e inaugurar em 2025 a perseguição contínua da meta de 12 meses, que não mais se restringirá ao ano calendário, como tem sido desde a criação do sistema, em 1999. Para a decisão contaram um trabalho paciente do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em dissuadir o presidente Lula de ampliar a meta - ele chegou a mencionar 4,5% -, a reação fortemente negativa dos investidores diante da perspectiva dessa mudança e os resultados obtidos pelo Banco Central com o aperto monetário que, com o recuo da inflação, está prestes a iniciar um ciclo de corte de juros.

O risco de mudança imediata do alvo da inflação por decisão do Palácio do Planalto era o último obstáculo a impedir que os investidores se convencessem de que o BC tem todas as condições de levar a inflação a 3% em 2024 e começar logo o corte das taxas. Ontem, após três sessões de queda, a Bolsa de Valores teve alta e os juros futuros recuaram. A mudança para o sistema de meta contínua definida pelo CMN nada muda - essa já é uma prática informal da autoridade monetária, que respeita a defasagem temporal entre alta de juros e seus efeitos, que não podem ser circunscritos ao calendário gregoriano.

A alteração veio algumas horas depois que o BC divulgou seu Relatório Trimestral de Inflação do segundo trimestre, apontando as perspectivas de queda do IPCA e alguns riscos remanescentes para que se chegue à meta. Os fatores de baixa da inflação são preponderantes. Mesmo com corte na taxa Selic para 12,25% ao fim deste ano, as probabilidades de que a inflação estoure o teto do intervalo de variação (4,5%) é baixo, de 21%. Há chance pequena (9%), mas relevante, de que o IPCA feche abaixo dos 3%. Consideradas as estimativas do boletim Focus, o BC aponta que juro real encerrará 2023 em elevados 6,6% e 5,3% em 2024, ainda bastante restritivos.

O Banco Central compatibiliza dois movimentos contraditórios. Por um lado, sua projeção para o crescimento da economia no ano aumentou de 1,2% para 2%, revisão atribuída à espetacular evolução da agricultura no primeiro trimestre (21,6%). Por outro, a economia já desacelerou no segundo trimestre e, ao fim do ano, o hiato do produto (a distância, negativa ou positiva, que separa o nível de atividades corrente do PIB potencial) deverá ser de 1,5% negativo.

Segundo o relatório, os dados de abril e os indicadores coincidentes de maio indicam a continuação da perda de ritmo das atividades no segundo trimestre. O recuo da indústria e dos serviços em abril deixaram carregamento estatístico nulo para o período. Os indicadores coincidentes de maio, por seu lado, registraram estabilidade ou queda no mês. Igualmente importante é o fato de que o consumo das famílias no primeiro trimestre tenha sido o menor em sete trimestres (0,2%) e tenha sido menor do que o da renda disponível bruta das famílias. Isso sugere, para o BC, “ampliação da taxa de poupança no trimestre, movimento possivelmente associado à elevação das taxas de juros e ao esforço de desalavancagem das famílias”. Com isso, houve redução do fluxo financeiro líquido para as famílias, que se tornou negativo.

A variação acumulada em doze meses até maio de Índice de Preços ao Produtor Amplo (DI) foi negativa em 8,89%, a menor desde 1996, quando tem início a série. A desaceleração da economia global amorteceu a evolução das commodities, especialmente as de energia. Apesar disso, elas subiram 3,3% no trimestre, segundo o IC-Br, mas, dessa vez, ao contrário dos últimos dois anos, houve apreciação importante do real, resultando em uma queda de 4,9% na moeda local.

O Relatório, no entanto, mostra dificuldades no caminho da desinflação. A média trimestral dessazonalizada dos núcleos recuou de 6,44% em fevereiro para 5,53% em maio. O problema continua residindo na inflação subjacente dos serviços, que na série com ajuste sazonal subiu para 5,91% no trimestre considerado, ante 5,48% no trimestre anterior. Ainda que não determinem por si o nível de inflação, mas influam no nível de atividade, o BC apontou que as “condições financeiras atingiram o nível menos restritivo desde abril de 2022”, o que não facilita a tarefa da autoridade monetária.

O relatório aborda, com base no mais recente Questionário pré-Copom, as expectativas de cumprimento do novo regime fiscal, que está para ser aprovado em estágio final pela Câmara. A maioria (90%) das consultorias e bancos não mudou sua perspectiva positiva sobre a situação fiscal ou acredita que ela melhorou. No entanto, a mediana das projeções para 2024 apontam um déficit primário de R$ 91 bilhões (0,8% do PIB), quando pela regra deveria ser zerado ou ser de no máximo de -0,25% do PIB.

Com o caminho livre para o BC atuar e dado o papel das expectativas para a ancoragem da inflação, não está descartado um ambiente bem mais favorável que o previsto que permita reduções mais rápidas da taxa de juros ao longo do tempo.

Ministério da Saúde deve ficar imune a barganha política

O Globo

Custo de desprezar competência técnica e científica ficou claro na gestão desastrosa da pandemia

Os malefícios de uma gestão na Saúde que privilegia aspectos político-ideológicos em detrimento de critérios técnicos e científicos ficaram evidentes na condução desastrosa da pandemia durante o governo Jair Bolsonaro. Deveriam servir de alerta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito com a promessa de resgatar a Saúde dos escombros. Lula fez bem em escolher para o ministério um quadro técnico: a ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Nísia Trindade, que não tem ligação com o PT nem qualquer outro partido. Agora ele precisará mostrar até que ponto vai sua convicção.

Com seis meses no cargo, Nísia sofre uma fritura inexplicável. Não que frituras sejam inesperadas num governo que, sem apoio sólido no Congresso, fica exposto a todo tipo de chantagem. O desgaste parece relacionado menos a seus projetos à frente do Ministério da Saúde — pasta com orçamento de R$ 184 bilhões — que às demandas dos parlamentares, insatisfeitos com o ritmo de liberação de emendas para suas bases eleitorais.

Nísia afirmou ao GLOBO ser alvo de uma campanha para forçar sua saída do governo e rechaçou as críticas, vindas até do PT, sobre demora na liberação de recursos a estados e municípios. Havia, disse ela, pedidos de verbas parados fazia quatro anos, só liberados agora. Embora tenha ampliado as reuniões com parlamentares, ela diz que não pretende abrir mão de controles sobre a aplicação do dinheiro público. Num Congresso ávido por verbas sem nenhuma contrapartida, é natural a rejeição.

Como forma de contemporizar, o governo Lula planeja brindar o Centrão com o comando da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), extinta no início do ano, mas recriada pelo Congresso na MP que reestruturou os ministérios. Com capilaridade nacional, como os políticos gostam, a fundação, que já fora foco de dezenas de escândalos de corrupção e desapareceu por não ter função relevante, servirá agora para satisfazer ao apetite dos aliados.

Não é preciso ter doutorado em políticas públicas, basta tentar marcar um exame, consulta ou cirurgia nas unidades do SUS para entender as deficiências e mazelas da saúde brasileira. Elevar o padrão de atendimento da população é um desafio que exige pessoal capacitado e gestão profissional. Não se faz isso liberando emendas ao acaso para erguer postos de saúde em redutos eleitorais dos deputados.

É evidente que uma área sensível e vital como o Ministério da Saúde não deveria ser moeda de troca em barganhas políticas. O mau desempenho da pasta pode ter efeitos catastróficos, como ficou comprovado no governo Bolsonaro, quando o ministério, por onde passaram quatro titulares, negligenciou a pandemia, atrasou a compra de vacinas contra a Covid-19 e fez apostas absurdas em medicamentos que não tinham comprovação científica.

Afastar o negacionismo e resgatar o valor da ciência são atitudes importantes, mas isso é o mínimo. O governo precisa dar uma resposta rápida aos males que afligem a população, elevar os baixíssimos índices de vacinação que ameaçam a volta de doenças já controladas, recuperar os hospitais federais em situação crítica, reduzir as filas de cirurgia no SUS, levar médicos às localidades mais remotas onde eles fazem falta etc. Para isso, é essencial uma gestão técnica e profissional. Leiloar o Ministério da Saúde em troca de apoio político do Centrão é a pior escolha.

Tiros que mataram jovem ao volante expõem brutalidade da polícia francesa

O Globo

Macron enfrenta novos protestos cujo motivo soaria familiar em países como Estados Unidos ou Brasil

Nahel M., morto aos 17 anos por um tiro à queima-roupa disparado pelo policial que o deteve ao volante no subúrbio parisiense de Nanterre na terça-feira, será mais um nome ao lado de Michel Zecler, Cédric Chouviat, Théodore Luhaka ou Adama Traoré. Todos vítimas da polícia, todos de pele escura ou origem familiar colonial — e todos tão franceses quanto Victor Hugo, Kylian Mbappé ou o presidente Emmanuel Macron.

A abordagem truculenta ficou evidente num vídeo que viralizou nas redes sociais, desmentindo a versão oficial, segundo a qual Nahel avançara com o carro contra os policiais. Em reação à brutalidade, manifestantes tomaram as ruas em Nanterre e por todo o país. Houve quebra-quebra e incêndios em cidades como Paris, Rouen, Toulouse e Lille. O governo anunciou ter mobilizado 40 mil agentes da lei e ter detido mais de 180 acusados de fomentar desordem e violência. Depois de meses de protestos contra sua reforma da Previdência, Macron agora se vê mais uma vez às voltas com a força indomável das ruas.

Desta vez, o motivo dos protestos soaria familiar em países como Brasil ou Estados Unidos. Os manifestantes acusam policiais de racismo diante das estatísticas mostrando que os alvos preferenciais da polícia são negros, imigrantes ou cidadãos de origem magrebina. Até os métodos parecem conhecidos: a exemplo do americano George Floyd, Chouviat e Luhaka morreram asfixiados por agentes da lei.

A morte de Nahel pôs em evidência outra peculiaridade francesa: uma lei de 2017 autorizou o uso de força letal pela polícia contra veículos em movimento. Para combater o terrorismo foi criado uma espécie de “excludente de ilicitude”, como defendia o lobby de sindicatos policiais. Os tiros disparados em Nanterre mostram os riscos evidentes de conceder aos policiais esse tipo de autorização “excepcional”, sempre interpretada segundo a circunstância.

O vulto que a revolta tomou é, como no caso dos protestos contra a reforma previdenciária, resultado da impopularidade de Macron. Ele é visto como um presidente que governa para as elites financeiras, mais preocupado em se sair bem nas reuniões internacionais de cúpula do que com a realidade da população dos subúrbios e das regiões que perdem empregos com a globalização.

Na ponta do lápis, sua política econômica pode ser considerada um sucesso — os indicadores de desemprego, inflação e crescimento são positivos, e suas reformas eram há muito necessárias para trazer dinamismo ao país. Mas nada disso resiste à imagem da mãe de Nahel de punho erguido, chorando e bradando por justiça. “O que vimos, o que ouvimos não é aceitável num país como o nosso”, afirmou em vídeo a prefeita de Paris, Anne Hidalgo. “Não é aceitável numa grande democracia. Não é aceitável, porque a polícia está aí para nos proteger.” Vale para a França, para os Estados Unidos — e vale também para o Brasil.

Imparciais por ofício

Folha de S. Paulo

Encontros entre ministros do STF e autoridades minam prestígio das instituições

É conhecida a frase de Potter Stewart sobre os limites da obscenidade na arte. Numa decisão de 1964, o juiz da Suprema Corte dos EUA avisou que não se arriscaria a dizer quais conteúdos cabem na definição de pornografia. "Mas eu sei o que é quando a vejo", concluiu.

Repetida amiúde, a formulação de Stewart tem a vantagem de se adaptar às mais variadas situações, inclusive àquelas sem nenhum elemento explícito —sexual ou não.

Tomem-se os encontros não oficiais entre ministros do Supremo Tribunal Federal com variadas autoridades da República, empresários e advogados. Talvez não seja fácil listar todas as situações revestidas de potencial conflito de interesses, mas não é difícil reconhecê-lo diante de casos concretos.

No episódio mais recente, o ministro Gilmar Mendes de novo levou uma comitiva para evento acadêmico em Lisboa, realizado pelo seu IDP. Entre os convidados estavam Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara; Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente da República; e Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo.

Meses antes, na mesma capital portuguesa, João Doria organizou, com tudo pago e não pela primeira vez, um convescote empresarial com a participação de Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, todos do STF.

Questões incômodas se acumulam quando estão presentes julgadores e potenciais réus. Para ficar em apenas duas, será que Gilmar atrairia trupe de tamanho prestígio se não fosse o poder de sua toga? Os ministros julgarão com equidistância pessoas de quem tanto se aproximam nessas ocasiões?

Embora as respostas importem, a mera formulação das perguntas já indica um problema. Não por acaso, o Código de Ética da Magistratura define o juiz imparcial como aquele que, entre outras coisas, evita comportamentos que possam refletir favoritismo ou predisposição.

O objetivo é assegurar que nem mesmo as aparências, ainda que fora do âmbito estrito de atividade jurisdicional, possam insuflar nos cidadãos alguma desconfiança sobre o sistema de Justiça.

E não há como aplacar um olhar desconfiado em eventos como os de Gilmar e Doria. Ou mesmo quando ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral se encontram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em uma festa ou um churrasco. Como o petista reagiria se, após um jogo do Corinthians, descobrisse que o árbitro confraternizou com o time adversário?

Atitudes que conotem parcialidade só contribuem para reforçar o ímpeto antidemocrático de uma parcela da população. Por ironia, o principal tema do fórum do IDP em Lisboa é "Estado democrático de Direito e defesa das instituições".

Selva de pedra

Folha de S. Paulo

Carente de áreas verdes, SP precisa de política factível na criação de parques

Numa metrópole com tamanha carência de áreas verdes, causa espécie que a Prefeitura de São Paulo gaste R$ 1,7 milhão por ano para manter fechado desde 2012 o parque Primavera, na região de São Miguel Paulista (zona leste).

O local se tornou fonte de desconforto para moradores. Grades foram furtadas e parte do local foi ocupada por pessoas em situação de rua e usuários de drogas. Há descarte irregular de entulho e proliferação de ratos e insetos.

Há 11 anos, o Ministério Público barrou a inauguração do parque porque a área havia sido um aterro sanitário na década de 1980, e o solo poderia estar contaminado. Laudos da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) atestaram segurança, mas a promotoria discordou e solicitou novos estudos técnicos.

Qualquer que seja o órgão responsável pela procrastinação inaceitável, fato é que o caso expõe ineficiência do poder público.

Outra disputa que já durava mais de duas décadas recebeu solução, ao menos em teoria, com a revisão do Plano Diretor, que incorporou uma área remanescente de mata atlântica de 63 mil m² na zona sul à lista de parques a serem criados.

Hoje nas mãos de uma incorporadora imobiliária, o Jardim Alfomares será doado à prefeitura, que, em troca, dará à empresa créditos que podem ser usados para pagar a taxa cobrada pela gestão municipal para construir prédios em outras regiões da capital paulista.

O mecanismo já foi utilizado. Construtoras receberam R$ 205,4 milhões em créditos pela doação do terreno onde foi criado o parque Augusta, no centro da cidade.

Atraso também se verifica na implementação do próprio Plano Diretor. Em 2014, a norma previa a entrega de 167 parques. Nove anos depois, só 11 foram inaugurados. Agora, a revisão da norma prevê a criação de 186 —atualmente, a cidade tem 111.

Em gestão pública, é melhor apresentar números conservadores, mas factíveis. Como atesta a experiência, há grande dificuldade em tirar os parques do papel.

Áreas verdes são essenciais para a qualidade de vida nas grandes cidades. Contribuem para evitar alagamentos, ao reduzir a impermeabilização do solo, e para a saúde, ao estimular a atividade física.

Parcerias público-privadas podem impulsionar projetos, seja atraindo recursos, seja pela contratando serviços sem as barreiras da burocracia estatal.

Os jovens nunca foram tão preciosos

O Estado de S. Paulo

Censo aponta para o envelhecimento acelerado da população. Ou se dá agora atenção à formação de jovens mais conscientes e produtivos ou o País estará condenado à mediocridade

Após cerca de 50 anos de oportunidades desperdiçadas, o País parece ter atingido o limiar crítico no que concerne às expectativas de desenvolvimento econômico e social. Os dados preliminares do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 28 passado, não dão margem para muitas dúvidas. A depender da atenção que for dada hoje – não amanhã ou depois de amanhã – às necessidades prementes de milhões de crianças e jovens, o Brasil estará condenado ao crescimento medíocre, sem direito a apelação, ou poderá caminhar a passos um tanto mais ágeis rumo a um estágio de progresso que, enfim, dê à população a chance de usufruir do bem-estar que só os países de alta renda têm condições de proporcionar aos seus cidadãos.

De acordo com o Censo, a população brasileira é, aproximadamente, 5% menor do que se supunha. Somos 203,1 milhões de habitantes, ante os 214 milhões projetados há cinco anos pelo IBGE para 2022. Mais preocupante, contudo, é o estreitamento agudo do chamado bônus demográfico, cenário em que a população em idade economicamente ativa supera o número de crianças e idosos. A taxa média de crescimento anual da população registrada pelo IBGE entre 2010 e 2022 foi de apenas 0,52%. Trata-se do menor patamar em 150 anos de história de levantamentos censitários regulares no País e a primeira vez que o indicador fica abaixo de 1%. O dado aponta para a prevalência dos idosos (indivíduos com 60 anos ou mais) sobre as crianças e jovens antes de 2030, contrariando outra projeção de especialistas.

Pesquisadores de várias áreas, sobretudo os demógrafos, ainda estão debruçados sobre os dados do Censo recémdivulgados, de modo que esse recuo acentuado da taxa de crescimento populacional anual ainda carece de conclusões mais elaboradas e definitivas. Mas é consensual o diagnóstico de que a população brasileira está envelhecendo mais rápido do que o esperado e algo precisa ser feito já para aumentar as perspectivas de futuro para um segmento da população, as gerações mais jovens, que está em franca diminuição. Como disse ao Estadão o demógrafo José Eustáquio Diniz, ex-professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE, “não há experiência histórica de um país que antes envelheceu e depois enriqueceu”.

Esse “algo” a ser feito não é mistério nem tampouco requer uma fórmula mágica que haveria de ser concebida de uma hora para outra por especialistas desesperados com a dimensão do desafio que se posta diante do País. A solução é há muito conhecida: elevar o desenvolvimento da educação pública à condição de prioridade nacional. Não como discurso, tal como tem sido há décadas, mas como consenso acima de quaisquer disputas político-ideológicas, um ponto de união da Nação que se traduza em políticas de Estado, não apenas de governos, muito bem formuladas e implementadas.

Talvez por não terem voz direta no debate público e, principalmente, por não votarem, os interesses das crianças brasileiras, em particular nos estratos mais vulneráveis da população, têm sido criminosa e renitentemente negligenciados há muito tempo. Os jovens podem votar a partir dos 16 anos, mas também têm sido esquecidos, como se fossem cidadãos de segunda classe. Não surpreende que muitos manifestem, ano após ano, o desejo de sair do País se as condições para isso lhes forem dadas. O “Brasil do futuro” não passará de uma ideia que se esvai no tempo enquanto governo e sociedade não abraçarem esses brasileiros.

Há uma nova janela de oportunidade, talvez a última. Malgrado o fato de o País ter uma população cada vez mais velha, há, consequentemente, menor pressão sobre o sistema público de ensino. Não é necessário mais dinheiro para aprimorá-lo, como já dissemos nesta página, mas sim mais inteligência e responsabilidade na formulação de políticas públicas de educação que formem cidadãos mais conscientes e profissionais mais produtivos.

Se o entusiasmo, o esforço e a fé desses jovens já eram determinantes para o desenvolvimento do Brasil, agora mais ainda. É preciso cuidar deles e garantir que não se sintam traídos por uma pátria que lhes vira as costas.

O bode na sala da reforma tributária

O Estado de S. Paulo

Conselho Federativo se tornou o maior desafio à aprovação da reforma. Críticas ao órgão revelam a diferença entre quem defende a reforma e quem diz apoiá-la, mas age para miná-la

Apresentado na semana passada, o parecer da reforma tributária começou a ser “espancado” pelos setores e entes federativos que serão afetados pelas mudanças na tributação de bens e serviços. Não há nenhuma surpresa nisso. Ao cobrar agilidade do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), corretamente quis dar tempo a todos os interessados para apresentar sugestões de ajustes ao texto que será submetido ao plenário no início de julho. É bom que seja assim.

Mas, para além das críticas a que todo projeto está sujeito, esse intervalo tem sido útil para identificar a diferença entre quem defende a reforma e quem diz apoiá-la, mas parece mais interessado em miná-la.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, por exemplo, firmou posição contra o Conselho Federativo, comitê formado por Estados e municípios que centralizará a arrecadação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributo resultante da união do ICMS e do ISS. No lugar do conselho, Tarcísio defende uma câmara de compensação, ambiente em que os Estados fariam um encontro de contas das operações realizadas ao fim de cada dia.

Não se trata de mero ajuste ou mudança tênue: o Conselho Federativo é simplesmente um dos pilares da reforma tributária da Câmara. Pela proposta, o Conselho fará a compensação de créditos e débitos de forma automática, sem que o dinheiro transite por caixas alheios. A existência do órgão visa justamente a eliminar os riscos envolvidos em um desenho que prevê que um Estado arrecade o que é de outro Estado por direito. Com o Conselho, cada um receberá apenas o que efetivamente lhe compete, sem que haja uma relação de interdependência para que os recursos cheguem ao seu respectivo caixa.

Em um movimento que parece orquestrado, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, mirou justamente no Conselho Federativo. Na avaliação dele, todos os Estados passariam a viver de uma “mesada”, o que está longe de ser verdade. Já o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, argumentou que cada Estado deve ter seu próprio órgão de arrecadação – como se a reforma determinasse o fim dos Fiscos estaduais.

É curioso que esses governadores não manifestem a mesma preocupação com os riscos inerentes à câmara de compensação. Nesse sistema, a tal “mesada” realmente existiria, mas seria administrada por outros Estados, principalmente São Paulo, que hoje é quem mais arrecada – como didaticamente explicou a consultora internacional na área tributária Melina Rocha, em entrevista ao Estadão.

Com a câmara, qual a garantia que um Estado em dificuldades financeiras devolverá os recursos que transitaram em seu caixa, mas não lhe pertencem? O problema envolve também os mais de 5,5 mil municípios do País, e há precedentes negativos nesse sentido – Minas Gerais, por exemplo, já deu calote ao deixar de repassar aos municípios sua cota de ICMS.

Há 15 anos, a resistência dos Estados em mudar a cobrança de ICMS da origem para o destino impediu o avanço da reforma tributária no Congresso. Em 2021, foi o ex-ministro da Economia Paulo Guedes quem implodiu a reforma, ao rejeitar a hipótese de que a União bancasse o fundo de compensação. Este, que era considerado o maior dos desafios, foi superado no governo Lula, e o Ministério da Fazenda enfim aceitou pagar a conta.

Mas agora, sob a liderança de São Paulo, a oposição à criação do Conselho Federativo se tornou a maior ameaça à aprovação da reforma. A alegação de que o órgão fere o pacto federativo não se sustenta. É justamente o oposto: a ideia é que, no Conselho, nenhum Estado tenha poder para propor quaisquer mudanças de tributação isoladamente. Tudo terá de ser negociado e articulado, em linha com o que se espera de uma verdadeira federação.

Mais uma vez, é hora de os governadores cederem e revisitarem o conceito de autonomia. O País tem agora uma chance única de aprovar a reforma tributária possível. Não será a proposta ideal, mas certamente será melhor do que o manicômio tributário que temos hoje.

O rolo do Desenrola

O Estado de S. Paulo

É improvável que o programa – demorado, complexo e restritivo – atinja a meta do governo

Por ser uma das principais promessas de campanha eleitoral de Lula da Silva, imaginava-se que o Desenrola Brasil estivesse esboçado desde o ano passado, sendo sua efetivação apenas uma questão de detalhes burocráticos. Em janeiro, o próprio governo recém-empossado indicou isso, prevendo para o mês seguinte o lançamento do programa que, segundo se dizia, seria capaz de tirar da inadimplência 70 milhões de endividados. Complexo e restritivo, contudo, o Desenrola agora só deve começar em setembro.

Um programa massivo, como pretende ser a iniciativa do governo federal para reduzir a inadimplência, exige ao menos duas prerrogativas: agilidade e simplicidade. O Desenrola descumpre ambas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passou meses atribuindo a dificuldades técnicas no desenvolvimento da plataforma digital o atraso que postergou a medida provisória oficializando a medida. “Não sou programador”, chegou a responder o ministro, numa das muitas vezes em que foi questionado.

A portaria publicada há alguns dias no Diário Oficial da União com as regras de adesão ao programa veio igualmente atrasada e empurrou ainda mais adiante o calendário. O texto informou que o cadastro dos credores e das dívidas ficará para o mês que vem; o leilão de descontos dos bancos deve ser em agosto; e somente em setembro os devedores poderão ter acesso à plataforma de renegociação. Trata-se de uma eternidade para aqueles que esperam sair do sufoco.

A única boa notícia para a multidão de endividados é que o cronograma, enfim, começa a tomar forma. Pelos dados da Serasa Experian, o número de

CPFs nessas condições bate recorde mês a mês. Em janeiro, ultrapassou 70 milhões; em maio, aproximava-se de 72 milhões. Se conseguir atingir o objetivo, o programa governamental praticamente zerará o cadastro de inadimplentes, uma tarefa muito difícil.

Pelas regras do programa, só os cidadãos que ganham até R$ 2.640 por mês (dois salários mínimos) terão garantia do Tesouro, por meio do Fundo de Garantia das Operações (FGO), e juros inferiores a 2% ao mês na renegociação das dívidas. A partir daí, o Desenrola junta num mesmo saco quem ganha um pouco mais do que isso (por exemplo, R$ 2.650) com quem recebe até pouco mais de 15 salários mínimos, ou R$ 20 mil. Esse grupo não terá o aval do FGO e as taxas de juros vão depender do que for ofertado pelos bancos em leilão.

É uma faixa muito elástica para ser tratada exatamente da mesma forma. Por isso, não é despropositado prever que uma parte deste público ficará no vácuo, sem o poder de negociação daqueles com maior renda e sem as vantagens dos juros mais baixos avalizados pelo Tesouro para os mais pobres.

Os dados sobre renegociação de dívida da Serasa mostram que, no período de 12 meses até maio, foram fechados 2,8 milhões de acordos entre credores e devedores. Por este parâmetro, parece ainda mais irreal a meta de tirar 70 milhões da inadimplência. Mas, se conseguir atingir ao menos em parte o objetivo, o programa já será positivo.

Famílias multiespécies

Correio Braziliense

O mais recente Censo Pet, realizado pelo Instituto Pet Brasil (IPB), apresenta outros dados relevantes: a marca de 149,6 milhões de pets em 2021 correspondeu a um aumento de 3,7% em relação ao ano anterior

Em meio a tantas configurações familiares, a comunidade formada por seres humanos e animais de estimação é designada como "família multiespécie" e também prevê vários direitos para os pets — a exemplo da participação no testamento do tutor e da pensão alimentícia. A temática é controversa e angaria defensores, que alegam que esses animais têm a mesma sensibilidade que os humanos, e opositores, que consideram um absurdo regulamentar leis para animais, "sendo que o Brasil ainda tem tantos problemas para resolver".

O termo famílias multiespécies é utilizado para animais de companhia, ou seja, aquele integrante que realmente faz parte da família e da convivência harmoniosa da casa, com um vínculo afetivo comprovado. Fato é que dados recentes mostram que o Brasil concentra cerca de 150 milhões de pets (2021), o que comprova a tese de que muitas pessoas têm optado por "filhos irracionais" a uma prole racional.

O mais recente Censo Pet, realizado pelo Instituto Pet Brasil (IPB), apresenta outros dados relevantes: a marca de 149,6 milhões de pets em 2021 correspondeu a um aumento de 3,7% em relação ao ano anterior. Os cães continuam liderando o ranking, com um total de 58,1 milhões, seguidos pelas aves canoras (que cantam), com 41 milhões, e pelos gatos, com 27,1 milhões. Na quarta posição, os peixes, com 20,8 milhões, e os pequenos répteis e mamíferos em quinto lugar, com 2,5 milhões de representantes.

O Projeto de Lei 179/2023, entregue este ano à Câmara dos Deputados, pretende regulamentar a família multiespécie. O projeto propõe que os animais sejam considerados filhos por afetividade e fiquem sujeitos ao poder familiar. Se o texto for aprovado, os pets também passarão a ter acesso à Justiça para defesa de seus interesses ou reparação de danos materiais e existenciais. Nesses casos, caberá ao tutor - ou, na falta dele, à Defensoria Pública e ao Ministério Público - representar o animal em juízo.

A medida ainda prevê outros direitos, como a limitação de jornada de trabalho, o repouso e a inatividade por tempo de serviço, economicamente sustentada, para os animais submetidos a labuta.

E quantos casos foram registrados nos últimos anos envolvendo maus-tratos desses animais, muitos deles de estimação. A Lei Sansão, aprovada em 2020, tomou corpo, condenando e aumentando a pena para quem cometer violência contra eles, superando a Lei de Crimes Ambientais, caso seja regulamentada. Por enquanto, a lei vigente prevê a pena de detenção, de três meses a um ano, e multa para os casos de maus-tratos contra os animais.

Enfim, a judicialização da causa animal é uma forma de reforçar o trabalho desenvolvido por associações e organizações não governamentais de defesa da fauna brasileira, além de consolidar o conceito de família multiespécie.

No momento, a proposta foi despachada para análise pelas comissões da Câmara dos Deputados e aguarda parecer do relator na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF).

 

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