CMN mantém meta e amplia prazo para o BC atingi-la
Valor Econômico
Não está descartado um ambiente mais
favorável que o previsto que permita reduções mais rápidas da taxa de juros
O Conselho Monetário Nacional fez a coisa certa e decidiu ontem estabelecer para 2026, pelo terceiro ano consecutivo, a meta de inflação em 3%, com intervalo de 1,5 ponto percentual em ambas direções. Resolveu também ratificar as metas de 2024 e 2025 e inaugurar em 2025 a perseguição contínua da meta de 12 meses, que não mais se restringirá ao ano calendário, como tem sido desde a criação do sistema, em 1999. Para a decisão contaram um trabalho paciente do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em dissuadir o presidente Lula de ampliar a meta - ele chegou a mencionar 4,5% -, a reação fortemente negativa dos investidores diante da perspectiva dessa mudança e os resultados obtidos pelo Banco Central com o aperto monetário que, com o recuo da inflação, está prestes a iniciar um ciclo de corte de juros.
O risco de mudança imediata do alvo da
inflação por decisão do Palácio do Planalto era o último obstáculo a impedir
que os investidores se convencessem de que o BC tem todas as condições de levar
a inflação a 3% em 2024 e começar logo o corte das taxas. Ontem, após três
sessões de queda, a Bolsa de Valores teve alta e os juros futuros recuaram. A
mudança para o sistema de meta contínua definida pelo CMN nada muda - essa já é
uma prática informal da autoridade monetária, que respeita a defasagem temporal
entre alta de juros e seus efeitos, que não podem ser circunscritos ao
calendário gregoriano.
A alteração veio algumas horas depois que o
BC divulgou seu Relatório Trimestral de Inflação do segundo trimestre,
apontando as perspectivas de queda do IPCA e alguns riscos remanescentes para
que se chegue à meta. Os fatores de baixa da inflação são preponderantes. Mesmo
com corte na taxa Selic para 12,25% ao fim deste ano, as probabilidades de que
a inflação estoure o teto do intervalo de variação (4,5%) é baixo, de 21%. Há
chance pequena (9%), mas relevante, de que o IPCA feche abaixo dos 3%.
Consideradas as estimativas do boletim Focus, o BC aponta que juro real
encerrará 2023 em elevados 6,6% e 5,3% em 2024, ainda bastante restritivos.
O Banco Central compatibiliza dois
movimentos contraditórios. Por um lado, sua projeção para o crescimento da
economia no ano aumentou de 1,2% para 2%, revisão atribuída à espetacular
evolução da agricultura no primeiro trimestre (21,6%). Por outro, a economia já
desacelerou no segundo trimestre e, ao fim do ano, o hiato do produto (a
distância, negativa ou positiva, que separa o nível de atividades corrente do
PIB potencial) deverá ser de 1,5% negativo.
Segundo o relatório, os dados de abril e os
indicadores coincidentes de maio indicam a continuação da perda de ritmo das
atividades no segundo trimestre. O recuo da indústria e dos serviços em abril
deixaram carregamento estatístico nulo para o período. Os indicadores
coincidentes de maio, por seu lado, registraram estabilidade ou queda no mês.
Igualmente importante é o fato de que o consumo das famílias no primeiro
trimestre tenha sido o menor em sete trimestres (0,2%) e tenha sido menor do
que o da renda disponível bruta das famílias. Isso sugere, para o BC,
“ampliação da taxa de poupança no trimestre, movimento possivelmente associado
à elevação das taxas de juros e ao esforço de desalavancagem das famílias”. Com
isso, houve redução do fluxo financeiro líquido para as famílias, que se tornou
negativo.
A variação acumulada em doze meses até maio
de Índice de Preços ao Produtor Amplo (DI) foi negativa em 8,89%, a menor desde
1996, quando tem início a série. A desaceleração da economia global amorteceu a
evolução das commodities, especialmente as de energia. Apesar disso, elas
subiram 3,3% no trimestre, segundo o IC-Br, mas, dessa vez, ao contrário dos
últimos dois anos, houve apreciação importante do real, resultando em uma queda
de 4,9% na moeda local.
O Relatório, no entanto, mostra
dificuldades no caminho da desinflação. A média trimestral dessazonalizada dos
núcleos recuou de 6,44% em fevereiro para 5,53% em maio. O problema continua
residindo na inflação subjacente dos serviços, que na série com ajuste sazonal
subiu para 5,91% no trimestre considerado, ante 5,48% no trimestre anterior.
Ainda que não determinem por si o nível de inflação, mas influam no nível de
atividade, o BC apontou que as “condições financeiras atingiram o nível menos
restritivo desde abril de 2022”, o que não facilita a tarefa da autoridade
monetária.
O relatório aborda, com base no mais
recente Questionário pré-Copom, as expectativas de cumprimento do novo regime
fiscal, que está para ser aprovado em estágio final pela Câmara. A maioria
(90%) das consultorias e bancos não mudou sua perspectiva positiva sobre a
situação fiscal ou acredita que ela melhorou. No entanto, a mediana das
projeções para 2024 apontam um déficit primário de R$ 91 bilhões (0,8% do PIB),
quando pela regra deveria ser zerado ou ser de no máximo de -0,25% do PIB.
Com o caminho livre para o BC atuar e dado o papel das expectativas para a ancoragem da inflação, não está descartado um ambiente bem mais favorável que o previsto que permita reduções mais rápidas da taxa de juros ao longo do tempo.
Ministério da Saúde deve ficar imune a
barganha política
O Globo
Custo de desprezar competência técnica e
científica ficou claro na gestão desastrosa da pandemia
Os malefícios de uma gestão na Saúde que
privilegia aspectos político-ideológicos em detrimento de critérios técnicos e
científicos ficaram evidentes na condução desastrosa da pandemia durante o
governo Jair Bolsonaro. Deveriam servir de alerta ao presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva, eleito com a promessa de resgatar a Saúde dos escombros. Lula fez bem em
escolher para o ministério um quadro técnico: a ex-presidente da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) Nísia
Trindade, que não tem ligação com o PT nem qualquer outro partido. Agora
ele precisará mostrar até que ponto vai sua convicção.
Com seis meses no cargo, Nísia sofre uma
fritura inexplicável. Não que frituras sejam inesperadas num governo que, sem
apoio sólido no Congresso, fica exposto a todo tipo de chantagem. O desgaste
parece relacionado menos a seus projetos à frente do Ministério
da Saúde — pasta com orçamento de R$ 184 bilhões — que às demandas dos
parlamentares, insatisfeitos com o ritmo de liberação de emendas para suas bases
eleitorais.
Nísia afirmou ao GLOBO ser alvo de uma
campanha para forçar sua saída do governo e rechaçou as críticas, vindas até do
PT, sobre demora na liberação de recursos a estados e municípios. Havia, disse
ela, pedidos de verbas parados fazia quatro anos, só liberados agora. Embora
tenha ampliado as reuniões com parlamentares, ela diz que não pretende abrir
mão de controles sobre a aplicação do dinheiro público. Num Congresso ávido por
verbas sem nenhuma contrapartida, é natural a rejeição.
Como forma de contemporizar, o governo Lula
planeja brindar o Centrão com o comando da Fundação Nacional de Saúde (Funasa),
extinta no início do ano, mas recriada pelo Congresso na MP que reestruturou os
ministérios. Com capilaridade nacional, como os políticos gostam, a fundação,
que já fora foco de dezenas de escândalos de corrupção e desapareceu por não
ter função relevante, servirá agora para satisfazer ao apetite dos aliados.
Não é preciso ter doutorado em políticas
públicas, basta tentar marcar um exame, consulta ou cirurgia nas unidades do
SUS para entender as deficiências e mazelas da saúde brasileira. Elevar o
padrão de atendimento da população é um desafio que exige pessoal capacitado e
gestão profissional. Não se faz isso liberando emendas ao acaso para erguer
postos de saúde em redutos eleitorais dos deputados.
É evidente que uma área sensível e vital
como o Ministério da Saúde não deveria ser moeda de troca em barganhas
políticas. O mau desempenho da pasta pode ter efeitos catastróficos, como ficou
comprovado no governo Bolsonaro, quando o ministério, por onde passaram quatro
titulares, negligenciou a pandemia, atrasou a compra de vacinas contra a
Covid-19 e fez apostas absurdas em medicamentos que não tinham comprovação
científica.
Afastar o negacionismo e resgatar o valor
da ciência são atitudes importantes, mas isso é o mínimo. O governo precisa dar
uma resposta rápida aos males que afligem a população, elevar os baixíssimos
índices de vacinação que ameaçam a volta de doenças já controladas, recuperar
os hospitais federais em situação crítica, reduzir as filas de cirurgia no SUS,
levar médicos às localidades mais remotas onde eles fazem falta etc. Para isso,
é essencial uma gestão técnica e profissional. Leiloar o Ministério da Saúde em
troca de apoio político do Centrão é a pior escolha.
Tiros que mataram jovem ao volante expõem
brutalidade da polícia francesa
O Globo
Macron enfrenta novos protestos cujo motivo
soaria familiar em países como Estados Unidos ou Brasil
Nahel M., morto aos 17 anos por um tiro à
queima-roupa disparado pelo policial que o deteve ao volante no subúrbio
parisiense de Nanterre na terça-feira, será mais um nome ao lado de Michel
Zecler, Cédric Chouviat, Théodore Luhaka ou Adama Traoré. Todos vítimas da
polícia, todos de pele escura ou origem familiar colonial — e todos tão
franceses quanto Victor Hugo, Kylian Mbappé ou o presidente Emmanuel
Macron.
A abordagem truculenta ficou evidente num
vídeo que viralizou nas redes sociais, desmentindo a versão oficial, segundo a
qual Nahel avançara com o carro contra os policiais. Em reação à brutalidade,
manifestantes tomaram as ruas em Nanterre e por todo o país. Houve
quebra-quebra e incêndios em cidades como Paris, Rouen, Toulouse e Lille. O
governo anunciou ter mobilizado 40 mil agentes da lei e ter detido mais de 180
acusados de fomentar desordem e violência.
Depois de meses de protestos contra sua reforma da Previdência, Macron agora se
vê mais uma vez às voltas com a força indomável das ruas.
Desta vez, o motivo dos protestos soaria
familiar em países como Brasil ou Estados Unidos. Os manifestantes acusam
policiais de racismo diante das estatísticas mostrando que os alvos
preferenciais da polícia são negros, imigrantes ou cidadãos de origem
magrebina. Até os métodos parecem conhecidos: a exemplo do americano George
Floyd, Chouviat e Luhaka morreram asfixiados por agentes da lei.
A morte de Nahel pôs em evidência outra
peculiaridade francesa: uma lei de 2017 autorizou o uso de força letal pela
polícia contra veículos em movimento. Para combater o terrorismo foi criado uma
espécie de “excludente de ilicitude”, como defendia o lobby de sindicatos
policiais. Os tiros disparados em Nanterre mostram os riscos evidentes de
conceder aos policiais esse tipo de autorização “excepcional”, sempre
interpretada segundo a circunstância.
O vulto que a revolta tomou é, como no caso
dos protestos contra a reforma previdenciária, resultado da impopularidade de
Macron. Ele é visto como um presidente que governa para as elites financeiras,
mais preocupado em se sair bem nas reuniões internacionais de cúpula do que com
a realidade da população dos subúrbios e das regiões que perdem empregos com a
globalização.
Na ponta do lápis, sua política econômica pode ser considerada um sucesso — os indicadores de desemprego, inflação e crescimento são positivos, e suas reformas eram há muito necessárias para trazer dinamismo ao país. Mas nada disso resiste à imagem da mãe de Nahel de punho erguido, chorando e bradando por justiça. “O que vimos, o que ouvimos não é aceitável num país como o nosso”, afirmou em vídeo a prefeita de Paris, Anne Hidalgo. “Não é aceitável numa grande democracia. Não é aceitável, porque a polícia está aí para nos proteger.” Vale para a França, para os Estados Unidos — e vale também para o Brasil.
Imparciais por ofício
Folha de S. Paulo
Encontros entre ministros do STF e
autoridades minam prestígio das instituições
É conhecida a frase de Potter Stewart sobre
os limites da obscenidade na arte. Numa decisão de 1964, o juiz da Suprema
Corte dos EUA avisou que não se arriscaria a dizer quais conteúdos cabem na
definição de pornografia. "Mas eu sei o que é quando a vejo",
concluiu.
Repetida amiúde, a formulação de Stewart
tem a vantagem de se adaptar às mais variadas situações, inclusive àquelas sem
nenhum elemento explícito —sexual ou não.
Tomem-se os encontros não oficiais entre
ministros do Supremo Tribunal Federal com variadas autoridades da República,
empresários e advogados. Talvez não seja fácil listar todas as situações
revestidas de potencial conflito de interesses, mas não é difícil reconhecê-lo
diante de casos concretos.
No episódio mais recente, o ministro Gilmar
Mendes de novo levou uma comitiva para evento acadêmico em Lisboa,
realizado pelo seu IDP. Entre os convidados estavam Arthur Lira (PP-AL),
presidente da Câmara; Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente da República; e
Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo.
Meses antes, na mesma capital portuguesa,
João Doria organizou, com tudo pago e não pela primeira vez, um convescote
empresarial com a participação
de Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, todos do STF.
Questões incômodas se acumulam quando estão
presentes julgadores e potenciais réus. Para ficar em apenas duas, será que
Gilmar atrairia trupe de tamanho prestígio se não fosse o poder de sua toga? Os
ministros julgarão com equidistância pessoas de quem tanto se aproximam nessas
ocasiões?
Embora as respostas importem, a mera
formulação das perguntas já indica um problema. Não por acaso, o Código de
Ética da Magistratura define o juiz imparcial como aquele que, entre outras
coisas, evita comportamentos que possam refletir favoritismo ou predisposição.
O objetivo é assegurar que nem mesmo as
aparências, ainda que fora do âmbito estrito de atividade jurisdicional, possam
insuflar nos cidadãos alguma desconfiança sobre o sistema de Justiça.
E não há como aplacar um olhar desconfiado
em eventos como os de Gilmar e Doria. Ou mesmo quando ministros do STF e do
Tribunal Superior Eleitoral se encontram com o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) em uma festa ou um churrasco. Como o petista reagiria se, após um
jogo do Corinthians, descobrisse que o árbitro confraternizou com o time
adversário?
Atitudes que conotem parcialidade só
contribuem para reforçar o ímpeto antidemocrático de uma parcela da população.
Por ironia, o principal tema do fórum do IDP em Lisboa é "Estado
democrático de Direito e defesa das instituições".
Selva de pedra
Folha de S. Paulo
Carente de áreas verdes, SP precisa de
política factível na criação de parques
Numa metrópole com tamanha carência de
áreas verdes, causa espécie que a Prefeitura de São Paulo gaste R$ 1,7
milhão por ano para manter fechado desde 2012 o parque Primavera, na
região de São Miguel Paulista (zona leste).
O local se tornou fonte de desconforto para
moradores. Grades foram furtadas e parte do local foi ocupada por pessoas em
situação de rua e usuários de drogas. Há descarte irregular de entulho e
proliferação de ratos e insetos.
Há 11 anos, o Ministério Público barrou a
inauguração do parque porque a área havia sido um aterro sanitário na década de
1980, e o solo poderia estar contaminado. Laudos da Companhia Ambiental do
Estado de São Paulo (Cetesb) atestaram segurança, mas a promotoria discordou e
solicitou novos estudos técnicos.
Qualquer que seja o órgão responsável pela
procrastinação inaceitável, fato é que o caso expõe ineficiência do poder
público.
Outra disputa que já durava mais de duas
décadas recebeu solução, ao menos em teoria, com a revisão do Plano Diretor,
que incorporou uma área remanescente de mata atlântica de 63 mil m² na zona sul
à lista de parques a serem criados.
Hoje nas mãos de uma incorporadora
imobiliária, o Jardim
Alfomares será doado à prefeitura, que, em troca, dará à empresa
créditos que podem ser usados para pagar a taxa cobrada pela gestão municipal
para construir prédios em outras regiões da capital paulista.
O mecanismo já foi utilizado. Construtoras
receberam R$ 205,4 milhões em créditos pela doação do terreno onde foi criado o
parque Augusta, no centro da cidade.
Atraso também se verifica na implementação
do próprio Plano Diretor. Em 2014, a norma previa a entrega de 167
parques. Nove anos
depois, só 11 foram inaugurados. Agora, a revisão da norma prevê a
criação de 186 —atualmente, a cidade tem 111.
Em gestão pública, é melhor apresentar
números conservadores, mas factíveis. Como atesta a experiência, há grande
dificuldade em tirar os parques do papel.
Áreas verdes são essenciais para a
qualidade de vida nas grandes cidades. Contribuem para evitar alagamentos, ao
reduzir a impermeabilização do solo, e para a saúde, ao estimular a atividade
física.
Parcerias público-privadas podem impulsionar projetos, seja atraindo recursos, seja pela contratando serviços sem as barreiras da burocracia estatal.
Os jovens nunca foram tão preciosos
O Estado de S. Paulo
Censo aponta para o envelhecimento
acelerado da população. Ou se dá agora atenção à formação de jovens mais
conscientes e produtivos ou o País estará condenado à mediocridade
Após cerca de 50 anos de oportunidades
desperdiçadas, o País parece ter atingido o limiar crítico no que concerne às
expectativas de desenvolvimento econômico e social. Os dados preliminares do
Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) no dia 28 passado, não dão margem para muitas dúvidas. A depender da
atenção que for dada hoje – não amanhã ou depois de amanhã – às necessidades
prementes de milhões de crianças e jovens, o Brasil estará condenado ao
crescimento medíocre, sem direito a apelação, ou poderá caminhar a passos um
tanto mais ágeis rumo a um estágio de progresso que, enfim, dê à população a
chance de usufruir do bem-estar que só os países de alta renda têm condições de
proporcionar aos seus cidadãos.
De acordo com o Censo, a população
brasileira é, aproximadamente, 5% menor do que se supunha. Somos 203,1 milhões
de habitantes, ante os 214 milhões projetados há cinco anos pelo IBGE para
2022. Mais preocupante, contudo, é o estreitamento agudo do chamado bônus
demográfico, cenário em que a população em idade economicamente ativa supera o
número de crianças e idosos. A taxa média de crescimento anual da população
registrada pelo IBGE entre 2010 e 2022 foi de apenas 0,52%. Trata-se do menor
patamar em 150 anos de história de levantamentos censitários regulares no País
e a primeira vez que o indicador fica abaixo de 1%. O dado aponta para a
prevalência dos idosos (indivíduos com 60 anos ou mais) sobre as crianças e
jovens antes de 2030, contrariando outra projeção de especialistas.
Pesquisadores de várias áreas, sobretudo os
demógrafos, ainda estão debruçados sobre os dados do Censo recémdivulgados, de
modo que esse recuo acentuado da taxa de crescimento populacional anual ainda
carece de conclusões mais elaboradas e definitivas. Mas é consensual o
diagnóstico de que a população brasileira está envelhecendo mais rápido do que
o esperado e algo precisa ser feito já para aumentar as perspectivas de futuro
para um segmento da população, as gerações mais jovens, que está em franca
diminuição. Como disse ao Estadão o demógrafo José Eustáquio Diniz,
ex-professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE, “não
há experiência histórica de um país que antes envelheceu e depois enriqueceu”.
Esse “algo” a ser feito não é mistério nem
tampouco requer uma fórmula mágica que haveria de ser concebida de uma hora
para outra por especialistas desesperados com a dimensão do desafio que se
posta diante do País. A solução é há muito conhecida: elevar o desenvolvimento
da educação pública à condição de prioridade nacional. Não como discurso, tal
como tem sido há décadas, mas como consenso acima de quaisquer disputas
político-ideológicas, um ponto de união da Nação que se traduza em políticas de
Estado, não apenas de governos, muito bem formuladas e implementadas.
Talvez por não terem voz direta no debate
público e, principalmente, por não votarem, os interesses das crianças
brasileiras, em particular nos estratos mais vulneráveis da população, têm sido
criminosa e renitentemente negligenciados há muito tempo. Os jovens podem votar
a partir dos 16 anos, mas também têm sido esquecidos, como se fossem cidadãos
de segunda classe. Não surpreende que muitos manifestem, ano após ano, o desejo
de sair do País se as condições para isso lhes forem dadas. O “Brasil do
futuro” não passará de uma ideia que se esvai no tempo enquanto governo e
sociedade não abraçarem esses brasileiros.
Há uma nova janela de oportunidade, talvez
a última. Malgrado o fato de o País ter uma população cada vez mais velha, há,
consequentemente, menor pressão sobre o sistema público de ensino. Não é
necessário mais dinheiro para aprimorá-lo, como já dissemos nesta página, mas
sim mais inteligência e responsabilidade na formulação de políticas públicas de
educação que formem cidadãos mais conscientes e profissionais mais produtivos.
Se o entusiasmo, o esforço e a fé desses
jovens já eram determinantes para o desenvolvimento do Brasil, agora mais
ainda. É preciso cuidar deles e garantir que não se sintam traídos por uma pátria
que lhes vira as costas.
O bode na sala da reforma tributária
O Estado de S. Paulo
Conselho Federativo se tornou o maior desafio à aprovação da reforma. Críticas ao órgão revelam a diferença entre quem defende a reforma e quem diz apoiá-la, mas age para miná-la
Apresentado na semana passada, o parecer da
reforma tributária começou a ser “espancado” pelos setores e entes federativos
que serão afetados pelas mudanças na tributação de bens e serviços. Não há
nenhuma surpresa nisso. Ao cobrar agilidade do relator, deputado Aguinaldo
Ribeiro (PP-PB), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), corretamente quis
dar tempo a todos os interessados para apresentar sugestões de ajustes ao texto
que será submetido ao plenário no início de julho. É bom que seja assim.
Mas, para além das críticas a que todo
projeto está sujeito, esse intervalo tem sido útil para identificar a diferença
entre quem defende a reforma e quem diz apoiá-la, mas parece mais interessado
em miná-la.
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, por exemplo, firmou posição contra o Conselho Federativo, comitê
formado por Estados e municípios que centralizará a arrecadação do Imposto
sobre Bens e Serviços (IBS), tributo resultante da união do ICMS e do ISS. No
lugar do conselho, Tarcísio defende uma câmara de compensação, ambiente em que
os Estados fariam um encontro de contas das operações realizadas ao fim de cada
dia.
Não se trata de mero ajuste ou mudança
tênue: o Conselho Federativo é simplesmente um dos pilares da reforma
tributária da Câmara. Pela proposta, o Conselho fará a compensação de créditos
e débitos de forma automática, sem que o dinheiro transite por caixas alheios.
A existência do órgão visa justamente a eliminar os riscos envolvidos em um
desenho que prevê que um Estado arrecade o que é de outro Estado por direito.
Com o Conselho, cada um receberá apenas o que efetivamente lhe compete, sem que
haja uma relação de interdependência para que os recursos cheguem ao seu
respectivo caixa.
Em um movimento que parece orquestrado, o
governador de Goiás, Ronaldo Caiado, mirou justamente no Conselho Federativo.
Na avaliação dele, todos os Estados passariam a viver de uma “mesada”, o que
está longe de ser verdade. Já o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro,
argumentou que cada Estado deve ter seu próprio órgão de arrecadação – como se
a reforma determinasse o fim dos Fiscos estaduais.
É curioso que esses governadores não
manifestem a mesma preocupação com os riscos inerentes à câmara de compensação.
Nesse sistema, a tal “mesada” realmente existiria, mas seria administrada por
outros Estados, principalmente São Paulo, que hoje é quem mais arrecada – como
didaticamente explicou a consultora internacional na área tributária Melina
Rocha, em entrevista ao Estadão.
Com a câmara, qual a garantia que um Estado
em dificuldades financeiras devolverá os recursos que transitaram em seu caixa,
mas não lhe pertencem? O problema envolve também os mais de 5,5 mil municípios
do País, e há precedentes negativos nesse sentido – Minas Gerais, por exemplo,
já deu calote ao deixar de repassar aos municípios sua cota de ICMS.
Há 15 anos, a resistência dos Estados em
mudar a cobrança de ICMS da origem para o destino impediu o avanço da reforma
tributária no Congresso. Em 2021, foi o ex-ministro da Economia Paulo Guedes
quem implodiu a reforma, ao rejeitar a hipótese de que a União bancasse o fundo
de compensação. Este, que era considerado o maior dos desafios, foi superado no
governo Lula, e o Ministério da Fazenda enfim aceitou pagar a conta.
Mas agora, sob a liderança de São Paulo, a
oposição à criação do Conselho Federativo se tornou a maior ameaça à aprovação
da reforma. A alegação de que o órgão fere o pacto federativo não se sustenta.
É justamente o oposto: a ideia é que, no Conselho, nenhum Estado tenha poder
para propor quaisquer mudanças de tributação isoladamente. Tudo terá de ser
negociado e articulado, em linha com o que se espera de uma verdadeira
federação.
Mais uma vez, é hora de os governadores
cederem e revisitarem o conceito de autonomia. O País tem agora uma chance
única de aprovar a reforma tributária possível. Não será a proposta ideal, mas
certamente será melhor do que o manicômio tributário que temos hoje.
O rolo do Desenrola
O Estado de S. Paulo
É improvável que o programa – demorado,
complexo e restritivo – atinja a meta do governo
Por ser uma das principais promessas de
campanha eleitoral de Lula da Silva, imaginava-se que o Desenrola Brasil
estivesse esboçado desde o ano passado, sendo sua efetivação apenas uma questão
de detalhes burocráticos. Em janeiro, o próprio governo recém-empossado indicou
isso, prevendo para o mês seguinte o lançamento do programa que, segundo se
dizia, seria capaz de tirar da inadimplência 70 milhões de endividados.
Complexo e restritivo, contudo, o Desenrola agora só deve começar em setembro.
Um programa massivo, como pretende ser a
iniciativa do governo federal para reduzir a inadimplência, exige ao menos duas
prerrogativas: agilidade e simplicidade. O Desenrola descumpre ambas. O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passou meses atribuindo a dificuldades
técnicas no desenvolvimento da plataforma digital o atraso que postergou a
medida provisória oficializando a medida. “Não sou programador”, chegou a
responder o ministro, numa das muitas vezes em que foi questionado.
A portaria publicada há alguns dias no
Diário Oficial da União com as regras de adesão ao programa veio igualmente
atrasada e empurrou ainda mais adiante o calendário. O texto informou que o
cadastro dos credores e das dívidas ficará para o mês que vem; o leilão de
descontos dos bancos deve ser em agosto; e somente em setembro os devedores
poderão ter acesso à plataforma de renegociação. Trata-se de uma eternidade
para aqueles que esperam sair do sufoco.
A única boa notícia para a multidão de
endividados é que o cronograma, enfim, começa a tomar forma. Pelos dados da
Serasa Experian, o número de
CPFs nessas condições bate recorde mês a
mês. Em janeiro, ultrapassou 70 milhões; em maio, aproximava-se de 72 milhões.
Se conseguir atingir o objetivo, o programa governamental praticamente zerará o
cadastro de inadimplentes, uma tarefa muito difícil.
Pelas regras do programa, só os cidadãos
que ganham até R$ 2.640 por mês (dois salários mínimos) terão garantia do
Tesouro, por meio do Fundo de Garantia das Operações (FGO), e juros inferiores
a 2% ao mês na renegociação das dívidas. A partir daí, o Desenrola junta num
mesmo saco quem ganha um pouco mais do que isso (por exemplo, R$ 2.650) com
quem recebe até pouco mais de 15 salários mínimos, ou R$ 20 mil. Esse grupo não
terá o aval do FGO e as taxas de juros vão depender do que for ofertado pelos
bancos em leilão.
É uma faixa muito elástica para ser tratada
exatamente da mesma forma. Por isso, não é despropositado prever que uma parte
deste público ficará no vácuo, sem o poder de negociação daqueles com maior
renda e sem as vantagens dos juros mais baixos avalizados pelo Tesouro para os
mais pobres.
Os dados sobre renegociação de dívida da Serasa mostram que, no período de 12 meses até maio, foram fechados 2,8 milhões de acordos entre credores e devedores. Por este parâmetro, parece ainda mais irreal a meta de tirar 70 milhões da inadimplência. Mas, se conseguir atingir ao menos em parte o objetivo, o programa já será positivo.
Famílias multiespécies
Correio Braziliense
O mais recente Censo Pet, realizado pelo
Instituto Pet Brasil (IPB), apresenta outros dados relevantes: a marca de 149,6
milhões de pets em 2021 correspondeu a um aumento de 3,7% em relação ao ano
anterior
Em meio a tantas configurações familiares,
a comunidade formada por seres humanos e animais de estimação é designada como
"família multiespécie" e também prevê vários
direitos para os pets — a exemplo da participação no testamento do tutor e da pensão
alimentícia. A temática é controversa e angaria defensores, que alegam
que esses animais têm a mesma sensibilidade que os humanos, e opositores, que
consideram um absurdo regulamentar leis para animais, "sendo que o Brasil
ainda tem tantos problemas para resolver".
O termo famílias multiespécies é utilizado
para animais de companhia, ou seja, aquele integrante que realmente faz parte
da família e da convivência harmoniosa da casa, com um vínculo afetivo
comprovado. Fato é que dados recentes mostram que o Brasil concentra cerca de
150 milhões de pets (2021), o que comprova a tese de que muitas pessoas têm
optado por "filhos irracionais" a uma prole racional.
O mais recente Censo
Pet, realizado pelo Instituto Pet Brasil (IPB), apresenta outros dados
relevantes: a marca de 149,6 milhões de pets em 2021 correspondeu a um aumento
de 3,7% em relação ao ano anterior. Os cães continuam liderando o ranking, com
um total de 58,1 milhões, seguidos pelas aves canoras (que cantam), com 41
milhões, e pelos gatos, com 27,1 milhões. Na quarta posição, os peixes, com
20,8 milhões, e os pequenos répteis e mamíferos em quinto lugar, com 2,5
milhões de representantes.
O Projeto de Lei 179/2023, entregue este
ano à Câmara dos Deputados, pretende regulamentar a família multiespécie. O
projeto propõe que os animais sejam considerados filhos por afetividade e
fiquem sujeitos ao poder familiar. Se o texto for aprovado, os pets também
passarão a ter acesso à Justiça para defesa de seus interesses ou reparação de
danos materiais e existenciais. Nesses casos, caberá ao tutor - ou, na falta
dele, à Defensoria Pública e ao Ministério Público - representar o animal em
juízo.
A medida ainda prevê outros direitos, como
a limitação de jornada de trabalho, o repouso e a inatividade por tempo de
serviço, economicamente sustentada, para os animais submetidos a labuta.
E quantos casos foram registrados nos
últimos anos envolvendo maus-tratos desses animais, muitos deles de estimação.
A Lei Sansão, aprovada em 2020, tomou corpo, condenando e aumentando a pena
para quem cometer violência contra eles, superando a Lei de Crimes Ambientais,
caso seja regulamentada. Por enquanto, a lei vigente prevê a pena de detenção,
de três meses a um ano, e multa para os casos de maus-tratos contra os animais.
Enfim, a
judicialização da causa animal é uma forma de reforçar o trabalho
desenvolvido por associações e organizações não governamentais de defesa da
fauna brasileira, além de consolidar o conceito de família multiespécie.
No momento, a proposta foi despachada para
análise pelas comissões da Câmara dos Deputados e aguarda parecer do relator na
Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família
(CPASF).
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