Folha de S. Paulo
Se Musk não tornar a rede sustentável,
morrerá um importante palco do debate público
Falamos muito do poder das redes sociais,
mas não reparamos o quão rápido ele surgiu e o quão rápido pode mudar. MySpace,
Orkut, Friendster, StumbleUpon, Google+; nomes
que ficaram para trás e hoje é como se nunca tivessem existido. O que nos traz
ao Twitter:
será que ele está fadado a seguir o mesmo caminho?
Quando Elon
Musk comprou o Twitter e começou a fazer
mudanças, não faltaram profetas
do colapso. A demissão em massa de funcionários faria com que serviços
essenciais começassem a falhar e em
breve o site sairia do ar. Era questão de dias.
Meses se passaram e nada disso aconteceu, o que nos leva a suspeitar duas coisas: 1) que o número inflado de funcionários da empresa deficitária talvez não fosse tão necessário assim. 2) Que as profecias de colapso iminente feitas agora que Musk implementou novas mudanças (limitou a quantidade de tweets diários que podemos ler) também devem ser exageradas.
E diferentemente
de suas rivais, a experiência de usuário que ele oferece não é das mais
agradáveis. Se você já ousou postar alguma coisa nele, sabe do que eu estou
falando. Não se deve esperar ali a menor gota de boa-fé, ou de leitura
caritativa, de quem quer que seja.
Como o segredo do sucesso nessa rede é
provocar a indignação coletiva, tudo que pode ser interpretado de modo a soar
pior do que seu autor desejava será com toda a certeza interpretado dessa
maneira.
O resultado é uma torrente ininterrupta de deboche, ofensas, xingamentos e até
baixaria, muitas vezes de gente bem formada. Muitas vezes, não dá nem para
saber se estamos discutindo com um ser humano real ou com um perfil falso
criado só para inflar o apoio a alguma bandeira, movimento ou personalidade.
E, curiosamente, é nesse clima tóxico que interagimos com jornalistas,
políticos e artistas, conseguindo deles informações em primeira mão. Donald Trump,
como se sabe, fez do Twitter seu meio preferencial de comunicação.
Esse palco aberto a todos, que privilegia
os mais histriônicos e indignados, é também o espaço de interação direta mais
horizontal da internet. Do presidente ao cientista ao desempregado, todos estão
batendo boca no mesmo nível.
Uma coisa não deve ser independente da outra. É a extrema horizontalidade
somada ao imediatismo que convidam ao abandono dos padrões de sociabilidade. No
Twitter, entendemos um pouco da humanidade em estado puro. Sem os freios e
riscos da convivência face a face, sem uma cultura em comum que dite o lugar de
cada um, e com a necessidade de chamar atenção da forma mais imediata possível,
o desejo de glória individual e de vitória do próprio grupo contra os inimigos
se fundem numa alquimia poderosa.
Ganha quem ofender melhor os membros da
outra tribo para o aplauso dos seus. Se faltarem inimigos do lado de fora, não
é problema: certamente entre os nossos há traidores e moderados a serem
expostos e oferecidos à sanha moralista da turba.
Se Musk falhar no desafio de tornar
essa cracolândia digital num negócio sustentável, será o fim de um palco
importante do debate público atual. O contato direto —puramente horizontal— de
todos com todos terá chegado ao fim. Nossa saúde mental agradecerá, mas nossas
aspirações democráticas morrerão um pouquinho também.
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