O Globo
Um ponto importante que pode sair do
encontro, segundo os que acompanharam as negociações preparatórias, é uma
agenda de combate aos crimes nas fronteiras
A cúpula que começa hoje em Belém é a
retomada de um diálogo interrompido numa época em que o tempo se acelerou. Treze
anos depois da última reunião, tudo é mais grave e mais urgente. Os países têm
situações políticas distintas, alguns enfrentam grave crise interna. Para o
Brasil, a cúpula é estratégica porque dá ao presidente Lula mais argumentos.
Agora, além dos dados de queda de desmatamento, conseguidos em seis meses de
governo, ele terá reunido os países da região, mostrando liderança e
iniciativa. Vai ter o que apresentar nos próximos encontros multilaterais: do
G-20, que passará a presidir no mês que vem, na abertura da ONU, na COP-28 e em
Davos, no Fórum Econômico Mundial. Mas avanços mais concretos serão
necessários.
— Há uma enorme discrepância entre os países amazônicos em termos de presença e atividades na região, nenhum chegando perto do Brasil que é amazônico por excelência — diz o embaixador Rubens Ricupero, o principal negociador do Tratado de Cooperação Amazônica, assinado em Brasília, em 1978.
O encontro dos presidentes de países
amazônicos — e mais os países convidados — é hoje e amanhã, mas as atividades
preparatórias e paralelas começaram na semana passada. O cientista Carlos Nobre
estava, ontem à tarde, animado com a qualidade dos painéis, os compromissos
assumidos por bancos e o inédito protagonismo indígena nos dias que antecederam
a cúpula. O problema nos encontros ambientais e climáticos é que o entusiasmo
da sociedade civil nem sempre se transforma em compromissos efetivos dos
governos.
Pela enorme diferença entre a posição dos
países, o documento final tende a ser fraco, sem firmar compromissos pelo
desmatamento zero, como o Brasil gostaria, ou com a moratória da exploração de
petróleo, como a Colômbia queria, explica Marcio Astrini, secretário executivo
do Observatório do Clima.
— Pode ser uma declaração bem típica de
processos multilaterais não amadurecidos, uma carta política. Olhando para trás
é mais do que se tinha, olhando para a frente está longe de ser o que se
precisa — diz Astrini.
No entendimento de Ricupero, a principal
vocação do Tratado é coordenar a pesquisa em ciência e tecnologia.
— Sabemos pouco sobre as diversas
amazônias. Por isso, o melhor resultado seria criar um painel
intergovernamental no âmbito do Tratado, formado por cientistas — diz o
embaixador.
Já existe um painel de cientistas que nos
últimos dois anos tem reunido especialistas, o Painel Científico da Amazônia,
do qual o climatologista Carlos Nobre é copresidente. Mas o SPA, na sigla em
inglês, pode ganhar mais fôlego para se transformar num IPCC (Painel
Intergovernamental de Mudança Climática) da Amazônia.
— Há uma enorme ausência de conhecimento
sobre a Amazônia, de produção, de princípios ativos para a medicina, de
hidrografia, de climatologia. O que se gasta em ciência e tecnologia na Amazônia
é muito pouco, quase nada. O Brasil gasta mais com a Antártida do que com a
Amazônia —compara Ricupero.
Um ponto importante que pode sair do
encontro, segundo os que acompanharam as últimas horas das negociações
preparatórias, é uma agenda de combate aos crimes nas fronteiras. O crime
aumentou muito na região, e não só o ambiental.
Quando o Tratado foi negociado, o Brasil
vivia o auge da tensão com a Argentina na disputa das hidrelétricas de Itaipu e
Corpus. O Brasil tentava mostrar capacidade de articulação na Amazônia. E
conseguiu. Para a assinatura todos os presidentes vieram a Brasília. No ano
seguinte, em 1979, todos os chanceleres se reuniram no Theatro da Paz, em
Belém. Como jornalista, cobri os eventos. Havia expectativa de avanços nessa
integração. Mas levou muito tempo para se criar uma Organização do Tratado e,
depois, longa interrupção de reuniões de cúpula. É uma nova chance a que se
abre agora.
Haverá, evidentemente, um palco para
Nicolás Maduro, mas o grande vencedor dessa reunião, segundo observadores em
Belém, será o presidente Lula. Porém, isso também o amarra aos compromissos.
Lula não pode defender a Amazônia e, ao mesmo tempo, apoiar o combo que a
bancada ruralista tenta aprovar de mais agrotóxico, anistia para a grilagem e
flexibilização do licenciamento ambiental. Há outros dilemas como o
asfaltamento da BR-319 e a Ferrogrão. Isso sem falar no grande ponto de
conflito que é a exploração de petróleo no mar da Amazônia, principalmente se o
governo tentar fazer como fez em Belo Monte, passando por cima do órgão
ambiental.
2 comentários:
"Quer saber?
No caso da exploração de petróleo no mar da Amazônia, o governo não vai fazer como fez em Belo Monte, passando por cima do órgão ambiental, não.
Vai passar por baixo."
Fábia, a Sábia
Assistente-doméstica cruel, direta e verdadeira
Juízo!
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