Valor Econômico
Lira e seu grupo político estão insatisfeitos
com o governo, que não honrou acordos de entregas de cargos
“Backlash” é um termo usado em ciência
política para descrever um movimento forte de reação a alguma inovação social
ou legal. Por sua própria natureza, é um movimento conservador. O Brasil vive
neste momento um “backlash” que se traduz em uma espécie de cerco ao Supremo
Tribunal Federal.
Na reta final da gestão da ministra Rosa
Weber à frente da Corte, o Supremo autorizou a volta da contribuição
assistencial aos sindicatos, vetou o marco temporal das terras indígenas,
avançou para liberalizar o consumo de drogas e tirou da gaveta o julgamento de
uma ação que pode legalizar o aborto. A primeira ação descrita mobilizou
classes empresariais contra o STF, a segunda radicalizou os ruralistas, a
terceira foi criticada pela chamada “bancada da bala” no Congresso e a quarta
escandalizou evangélicos e católicos conservadores.
Toda essa ampla frente deságua em um rio já
abastecido pelo bolsonarismo, acuado desde os atos golpistas de 8 de janeiro e
da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro. A reação se fez. Um
circuito se fechou, surgiu a ignição.
É nesse contexto que precisa ser compreendido o bom momento da oposição no Senado e na Câmara dos Deputados, com obstrução da pauta e avanços na agenda conservadora.
Na terça-feira, para citar um único exemplo,
a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, em 42 segundos, uma PEC
que proíbe decisões monocráticas do STF. O cabresto já está bem ajustado para
tolher as ações mais esquerdistas do Executivo, e agora busca-se no Legislativo
cabrestear o Judiciário.
Em um encontro das frentes conservadoras com
jornalistas, o coordenador da bancada ruralista, deputado Pedro Lupion (PP-PR),
disse que vê um divisor de águas no julgamento do Supremo que acabou com o
marco temporal. “Há um Senado antes e outro depois”, comentou. Colabora para a
mudança, segundo ele, o cálculo eleitoral. Os senadores já estão de olho nas
eleições de 2026, necessitam do voto majoritário e as causas ditas
progressistas são de nichos.
O contencioso entre os ruralistas e o
Judiciário não se encerrou com a votação do marco temporal. Outros pontos na
agenda preocupam. Há, por exemplo, os embargos de declaração sobre o Código
Florestal, que podem impedir que empresários rurais que desmatam em determinado
lugar façam compensação em outro. Como o novo presidente do STF, Luís Roberto
Barroso fez sinalizações ao agronegócio em seu discurso de posse, há uma
expectativa de que o magistrado se transforme em uma ponte para o diálogo com o
setor.
Em relação ao bolsonarismo puro e duro, hoje
sem referencial para a disputa de 2026, qualquer debilitação do Judiciário é
uma oportunidade a ser aproveitada. Não por outro motivo, o presidente do PL
mineiro, deputado Domingos Sávio (MG), resgatou do esquecimento uma PEC que
permite a revisão de decisões judiciais pelo Congresso, mesmo as transitadas em
julgado. Bastaria que Câmara e Senado, por maioria de três quintos, entendessem
que o Judiciário exorbitou suas funções. Sávio recepcionou Bolsonaro nessa
quinta-feira em Belo Horizonte
Na Câmara, o ponto fraco das frentes
conservadoras é sua dependência em relação ao presidente da Casa, Arthur Lira
(PP-AL), chamado internamente de “primeiro-ministro”, tal a concentração de poder
que o parlamentar passou a ter. Lira e seu grupo político estão insatisfeitos
com o governo, que não honrou acordos de entregas de cargos na Funasa e na
Caixa Econômica Federal. Nada que seja irreversível, portanto. Os coordenadores
das frentes que organizam a obstrução admitem que podem estar sendo usados para
aumentar o cacife de Lira e consideram que isso é do jogo da política.
A pauta que as frentes conservadoras tentam
impulsionar na Casa é a da PEC 32, a da reforma administrativa. O texto foi proposto
no governo Bolsonaro e depois abandonado por ele mesmo nos desvãos do
Congresso. Lira a relançou, mas não colocou em pauta o tema. Ao colocarem a PEC
32 entre as reivindicações para suspender a obstrução, os conservadores querem
criar ambiente para que a proposta seja pautada.
Fundo Eleitoral
Quando o governo enviou uma previsão de R$
939,2 milhões para o fundo eleitoral na proposta orçamentária, deixou claro que
transferia para as lideranças no Congresso a autonomia para fixar o novo valor.
Na última eleição, ano passado, foram consumidos R$ 4,968 bilhões, e na ocasião
o dinheiro foi repartido para 28,7 mil candidatos. Uma eleição municipal, como
será a de 2024, envolve muito mais gente. Na última disputa dessa natureza, em
2020, houve 517 mil postulantes. A questão começa a ser comentada por
lideranças governistas no Congresso. Fala-se em elevar os gastos a R$ 7
bilhões, o que seria um novo recorde em recursos públicos para as eleições.
O governo federal colocou uma trava para esta
rubrica no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Na proposta do
governo, a despesa com fundo eleitoral terá como limite máximo “o
correspondente autorizado no exercício de 2022”. Caso se queira ir além desse
teto, o excedente será bancado com dinheiro destinado para emendas
parlamentares.
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