Folha de S. Paulo
Legislativo sente que possui condição de
aumentar sua centralidade institucional
Há algo de novo na atual guerra entre o Congresso
Nacional e o STF (Supremo
Tribunal Federal).
O atual pacote de represálias ao STF,
atualizado diariamente com novidades, tem sido levado adiante com seriedade e
veemência singulares. Aparentemente, o Congresso farejou sangue e, com isso,
sente que possui condição, em contexto adequado, para tolher o Judiciário e
aumentar sua centralidade institucional na batalha entre os Poderes.
Esse pacote de represálias ao STF possui duas
frentes.
Na primeira frente, estão sendo discutidas
(ou até aprovadas) normas que visam reverter as decisões mais progressistas do
tribunal.
Na segunda frente do pacote, estão em
discussão propostas de alteração no desenho institucional e poderes do STF
para, de um lado, mitigar as condições do tribunal controlar excessos e abusos
do Legislativo e Judiciário bem como, de outro lado, aumentar as ingerências
desses poderes políticos sobre o tribunal.
Esses temas não são propriamente novos, como já indicou Eloísa Machado em artigo na Folha. Porém o contexto possui peculiaridades.
Tanto o presidente da Câmara
dos Deputados quanto o do Senado Federal (Arthur
Lira e Rodrigo
Pacheco) têm realizado consecutivas manifestações públicas sobre a
necessidade de colocar limites no Supremo.
Na quarta (4), a Comissão de Constituição de
Justiça (possivelmente a mais relevante do Senado) aprovou a votação da PEC nº
08/21 em menos de um minuto, de forma unânime.
Mas por que essas medidas têm sido tomadas
agora?
É parte da verdade que se trata de Lira e
Pacheco se posicionando perante a ala mais radical de cada Casa legislativa
para se manterem seu grupo na presidência, como
indicou Bruno Boghossian.
É também parcialmente correto atribuir essa
reação ao fato de o STF ter manejado mal seu poder de agenda e pautado para
julgamento aborto, descriminalização da maconha e demarcação de terras
indígenas, enquanto julga o movimento golpista de 8 de janeiro, como
sinalizou Hélio Schwartsman.
Porém a insatisfação do Congresso com a
proeminência política do Supremo vem crescendo ao longo da última década. Ao
longo desse período, o STF esteve no centro da vida política por motivos
diferentes.
Em um primeiro momento, o tribunal assume
para si a agenda popular de moralização da política que acaba atingindo em
cheio o Partido dos Trabalhadores, seu governo e sua coalizão partidária.
Nessa fase atuou com o julgamento do mensalão (2012-2014),
a regulação ambígua do impeachment (2015-2016) e o endosso da Lava Jato
(2015-2018). Muitos membros do Congresso foram presos ou afastados.
Nesse mesmo período, o STF tomou diversas
decisões progressistas —ainda que em sua maioria, apenas chancelando políticas
do Executivo e Legislativo. Nessa fase, a candidatura de Lula foi inviabilizada
pelo Supremo.
Em um segundo momento, com as eleições de
2018, o Legislativo e o Executivo recuperam boa parte da sua força e
legitimidade. O então presidente Dias Toffoli chegou
a sinalizar que o Supremo iria mitigar seu papel na ordem política, mas essa
intenção durou pouco.
Após constantes ataques do Executivo e seus
aliados contra o próprio Supremo, a denúncia de corrupção por Sergio Moro (e
sua saída do governo) e a instalação da crise do coronavírus, a ausência de
controle pelo PGR, e a formação de um movimento golpista albergado no Palácio
do Planalto, o STF se tornou a principal instituição de fiscalização e controle
do Executivo (ao lado, talvez, do Senado Federal).
Nesse período, a Operação Lava Jato é
enterrada (para felicidade do Congresso), mas diversas medidas conservadoras
(inconstitucionais) do governo
Bolsonaro foram derrubadas. Nessa fase, a candidatura de Lula foi
viabilizada.
Não há clareza sobre qual é o atual momento
do Supremo, mas temos algumas pistas.
Há uma frente de estabilização democrática,
liderada pelo ministro Alexandre de Moraes, que conduz seus inquéritos e o
julgamento do movimento golpista. Porém ninguém sabe dizer ao certo qual é o
limite –de até quando e até quanto– ele utilizará seus poderes excepcionais.
Há uma outra frente que visa implementar uma
agenda progressista de direitos e que encontrou expressão máxima no último mês
de presidência da ministra Rosa Weber.
Essa parece ser uma fase de um Supremo
ambicioso e poderoso, como aquele de dez anos atrás. Porém o ambiente político
é completamente diferente.
O Congresso tem conseguido ganhar cada vez
mais poderes em relação ao Executivo, com um controle cada vez mais expressivo
do Orçamento e das políticas públicas. Por isso, não deseja um Supremo capaz de
interferir nessa disputa. Além disso, o mundo político –que permanece com os
mesmos vícios– aprendeu o risco de ter um STF poderoso contra si. O Congresso
quer ser o poder supremo.
*Professor da FGV Direito SP e autor de
'Catimba constitucional'
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