O Globo
Câmara e Senado aprovam uma lei, sancionada
pelo presidente. E um único ministro da Corte cancela tudo numa canetada?
Conta nossa colega Malu Gaspar, em seu blog
no GLOBO, que o presidente Lula recebeu para jantar três ministros
do STF na
última quinta-feira. Assunto: a aprovação pelo Senado de uma Proposta de Emenda
à Constituição (PEC) que limita a tomada de decisões monocráticas pelos juízes
da Corte.
Os ministros detestaram a decisão do Senado.
Querem manter seu poder. Obviamente estavam no Alvorada para reclamar da
desarticulação do governo Lula, que era contra aquela PEC. Esses encontros e
articulações são considerados normais em Brasília.
Seriam?
Os ministros do STF, Corte constitucional, a toda hora têm nas suas mesas temas que interessam ao governo, ao Congresso e aos políticos, como pessoas físicas. Tudo bem que se encontrem em jantares, festas e viagens?
Também se sabe que negociam projetos de lei,
programas de governo, decisões judiciais. De novo, em Brasília se diz que
simplesmente estão fazendo política.
Mesmo?
É normal, republicano, que um ministro do STF
proponha um projeto de lei a um parlamentar, sendo que esse projeto e o próprio
parlamentar podem eventualmente cair nas barras da Corte?
É verdade que o pessoal lá se acerta. Mudam
de lado e de opinião com incrível facilidade.
Gilmar Mendes,
decano do Supremo, estava no jantar de quinta-feira. O mesmo Gilmar que, anos
atrás, em decisão monocrática, impediu que Lula assumisse o cargo de ministro
da presidente Dilma. Se assumisse, provavelmente não teria sido preso, nem
Dilma impedida. Depois, com forte impulso de Gilmar, o STF desmontou toda a
Lava-Jato e pôs em marcha a onda de livrar todo mundo que havia sido condenado.
O motivo da recente crise política está
justamente na PEC do Senado, que coíbe as decisões monocráticas. Ora, a
limitação faz todo o sentido. O escritor, advogado, jurista e ex-ministro da
Justiça José Paulo Cavalcanti Filho nota que nosso STF é o único no mundo em
que decisões monocráticas são normais. Pior, formam a maior parte das decisões.
Dá nisso: um presidente da República, eleito
regularmente, escolhe um ministro, e um juiz da Suprema Corte, um único, diz
que não pode? Mais: Câmara e Senado aprovam uma lei, sancionada pelo presidente
da República. E um único ministro da Corte cancela tudo numa canetada?
Tem de ser decisão colegiada, como é no mundo
civilizado.
Ocorre que os senadores não aprovaram a PEC
com base nessas argumentações, afinal conhecidas e debatidas há muito tempo.
Aprovaram para dar um recado ao Supremo, um troco por entenderem que o STF se
intromete demais nos assuntos do Congresso. O que também é verdade.
Eis aonde chegamos. Uma roupagem solene, data
venia pra cá, ex officio pra lá, escondendo conversas ao pé do ouvido em
encontros longe, muito longe do distinto eleitor. Verdade que às vezes se
excedem. Gilmar chamou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um homem de
quase 2 metros, de “pigmeu moral”. O senador rebateu, duro. Ficou ruim. Mas
eles seguem os ensinamentos de Tancredo Neves, que recomendava:
— Não guarde o rancor na geladeira, mas não
esqueça.
Aguardem os próximos embates.
Tem mais. Segundo participantes do jantar de
quinta-feira contaram a Malu Gaspar, o presidente Lula disse aos convidados (Cristiano
Zanin e Alexandre de
Moraes, além de Gilmar) que não sabia de nada. Não sabia que a PEC
tramitava, que fora aprovada, nem que o líder do governo, Jaques Wagner, votara
a favor. O presidente dedica grande parte de seu tempo à busca de um
protagonismo global — até aqui, aliás, sem sucesso. Mas, caramba, saber por
último de uma treta Senado x STF?
E assim a PEC caiu no colo do presidente da
Câmara, Arthur Lira,
responsável por colocá-la em votação ou deixar na gaveta. Com que critérios
decidirá?
Lira tem pendências na Corte. Não faz muito,
Gilmar Mendes, em decisão monocrática, livrou-o de um processo em que é acusado
de corrupção. Não houve absolvição. O processo foi cancelado, argumentou o
ministro, porque estava na instância errada.
Enfim, há decisões monocráticas para diversas
serventias. É questão de conversar.
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