segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Demétrio Magnoli - Uma Palestina para os verdes

O Globo

Ambientalismo corre o risco de se isolar num gueto político

Greta Thunberg subiu à plataforma, diante de 85 mil manifestantes reunidos em Amsterdã, para falar sobre clima, mas discursou sobre Gaza. A ativista, agora com 20 anos, usava um keffiyeh (lenço palestino) ao redor do pescoço. Clamou contra a ação militar israelense, mas não pronunciou nenhuma frase sobre os atentados do Hamas. Naquele dia, 12 de novembro, o movimento ambiental sofreu uma cisão. Só se reerguerá se conseguir chegar à idade adulta.

Uma criança triste, solitária, deprimida, diagnosticada com síndrome de Asperger, transtorno que afeta a capacidade de comunicação e socialização. A descrição de Greta, oferecida por sua mãe, ilumina sua trajetória — e a do movimento ambiental. Aos 15, a adolescente tornou-se subitamente um ícone, ao liderar uma greve escolar pelo clima. Aos 16, perante a cúpula climática da ONU de 2019, pronunciou a célebre frase “Como vocês se atrevem!?”, dirigindo-se aos adultos do mundo no tom de uma diretora escolar que repreende crianças traquinas. Fez sucesso, num tempo que prefere a clareza cortante ao exame nuançado de dilemas difíceis.

A criança teimosa reordenou a sintaxe do movimento ambiental num sentido regressivo. Os partidos verdes da Europa aprenderam aos poucos o valor do diálogo, da negociação e de acordos incrementais. Greta, porém, recusou o caminho da política realista, escolhendo o atalho do principismo inconciliável. Nos encontros internacionais sobre o clima, quase não mencionou líderes negacionistas como Trump, Putin, Modi ou Bolsonaro, dirigindo críticas implacáveis justamente aos países comprometidos com a redução das emissões, que não podem realizar subitamente todos os seus desejos.

“Como alguém se atreve a me contrariar?” Duas décadas atrás, o movimento ambiental ensaiou um debate de fundo sobre o papel da energia nuclear na transição verde, mas logo recuou para o conforto de seu dogma adolescente. O Partido Verde alemão impôs a fatídica decisão de fechamento das centrais nucleares — e, hoje, na coalizão de governo, paga o preço do erro colossal, ratificando a reativação de minas carboníferas destinadas a substituir o gás russo. Entretanto as tendências mais genuinamente infantis emergem nas ações de vandalismo de grupúsculos como o Extinction Rebellion, cujo resultado é a desmoralização pública da agenda climática.

Greta superou sua solidão pessoal ao tornar-se a voz inflexível de multidões de jovens engajados numa causa universal. Durante a pandemia, deu um novo passo, aproximando-se dos ativistas europeus do movimento “decolonial”. Segundo a cartilha deles, a crise ambiental não é um fruto histórico das sociedades industriais, mas um pecado específico do “imperialismo ocidental”, com seu cortejo de injustiças globais. O keffiyeh do 12 de novembro simboliza a mutação — e ameaça isolar o ambientalismo num gueto político.

Os oradores da manifestação de Amsterdã não falaram contra a violência, mas exclusivamente contra a violência de Israel. Não defenderam a paz em dois Estados, mas dedicaram-se a traçar paralelos abjetos entre Israel e o nazismo. O antissemitismo estava lá, à luz do sol.

A causa palestina sempre foi objeto de veneração na esquerda radical europeia: a síntese da resistência à opressão colonial. Israel não seria uma nação erguida por imigrantes judeus perseguidos, mas um posto avançado do imperialismo ocidental que precisa ser eliminado. Joschka Fischer, um dos líderes da rebelião estudantil de 1968, acreditava nisso quando participou de um encontro da OLP em Argel, em 1969. Depois, sob o impacto da operação terrorista de Entebbe (1976) e dos atentados do Grupo Baader-Meinhof, mudou de ideia e, na sequência, ajudou a construir o Partido Verde alemão.

Fischer transitou da esquerda radical para o movimento ambiental. Greta percorre trajetória oposta, subordinando a agenda do clima à retórica “decolonial”. Como explica Ida Korhonen, sua companheira de movimento: “Não devemos mais falar sobre nós mesmos, mas apenas sobre a Palestina”, porque “guerra contra o povo é, também e sempre, guerra contra a natureza”. A infância pode ser eterna.

 

11 comentários:

marcos disse...

Uau, detonou a vagaba. MAM

Neves disse...

https://www.theguardian.com/global-development/2023/nov/08/gaza-diary-part-18-how-many-people-are-we-going-to-lose-before-we-get-out-of-this-nightmare

https://www.economist.com/cdn-cgi/image/width=834,quality=80,format=auto/content-assets/images/20231202_BLP901.jpg

https://www.middleeasteye.net/sites/default/files/000_33XW7RQ%20%281%29.jpg

https://www-middleeasteye-net.translate.goog/sites/default/files/styles/article_page/public/images-story/000_344H6LB.jpg.webp?itok=RNvFkiyA&_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt

https://www.economist.com/cdn-cgi/image/width=834,quality=80,format=auto/content-assets/images/20231104_MAP003.jpg

https://i.guim.co.uk/img/media/ac79b326ddf1cc6f89252a1e4f1118c73743b355/0_59_3322_1993/master/3322.jpg?width=1140&quality=85&auto=format&fit=max&s=276007e82f5fa957df5da958935f7b1d

marcos disse...

Uau, o Neves lê em inglês. So what? MAM

ADEMAR AMANCIO disse...

Demétrio demetriando.

Neves disse...

Vidas de cidadãos palestinos sob constante ameaça na “sociedade doente" de Israel: ex-membro palestino do Knesset
https://www-aa-com-tr.translate.goog/en/middle-east/lives-of-palestinian-citizens-under-constant-threat-in-israel-s-sick-society-ex-palestinian-knesset-member/3066907?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt


Estes rapazes palestinos foram submetidos a uma cirurgia que salvou vidas nos EUA. Um ataque aéreo israelense os matou em sua casa
https://www-theguardian-com.translate.goog/world/2023/nov/28/palestine-children-surgery-gaza-israel-airstrike-killed?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt

https://cdnuploads.aa.com.tr/uploads/Contents/2023/11/28/thumbs_b_c_62d222882cbadceca4fea29f060f77f0.jpg?v=084528

https://imagenes.elpais.com/resizer/xfQPNg7awweuP1HFOr-3eAKRhsw=/828x466/cloudfront-eu-central-1.images.arcpublishing.com/prisa/XPUUKT2NTRB3TASGZTUJ2J4WHY.jpg

https://i.guim.co.uk/img/media/53bc45454133c8c53c1492eda449c1c48407d88c/0_0_6000_4000/master/6000.jpg?width=700&dpr=1&s=none

https://www.middleeasteye.net/sites/default/files/styles/article_page/public/2023-11/000_3436983%20%281%29.jpg.webp?itok=uP2urxWX

https://www-middleeasteye-net.translate.goog/sites/default/files/styles/article_page/public/images-story/gaza-khan-yunis-13-nov-2023-israel-airstrike-reuters.jpg.webp?itok=HyIuof6z&_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt

Neves disse...

Lembrando...As opiniões contidas na coluna do D.M..... refletem necessariamente a opinião do jornal O Globo

Neves disse...

Pra mim chega!
https://www.gettyimages.com.br/fotos/children-killed-gaza?assettype=image&phrase=children%20killed%20gaza&sort=mostpopular&license=rf%2Crm

marcos disse...

Lembrando, Neves é anti Ocidente.O resto é cascata e recalque. MAM

Neves disse...

Marcos! Se você quer entender, vai ter que estudar muito.
https://www.aa.com.tr/en/middle-east/israeli-journalist-gideon-levy-occupation-wont-end-until-israel-pays-the-price/3066543

praca disse...

Neves ......
O HAMAS só pode ser chamado de GRUPO TERRORISTA. Eu justifico esta afirmativa porque o hamas é anacional. Sendo assim, a acusação de crime de guerra só é válida para nações estabelecidas e que são representadas por um exército. O hamas é diferente. Ele força a sua população a invadir o território alheio para cometer crimes desumanos (aqueles que fogem das caracteristicas humanas), e se protegem atrás desta mesma população.

Neves disse...

praca: Se você quer entender, vai ter que estudar muito.
Apenas uma reflexão: crimes desumanos (aqueles que fogem das características humanas) Defina crime humano. Ex: Caim matou Abel. Consideradas as cisrcunstancias, é crime humano?