Os dilemas regulatórios da inteligência artificial
O Globo
Conferência global conclui haver “potencial
para danos graves”. Desafio é garantir avanço reduzindo riscos
Reunidos no Reino Unido na última semana,
representantes de 28 países, entre eles Estados Unidos, China, Japão, Alemanha,
Brasil e Índia, chegaram a um acordo para tentar entender e gerenciar os riscos
trazidos pela tecnologia conhecida como inteligência
artificial (IA), a habilidade de computadores processarem
linguagens de modo praticamente indistinto dos humanos. “Há potencial para
danos graves, até mesmo catastróficos, deliberados ou não intencionais”, diz o
texto da Declaração de Bletchley, local da cúpula sediada pelo governo
britânico, onde Alan Turing, um dos fundadores da ciência da computação,
trabalhou na Segunda Guerra Mundial.
Nas últimas duas décadas, uma técnica chamada “aprendizado de máquina” permitiu que softwares pudessem interpretar, com extrema rapidez, quantidades enormes de exemplos e aperfeiçoassem respostas a desafios complexos sem ser programados especificamente para enfrentá-los. Computadores se tornaram imbatíveis em jogos de estratégia e noutras atividades sofisticadas.
Embora não sejam autônomos, racionais, nem
independentes de trabalho humano, esses programas impõem novos riscos,
principalmente nos campos da segurança cibernética, biotecnologia e
desinformação, como destaca a Declaração de Bletchley. Alguns imaginam que
ferramentas como o ChatGPT possam um dia informar a qualquer um como criar
armas potentes ou espalhar doenças contagiosas.
Na última segunda-feira, antes da reunião em
Bletchley, o presidente americano, Joe Biden, assinou decreto para regular o
uso de IA. Mostrou preocupação com o poder de desinformação e contou que sua
equipe preparara, a título de ilustração, um vídeo fraudulento (deep fake) com
Biden falando algo que nunca disse. O perigo desses vídeos é evidente, em
especial quando o alvo são autoridades. Entre as novas regras divulgadas na
Casa Branca, desenvolvedores de sistemas de IA terão de compartilhar resultados
de testes de segurança e informações críticas com o governo.
O tema é considerado urgente no mundo todo.
Até o final do ano, o Parlamento Europeu deverá aprovar a Lei da Inteligência
Artificial. A China já adotou várias regras. O assunto vem sendo debatido
também no Brasil. A questão é como proceder. Não há consenso sobre o que fazer
para evitar os riscos sem que a regulação acabe estrangulando a inovação ou
concentrando o poder nas mãos de poucas empresas financeiramente capazes de
seguir as regras que vierem a ser impostas.
Outra dúvida é se os governos precisarão
criar novos organismos regulatórios ou se os existentes se adaptarão. O desafio
diante do mundo é garantir a evolução da tecnologia, sem dúvida fonte de
avanços, com o mínimo de riscos para os usuários, para a sociedade e para as
instituições. A cúpula de Bletchley certamente não será a última a explorar os
dilemas trazidos pela IA.
Condenação de cartola espanhol é revés para
machismo no futebol
O Globo
Historicamente marcado por preconceito e
agressões a mulheres, esporte enfim enfrenta seus males
Historicamente o machismo tem dominado o
ambiente do futebol. Pelo menos o Comitê Disciplinar da Fifa começou a esboçar
reação, ao punir o ex-presidente da Federação Espanhola de Futebol Luis
Rubiales. O cartola foi
banido por três anos de todas as atividades ligadas ao esporte por
ter beijado na boca, sem consentimento, a jogadora Jenni Hermoso logo depois da
conquista da Copa do Mundo de futebol feminino pela seleção espanhola. Mesmo
que a pena tenha sido mais leve que o desejável, ao menos serve de alerta sobre
o respeito com que as atletas precisam ser tratadas num esporte que tem atraído
cada vez mais meninas e adolescentes.
O comportamento de Rubiales deflagrou uma
onda de apoio a Hermoso na Espanha e
no mundo todo, enquanto Rubiales tentava se defender com a explicação,
desmentida pela jogadora, de que o beijo fora “espontâneo, mútuo, eufórico e
consentido”. A desfaçatez expôs toda a sociedade espanhola a um debate mais
intenso sobre o machismo. Para a socióloga Aina López, da Universidade
Complutense de Madri, a mobilização em defesa de Hermoso estabeleceu no
movimento feminista espanhol um “antes e depois”. A pressão levou a Real
Federação Espanhola de Futebol (RFEF) a pedir a demissão de Rubiales, enquanto
o Tribunal Administrativo do Esporte abria investigação a pedido do Conselho
Superior de Esportes. Ele próprio se viu obrigado a sair da RFEF.
As feministas também cobram da federação que
renove sua estrutura para dar mais espaço às mulheres, de acordo com lei
recentemente aprovada que determina a paridade de gênero em partidos políticos,
conselhos de grandes empresas e associações profissionais. Nas palavras da
historiadora Giovana Capucim, deve-se acabar com a ideia de que o futebol é “um
espaço de afirmação da masculinidade”.
A condenação de Rubiales é resultado de uma
inflexão recente na cultura espanhola, outrora conhecida pelo machismo. Depois
de um caso de estupro coletivo em 2016 que culminou numa condenação branda, uma
manifestação com mais de 30 mil pessoas nas ruas de Pamplona resultou em
mudanças. As penas para crimes sexuais foram agravadas. Foi com base na nova
legislação que o lateral Daniel Alves foi preso na Espanha no início do ano,
sob a acusação de agredir sexualmente uma mulher de 23 anos. Hoje o primeiro-ministro
Pedro Sánchez autoproclama seu governo “feminista”.
Felizmente a transformação do futebol está em
curso também fora da Espanha. Isso se nota não apenas na reação global ao caso
Rubiales ou no interesse a cada dia maior despertado pelas partidas de futebol
feminino em países como o Brasil, mas também pela forma como as próprias
futebolistas têm enfrentado o desafio de ocupar seu espaço. Não faz muito
tempo, as jogadoras da seleção dos Estados Unidos, tetracampeã mundial, ainda
reivindicavam equiparação salarial com os jogadores da seleção masculina, que continua
a ser força secundária no esporte. Só depois de muita reclamação conseguiram.
Demorou, mas nada mais justo.
Impasse põe em risco acordo de Venezuela com
EUA
Valor Econômico
Principais líderes da oposição estão
inabilitados pelo governo e EUA querem sua participação no pleito
O acordo feito entre Venezuela e EUA em 18 de
outubro, que pôs fim provisório (6 meses) ao embargo do petróleo, do gás e do
ouro venezuelanos estabelecido durante o governo Trump, pode não sobreviver
após novembro. A contrapartida aceita pelo governo venezuelano foi a realização
de eleições presidenciais livres e transparentes em 2014, com a presença de
observadores internacionais e ampla participação dos candidatos de oposição. O
acordo, porém, não se desvencilhou de uma armadilha contida nos detalhes. Ele
prevê a “autorização a todos os candidatos presidenciais, desde que cumpram os
requisitos estabelecidos pela lei”. A candidata vencedora das primárias da
oposição foi María Corina Machado, condenada pelos chavistas à inabilitação
para exercer cargos públicos até 2030. Outros líderes da oposição, como
Henrique Capriles e Freddy Superlano, carregam idêntica punição.
O ditador Nicolás Maduro, que sucedeu a Hugo
Chávez desde sua morte, em 2013, anulou, por meio do Supremo Tribunal, que
controla, as primárias feitas pelos candidatos de oposição, enquanto que o
Ministério Público abriu processo contra todos os membros da comissão
organizadora do pleito. O Departamento de Estado dos EUA, reagindo ao ato do
Tribunal, disse que “os vetos deveriam ser suspensos para todos os candidatos
presidenciais até o fim de novembro”, caso contrário “medidas seriam tomadas”.
Após 18 meses de negociações, o presidente
Joe Biden tinha feito concessões aos chavistas em troca de promessas de
abertura do regime que, no passado, foram sistematicamente descumpridas. Aos
Estados Unidos interessam o petróleo do país, que tem as maiores reservas do
mundo, e a interrupção do fluxo de imigrantes que cruzam ilegalmente as
fronteiras americanas. O Brasil participou ativamente do entendimento.
A saída da Rússia do mercado do petróleo,
afastada pelo embargo dos EUA, tornou o produto venezuelano atraente diante da
redução da oferta. Com o acordo, a produção da PDVSA poderá saltar de 800 mil
para 1 milhão de barris dia. Estancar a migração ilegal tornou-se, para
Washington, uma prioridade. Segundo a ONU, 7,2 milhões de venezuelanos deixaram
o país desde 2014 - cerca de um quarto da população -, na maior crise
humanitária em tempos de paz do século. Desde janeiro de 2017, o Brasil acolheu
mais de 350 mil migrantes venezuelanos; a Colômbia, 1,8 milhão; e o Peru, 1,28
milhão, segundo informações da Agência Brasil.
A causa da migração em massa foi a absoluta
ruína em que o governo chavista transformou a economia venezuelana,
extremamente dependente do petróleo e derivados, únicas fontes de divisas
externas. Uma série de estatizações em massa e o uso político da máquina do
Estado a favor do Partido Socialista Unido chavista desorganizaram as cadeias
de produção domésticas e dilapidaram as fontes de recursos das quais o regime
dependia. A PDVSA chegou a produzir 2,5 milhões de barris por dia antes da
crise, cifra que ao fim de 2019 havia caído para pouco mais de 650 mil barris.
À incompetência, ao aparelhamento político do
Estado e a uma imensa rede de corrupção somou-se a derrocada das cotações do
petróleo. Entre 2014 e 2015, o preço do barril no mercado internacional caiu de
US$ 115 para US$ 47 e chegou a bater em US$ 20 em abril de 2020. Sem dinheiro
para importar, produtos básicos desapareceram do país, e isso levou grande
parte da população a buscar a própria subsistência nos países vizinhos ou mais
longe.
A crise acirrou os piores instintos do regime
chavista. Ao perder eleições para o Congresso em 2017, Maduro fez eleger uma
Assembleia Constituinte que usurpou os poderes do Legislativo, prendeu líderes
da oposição e controlou com mão de ferro todas as instituições do Estado.
A recuperação dos preços do petróleo e um
aumento da produção restauraram nos últimos dois anos alguns pilares da
economia, devastada por uma inflação de 9.500% em 2019. O PIB venezuelano
chegou a cair 30% em um único ano (2018), e a projeção de crescimento feita
pelo Fundo Monetário Internacional para 2023 é de 4%. A inflação ainda é um
flagelo e deve recuar para 360% no ano.
A reação furiosa do governo chavista diante
da primária oposicionista e as punições vigentes aos principais líderes da
oposição indicam que Maduro quer “escolher” o candidato com o qual concorrerá.
O espírito do acordo não prevê isso, mas sua letra, sim, ampliando os temores
de seus críticos nos círculos políticos americanos, para os quais Biden fez
concessões demais em troca de compromissos vagos do regime venezuelano. O
secretário de Estado, Antony Blinken, mencionou que o entendimento pressupunha
que todos os candidatos da oposição concorressem em 2024 e ameaça com a volta
das sanções. “Não terão carta branca para realizar ações que estejam em
contradição com os compromissos que assumiram para avançar rumo a eleições
livres e justas”, disse.
Não se sabe se o governo Lula sairá mais uma vez em defesa da Venezuela. Ao mencionar críticas a Maduro, o presidente Lula disse que o conceito de democracia era “relativo” e, em outras situações, afirmou que na Venezuela se faziam mais eleições que no Brasil.
Mais garantias
Folha de S. Paulo
Mudança para facilitar execução de dívidas
deve ter impacto no custo do crédito
Com a sanção presidencial, entrou em vigor o
novo marco das garantias, que tem o
objetivo de facilitar os trâmites negociais e tornar mais célere e barata a
execução de dívidas, entre outras inovações que devem ter impacto
favorável na concessão e no custo do crédito.
O projeto fora submetido pelo Executivo em
2021, mas contou com apoio do governo atual para avançar no Congresso, sinal do
mérito da proposta. É boa notícia que ao menos neste caso foi possível
consolidar avanços institucionais além de preferências políticas.
A norma permite ao devedor contrair novas
dívidas com o mesmo credor original, dentro do limite da sobra de garantia da
operação. Por exemplo, se o valor garantido por um imóvel no primeiro
empréstimo for de R$ 500 mil, e a dívida original for de R$ 250 mil, o devedor
poderá tomar outro financiamento, com o mesmo credor, de até R$ 250 mil.
Também foram facilitados os procedimentos
para notificação do devedor e negociação da dívida antes da formalização da
execução das garantias de forma extrajudicial, ou seja, por meio de cartórios.
Será possível, por exemplo, que aqueles em dívida sejam comunicados por meios
eletrônicos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
vetou, equivocadamente, a possibilidade de apreensão extrajudicial de bens
móveis, como automóveis, em oposição
até à orientação de sua equipe econômica.
A justificativa de potencial cerceamento de
direitos e garantias individuais não é convincente; e a manutenção de
empecilhos implicará na permanência de custos maiores para todos os tomadores.
De todo modo, o veto não chega a comprometer
o cerne do projeto, que é ampliar a oferta de crédito para toda a população com
taxas e spreads mais próximos dos observados no exterior.
Estudos do Banco Central mostram que, entre
os vários componentes do elevado custo dos financiamentos no Brasil, o mais
importante é a inadimplência e, com ela, a dificuldade de retomar garantias.
Na média de 2020 a 2022, os não pagamentos
respondem por aproximadamente 29% do spread bancário, acima da cunha de
impostos (21,9%) e do custo administrativo dos bancos (28,1%).
Espera-se que o marco traga eficiência e, com
isso, menos juros— em especial para bons pagadores. Isso dependerá do
assentamento das novas regras na jurisprudência, muitas vezes reticente a
inovações.
É preciso, além disso, continuar avançando na
agenda concorrencial, como tem feito o Banco Central, e no desenvolvimento da
infraestrutura do chamado open banking, que abarca todos os serviços
financeiros, inclusive os voltados a empréstimos.
Prisões mofadas
Folha de S. Paulo
Governo de SP precisa agir para remediar
condições subumanas do sistema carcerário
A situação degradante das prisões paulistas
foi escancarada pelo Mecanismo Nacional de Combate à Tortura, órgão que por lei
federal integra o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Após peritos inspecionarem cerca de dez
instalações no estado, os detalhes do relatório preliminar apresentado no
legislativo estadual ultrapassam o grotesco.
Água racionada, duas vezes ao dia; kits de
higiene mensais; falta de papel higiênico; escassez de absorvente íntimo;
precariedade de cuidados médicos, quando há; celas mofadas sem ventilação e com
goteiras; comida estragada; água com larva, entre outros problemas estruturais,
foram constatados pelos peritos.
Foram visitadas unidades na capital e no
interior. Somam-se aos problemas apontados a prática de maus tratos e torturas.
Diante destas evidências, a Secretaria
Estadual de Administração Penitenciária preferiu o silêncio.
A pasta da gestão Tarcísio de Freitas
(Republicanos) se restringiu a dizer que "não comentará as alegações no
momento" e que tem "compromisso com o aperfeiçoamento contínuo do
sistema prisional paulista". Entretanto não é o que revelam as vistorias e
as recentes ações na área da segurança do governo de São Paulo.
Em vez de enfrentar o crime com inteligência
policial e patrulhamento preventivo, a administração estadual tem celebrado o
aumento do número de prisões, como se o encarceramento desenfreado resolvesse a
insegurança. Em abril, o governo comemorou uma média de mais de 540 prisões
diárias.
Ignorar evidências contrárias ao
aprisionamento massivo tem sido a prática recorrente das gestões paulistas. Em
2019, o então governador de São Paulo, João Doria (PSDB), vetou a lei que
criaria o Mecanismo Estadual de Prevenção e Enfrentamento à Tortura.
O veto foi criticado por um subcomitê das
Nações Unidas e vai na contramão da criação de mecanismo similar em outros
estados como Rio de Janeiro, Pernambuco e Roraima. No mesmo ano, as denúncias
de tortura em presídios paulistas haviam disparado.
Diante de registros de condições subumanas, não cabe o silêncio. Autoridades precisam eliminar as mazelas impregnadas no cárcere paulista e investir em políticas de segurança pública efetivas, baseadas em evidências, que não passem somente por sobrecarregar calabouços mofados.
Futuro hipotecado
O Estado de S. Paulo
A cornucópia de concessões e exceções para
aprovar a reforma tributária joga para as gerações futuras a conta dos
interesses imediatos; faltam políticos que pensem além de seus mandatos
Um dia após ter apresentado o parecer da
reforma tributária, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) afirmou que as mudanças
que havia proposto não serão suficientes para angariar os votos necessários
para aprová-la. O relator disse que o governo, ao concordar com o aumento dos
repasses do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) de R$ 40 bilhões para R$ 60
bilhões, “já aceitou dar o primeiro beijo” e passou o sinal de que cederá ainda
mais. Deixando à parte a infeliz metáfora mencionada pelo senador, as discussões
sobre a reforma tributária dizem muito sobre o País.
Numerosos regimes especiais foram criados ao
longo do tempo para conferir vantagens aos mais variados setores econômicos sem
que houvesse uma análise prévia ou póstuma dos custos e benefícios de cada uma
dessas medidas. Cada segmento beneficiado reduziu a capacidade de arrecadação
da União, dos Estados e dos municípios, que há anos não conseguem dar conta de
suas despesas. Ainda assim, o Senado quer criar uma trava para manter a carga
tributária no mesmo nível dos últimos dez anos e impedir medidas que resultem
em receitas mais elevadas.
Na conjuntura atual, a conta simplesmente não
fecha e, se depender das negociações sobre o texto final da reforma, jamais
voltará a fechar. Sabe-se que não é exatamente assim, mas a tônica das
discussões expressa uma preocupação com o imediato e um menosprezo às
implicações que essas concessões terão no futuro. Só isso explica declarações
como a de Braga, para quem um fundo de R$ 60 bilhões em 2043 representa uma
“miserabilidade”, e a do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para quem o
incremento de R$ 20 bilhões neste mesmo fundo seria “pequeno e sustentável”.
Nem o senador nem o ministro devem realmente
acreditar no que disseram, mas suas declarações reforçam o quanto as
negociações sobre o texto final estão pautadas pela estrita perspectiva do
presente. Em 20 anos, Haddad não será o ministro da Fazenda, e não caberá mais
a ele encontrar formas de reduzir o déficit público. Com 40 anos de vida
pública, o senador, segundo suas próprias palavras, terá “virado pó” em 2043.
Não parece haver ninguém disposto a impedir
as escolhas erradas prestes a serem feitas neste momento e que afetarão um
futuro longínquo. Ora, quem escolhe seguir a vida pública não pode pensar
apenas em votos ou apoio político na próxima eleição. Não pode perder de vista
a dimensão do futuro, pois propõe mudanças e compactua com concessões em nome
de uma sociedade que ainda não tem como se defender.
Também por isso a reforma tributária é uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Seu texto, uma vez aprovado, passará a
ser parte da Carta Magna e produzirá efeitos por muitos e muitos anos. Esta não
é, nem nunca foi, a reforma do governo Lula ou a reforma desta legislatura. É
uma reforma que nos encaminha para o País que queremos ser.
Nunca houve um momento político mais
favorável do que este à aprovação de uma reforma tributária. Por isso mesmo, a
chance de acabar com o manicômio tributário não pode ser desperdiçada. O
esgotamento do modelo anterior , reconhecido por todos, está por trás do
declínio da indústria, da queda da produtividade, da redução dos investimentos
e do baixo crescimento econômico. A sociedade pagou um preço muito elevado por
esses erros e não pode repetilos nem legá-los às gerações futuras.
A votação da reforma na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deve ocorrer entre os dias 7 e 9 de
novembro. Depois, seguirá para o plenário e ainda terá de voltar para a Câmara.
Logo, ainda há tempo para aprimorar o parecer que será submetido aos senadores.
Afinal, em um modelo que acaba com a cumulatividade de impostos e que garante a
recuperação de créditos ao longo da cadeia, tratamentos especiais e alíquotas
reduzidas podem e devem ser exceções, não a regra.
Atualizar os estudos que estimam a alíquota
padrão para manter a arrecadação pode contribuir para trazer de volta alguma
racionalidade neste debate. Quanto mais próxima ela estiver do patamar de 30%,
maior será a necessidade de rever as exceções.
O dever de formar lideranças políticas
O Estado de S. Paulo
Mantidas com recursos públicos, fundações de
partidos têm o dever de formar suas novas lideranças políticas. Uma genuína
renovação da política passa necessariamente pelas legendas
É recorrente e justificada a crítica sobre a
falta de lideranças no País, especialmente no âmbito público. Essa ausência é
muito notada em época de eleições, mas na verdade seus efeitos são sentidos
continuamente. E cabe acrescentar: ela não está restrita a determinado campo
ideológico. O fenômeno é geral, atingindo as mais variadas orientações
políticas.
A percepção do problema e de sua gravidade
fez surgir, na sociedade, iniciativas privadas de formação de lideranças
políticas. Fundado em 2017 pelo empresário Eduardo Mufarej, o RenovaBR formou
desde então mais de 2 mil pessoas interessadas em entrar na política. Outra
iniciativa é a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), criada em
2012. Seu principal programa se destina a capacitar e desenvolver líderes
políticos. Neste ano, chegou à 10.ª edição.
Tais iniciativas são muito positivas e
merecem apoio e incentivo. Mas, junto a esse reconhecimento, é preciso lembrar
que existe no País uma série de entidades, bancadas com dinheiro público, que
podem e devem fazer muito mais pela formação de novas lideranças políticas. São
as fundações e os institutos vinculados aos partidos políticos, que, por lei,
recebem ao menos 20% dos recursos do Fundo Partidário. No ano passado, o valor
total destinado às legendas por meio desse fundo foi de R$ 986 milhões. Ou seja,
essas entidades receberam, só em 2022, cerca de R$ 200 milhões dos cofres
públicos.
Apesar de pouco conhecido, trata-se de
assunto importante – não apenas porque envolve recursos públicos, mas por sua
relevância para a democracia. Segundo a legislação eleitoral, todo partido
político deve ter uma fundação ou instituto de direito privado “destinado ao
estudo e pesquisa, à doutrinação e à educação política”.
Tal disposição legal expressa um aspecto
fundamental da natureza dos partidos políticos. Eles não são meras agremiações
de pessoas. Devem ter um ideário e um conteúdo programático e, para tanto,
precisam ser um espaço de pesquisa e foro de reflexão sobre os assuntos
públicos. Mas não apenas isso. As legendas devem, como parte essencial de sua
missão, formar pessoas – atrair e formar novas lideranças políticas.
Esse trabalho de reflexão, debate e formação
de pessoas é fundamental para a democracia. Não basta haver Constituição e
leis. Não basta ter sofisticadas estruturas burocráticas. Para que o regime
democrático funcione é necessário ter pessoas bem formadas, com cultura
política, com visão madura de país e de sociedade, com um olhar acurado sobre
os problemas, os desafios e as oportunidades nacionais. Por isso, também em
função da pluralidade que deve existir no cenário público, é natural que cada
partido invista recursos na formação de seus quadros e lideranças.
Cabe aqui fazer uma advertência. A princípio,
nenhum recurso público deveria ser destinado aos partidos políticos. Eles são
entidades privadas que devem ser mantidas por contribuições de seus associados
e dos entusiastas do seu ideário. No entanto, se existe, no sistema partidário,
uma destinação apta a merecer verba estatal em função de sua relevância
pública, essa finalidade são as fundações e institutos de estudo, pesquisa e
formação vinculados aos partidos.
Por óbvio, não deve haver ingenuidade. Muitos
recursos destinados a essas entidades não são bem gastos. É preciso
transparência, controle e, a depender do caso, a devida responsabilização
jurídica. Mas isso não altera esta realidade fundamental: não existe democracia
representativa forte sem partidos fortes. E não há partidos fortes sem conteúdo
programático vivo e sem a permanente formação de novas lideranças.
Neste ano, as fundações do Cidadania, do
União Brasil e da Rede Sustentabilidade assinaram acordos de cooperação com o
RenovaBR, para a realização de cursos e outros eventos formativos. Trata-se de
ótima notícia – mas é preciso ir além. Uma genuína renovação política passa
necessariamente pelos partidos – e as fundações e institutos (que já existem,
não precisa inventar nada) são fundamentais nesse processo.
A última da ONU
O Estado de S. Paulo
Escolha do Irã para liderar grupo de direitos humanos na ONU só pode ser piada
“Não é piada”, anunciava a organização United
Nations Watch, “nesta terça-feira (31), o regime islâmico no Irã se tornará
presidente do Fórum Social do Conselho dos Direitos Humanos da ONU.” O
disclaimer é pertinente: seria cômico, não fosse trágico.
O sistema penal iraniano prevê punições como
amputação, flagelação e apedrejamento. O regime é um dos maiores violadores de
direitos das mulheres. No último ano, duas foram espancadas até a morte pela
“polícia moral” por não usarem véu; 500 manifestantes foram massacrados;
execuções públicas proliferaram. A homossexualidade é punida com a morte.
Minorias políticas, étnicas e religiosas são perseguidas, torturadas e
executadas extrajudicialmente.
Esses são instrumentos da revolução islâmica
mundial ambicionada pela teocracia xiita. Como disse o aiatolá Khomeini, todas
as instituições políticas no Oriente Médio e além são “ilegítimas” e devem ser
“abatidas” porque “não se baseiam na lei divina”. Os mulás emitem fatwas por
todo o planeta, como a sentença de morte do escritor Salman Rushdie. Seu Estado
é o que mais financia organizações terroristas.
O fato de que esse regime, dias após uma de
suas milícias, o Hamas, perpetrar o maior massacre de judeus desde o
Holocausto, conduzirá deliberações da comunidade internacional sobre direitos
humanos expõe a perversão do sistema de representação da ONU.
Na Assembleia-Geral, o voto de Tuvalu (12 mil
habitantes) vale o mesmo que o da Índia (1,4 bilhão). O Conselho de Segurança é
controlado por cinco países. As resoluções do próprio Conselho de Direitos
Humanos não são consideradas critérios para a eleição de seus membros. Blocos
regionais manipulam o sistema oferecendo o mesmo número de candidatos que o de
vagas, o que facilita a nomeação de autocracias.
O Conselho foi criado em 2006, após o
secretário-geral Kofi Annan pedir o fim da desmoralizada Comissão sobre
Direitos Humanos, por “lançar uma sombra sobre a reputação do sistema da ONU”.
Mas as democracias sempre foram minoria. Hoje, representam só 30%. Crimes
massivos são ignorados, e países são desproporcionalmente recriminados.
China, Cuba ou Arábia Saudita, contumazes
violadores de direitos humanos, não receberam uma única condenação. Já o
recordista de condenações é Israel, com 37% do total, malgrado ser o único
Estado Democrático de Direito do Oriente Médio, ter um quinto de sua população
formada por árabes com plenos direitos, inclusive o de criar partidos, ser o
único país da região em que mulheres árabes gozam de direitos iguais e onde
judeus, cristãos e muçulmanos professam livremente sua fé. Só em 2022, esse
país foi condenado mais vezes na ONU que o Afeganistão do Taleban, a Coreia do
Norte de Kim Jong-un e a Síria de Bashar al-Assad. Por mais que Israel mereça
ser questionado sobre o modo muitas vezes desumano como lida com os palestinos,
nada, seja no terreno do direito, seja no da diplomacia, justifica tamanha
diferença de tratamento na ONU.
Com esse modelo de representação, não surpreende que muitos considerem a ONU uma piada. Poderia ser, se as consequências não fossem trágicas.
Juros menores e mais crescimento
Correio Braziliense
Desde que o Copom iniciou o ciclo de afrouxo
dos juros, o custo de referência para o dinheiro baixou 1,5 ponto percentual
Fez muito bem o Comitê de Política Monetária
do Banco Central em reduzir, pela terceira vez consecutiva, a taxa básica de
juros (Selic), agora, para 12,25% ao ano. Desde que o Copom iniciou o ciclo de
afrouxo dos juros, o custo de referência para o dinheiro baixou 1,5 ponto
percentual. Apesar desse movimento importante, é imperioso ressaltar que a taxa
Selic continua extremamente elevada para o nível de inflação no Brasil, hoje,
próximo de 4,7%, ou seja, dentro das metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional
(CMN), de 3,25% ao ano, podendo oscilar 1,5 ponto para cima ou para baixo.
Com os juros nos atuais níveis e a inflação
convergindo para as metas, o país continua na lista das nações onde a política
monetária é mais restritiva. Ciente dessa realidade, o Banco Central já
sinalizou que, pelo menos nas próximas duas reuniões do Copom, em dezembro
próximo e em janeiro de 2024, a taxa Selic cairá 0,5 ponto em cada uma delas.
Portanto, é possível vislumbrar o custo básico do dinheiro em 11,25% anuais. A
partir daí, o BC faz uma série de considerações para a continuação dos cortes,
mesmo que em menor proporção. O principal ponto é que o governo mantenha
inalterado o compromisso com o equilíbrio fiscal.
Há uma divisão clara na equipe do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva sobre os rumos das contas públicas. A ala liderada
pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, argumenta que é fundamental manter a
meta de deficit zero em 2024 como forma de controlar as expectativas dos
agentes econômicos. Já a ala que tem o ministro da Casa Civil, Rui Costa, como
protagonista, defende um pouco mais de liberdade para o governo gastar,
sobretudo porque o próximo ano será de eleições municipais, e é fundamental, no
entender dele, que os partidos alinhados ao Palácio do Planalto, em especial,
os de esquerda, tenham o que mostrar em termos de investimentos capitaneados
pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O que o Banco Central procura dizer é que o
momento não é propício para estripulias na área fiscal. Não se está defendendo
nenhum arrocho nos gastos públicos que possa prejudicar a população mais
carente. Apenas se deseja responsabilidade por parte dos gestores públicos para
que o país, finalmente, consiga sair do vermelho — o que ocorre desde 2014, com
exceção de 2022 —, a fim de que a estabilidade macroeconômica se consolide.
Esse é o caminho mais seguro para que o governo possa cumprir todas as promessas
de melhora nas condições de vida dos brasileiros. Desequilíbrios fiscais, como
registra a história, sempre resultam em mais inflação e juros acima do
recomendável.
Deve-se considerar ainda o momento complexo
vivido pelo mundo, no qual duas guerras tornam o horizonte muito sóbrio —
Israel contra o grupo Hamas e Ucrânia contra a Rússia. Além disso, as economias
desenvolvidas estão com juros elevadíssimos para enfrentar a disparada dos
preços. Esse quadro prejudica a todos, mas com intensidade maior os países que
se encontram com políticas econômicas em desarmonia. As projeções apontam para
crescimento do Brasil neste ano acima de 3%, um feito que, até bem pouco tempo,
ninguém acreditava, justamente porque a civilidade em todos os campos voltou a
prevalecer. Para 2024, se nada sair do roteiro projetado, o avanço do Produto
Interno Bruto (PIB) não será muito diferente.
Sendo assim, que o bom senso prevaleça. Os brasileiros merecem ver o país crescendo, gerando empregos, distribuindo renda, reduzindo as desigualdades sociais e oferecendo oportunidades a todos. A taxa de desemprego encerrou o terceiro trimestre do ano em 7,7%, a menor desde o início de 2015. O salário médio saltou, no período, 1,7%, com alta acumulada de 4,2% no ano. A maior parte das vagas que o país tem criado é com carteira assinada, com direitos trabalhistas garantidos. Não há porque reverter esse cenário promissor por caprichos ou por visões equivocadas. Basta dar uma olhada para o passado recente do Brasil para perceber o quanto escolhas erradas podem custar caro a toda a sociedade.
Um comentário:
São tantos assuntos,nossa!
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