Folha de S. Paulo
No longo prazo, reforma deixará legado de
promoção da cidadania tributária
O Senado aprovou
em segundo turno, na última quarta-feira, o projeto de emenda constitucional
(EC) que unifica os cinco impostos indiretos —ISS, ICMS, PIS/Cofins e IPI— em
um IVA compartilhado entre os municípios, estados e a União e em um imposto
seletivo que incidirá sobre itens que fazem mal à saúde e ao ambiente, além de
armamentos e munição para uso civil.
O IVA desdobra-se em dois: na CBS
(Contribuição sobre Bens e Serviços), da União, e no IBS (Imposto sobre Bens e
Serviços), compartilhado entre os municípios e os estados. Como o fato gerador,
a base de tributação e os regimes tributários serão os mesmos, eles funcionam
como um único imposto.
Elaborei com mais detalhe diversos aspectos da Reforma Tributária em um texto nesta Folha em 5 de julho passado.
Há 29 itens que ficaram com alíquota reduzida
ou em um regime tributário próprio a ser definido por meio de lei complementar.
Além dos mais óbvios —educação e saúde privadas e cesta básica— itens
como turismo, transporte coletivo, inclusive interestadual, produção
artística e científica, clubes de futebol, e insumos de limpeza entraram em
algum regime especial.
Vimos agir a lógica da ação coletiva de
Mancur Olson. Grupos pequenos e organizados são bem-sucedidos em convencer
o Congresso
Nacional a aprovar medidas que os beneficiam, à revelia do interesse
coletivo. Todos nós teremos de pagar uma alíquota maior para financiar os bens
com alíquotas reduzidas. Já aqueles em regime especial não terão tributação
sobre o valor agregado, e manterão todas as características ruins de uma
tributação cumulativa, como a que ocorre hoje.
Apesar desses desvios, há grande
simplificação, e o outro ganho da nova legislação é a transparência. A reforma
tornará o custo do Estado brasileiro transparente para a sociedade. Penso que
esta explicitação estimulará políticas que elevem a eficiência do gasto
público. Deve ser, em associação com os ganhos de eficiência econômica, o
grande legado positivo em longo prazo da reforma: ela promove a cidadania
tributária.
Além da maior simplicidade, os ganhos de
transparência ocorrem porque os setores contemplados pelos regimes especiais
estão claramente explicitados na Constituição Federal.
Há na EC aprovada dispositivo
de revisão das exceções acolhido pelo relator, senador do MDB do Amazonas,
Eduardo Braga, por sugestão do TCU (Tribunal de Contas da União). Foi um grande
passo para que nós criemos a prática de avaliação permanente das políticas
públicas. Segundo o texto da EC, "os regimes diferenciados de que tratam
este artigo serão submetidos a avaliação quinquenal de custo-benefício, podendo
a lei fixar regime de transição para a alíquota padrão".
A reforma estabeleceu um FNDR (Fundo Nacional
de Desenvolvimento Regional) para compensar os estados por perderem o
instrumento da guerra fiscal para atrair investimento. O fundo cresce em valor
ano a ano até que, em 2043, o Tesouro transferirá anualmente e permanentemente
ao FNDR valores a preços de hoje de R$ 60 bilhões.
O critério de repartição dos recursos será de
70% do FPE (Fundo de Participação dos Estados) e 30% em função da população.
Esses critérios concentram muitos recursos nos estados pequenos na região
Norte. Meus colegas Marcos Mendes e Sérgio Gobetti sugerem uma regra mais
equitativa.
Essa é uma reforma que se discute há quase
quatro décadas. Houve muito acúmulo para chegarmos até aqui. Vale lembrar que a
PEC 45 foi aprovada na Comissão de Constituição de Justiça da Câmara em 2019.
Aos trancos e barrancos, e com muita lentidão, vamos andando para a frente.
Temos motivos para comemorar.
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