domingo, 12 de novembro de 2023

Míriam Leitão - O caminho da modernidade

O Globo

O caminho para o futuro exige uma economia mais eficiente, a reforma tributária é um passo, mas no centro do projeto tem que estar a sustentabilidade

A Reforma Tributária vai custar aos cofres federais R$ 322 bilhões em dez anos, de 2025 a 2034, em transferência para os estados e municípios, através dos fundos de desenvolvimento e o de compensação dos incentivos. O custo continuará subindo até 2043, quando o valor depositado no Fundo de Desenvolvimento Regional se estabiliza em R$ 60 bi por ano. Os números parecem assustadores, mas as contas feitas por economistas do governo são de que tudo será mais do que compensado pelas vantagens que virão da queda da sonegação e da inadimplência e do crescimento do PIB e da arrecadação.

A Reforma Tributária abrirá um tempo novo nas relações dentro da economia. Com todos os seus defeitos, incluídos durante a tramitação no Congresso, a chance real que ela abre é de aumento da produtividade e eficiência. A sonegação tende a cair com o sistema de débito/crédito que passará a vigorar no lugar da cumulatividade de impostos. Quanto mais simples o sistema, menor é o espaço para a divergência de interpretação e, portanto, de litígio. As concessões feitas são muitas, mas é ainda menos do que se tem hoje. Só o PIS/Cofins tem 70 alíquotas diferentes e 40 regimes especiais. No ICMS, cada estado tem, em média, 50 regimes especiais.

O que o Brasil sonha diante da Reforma Tributária é com uma economia mais moderna, que enterre as obsolescências do atual sistema de tributação do consumo, que vêm do século passado. Esse olhar para o futuro faz várias outras exigências. O governo anunciou que o desmatamento teve queda maior do que a esperada este ano, numa inversão forte da curva herdada do governo anterior, no dia seguinte ao da aprovação da Reforma Tributária no Senado. É, sem dúvida, outro dos avanços do país. Entrevistei na GloboNews o ex-presidente do Banco Central e atual presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) Ilan Goldfajn. Ele me disse que, hoje, a questão ambiental no banco não é mais assunto delegado a um departamento. É “mainstream”, ou seja, está no centro das atividades.

—Em relação à preservação da natureza não tem um projeto nosso, que passe no nosso conselho, que não tenha preocupação com a sustentabilidade. Isso é condição. Quando vai se discutir o financiamento de uma rodovia as primeiras perguntas são: tem que desmatar? Tem que deslocar alguma comunidade indígena?

Perguntei se o BID financiaria a exploração de petróleo na Amazônia e ele respondeu que nem o BID, nem qualquer outro banco multilateral financia projeto de petróleo hoje em dia. Nenhum projeto. Por outro lado, na visão do presidente do BID, o Brasil — e a América Latina — como um todo, está diante de um ponto de inflexão, uma “oportunidade histórica”.

— Na minha percepção, o mundo precisa da América Latina. Primeiro, não dá para fazer a transição energética sem a América Latina. A matriz energética é mais limpa e a região pode exportar essa energia. Eu não estou falando em teoria. O acordo entre o Chile e a Alemanha foi de 20 anos. Segundo, com a guerra da Rússia e Ucrânia ficou evidente a insegurança alimentar. E quem hoje exporta 40% do alimento mundial? A América Latina. Terceiro, não se pode falar em preservação da natureza, da biodiversidade sem a Amazônia, sem a Mata Atlântica, sem todos os nossos biomas.

A entrevista com Ilan foi na semana em que o Senado, que é casa da Federação, aprovou a Reforma Tributária e em que o governo anunciou uma queda de 22,3% no desmatamento. Mas este é, na verdade, um feito ainda maior do que parece porque na contabilidade do ano de 2023 há seis meses do desmatamento do governo Bolsonaro. O ano para efeito do monitoramento do desmatamento vai de agosto a julho. Mesmo com 6 mil km² já desmatados na administração anterior, o atual governo conseguiu conter em 9 mil km². A queda foi, portanto, de 42%.

O avanço para o futuro tem várias exigências, uma delas é livrar-se do manicômio tributário. Outra é colocar a sustentabilidade como centro das políticas públicas. A moeda de troca da Reforma Tributária não pode ser a leniência com a pauta retrógrada da bancada ruralista. As oportunidades para um país como o Brasil são muitas neste momento histórico. A agenda certa combina as reformas necessárias, o aumento da produção e da produtividade, e o respeito à sustentabilidade ambiental. Ninguém se moderniza pela metade.

 

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