domingo, 12 de novembro de 2023

Rolf Kuntz - Lula, semeador de incertezas

O Estado de S. Paulo

Toda insegurança e toda inquietação quanto às condições fiscais no próximo ano passaram a vigorar com o carimbo da Presidência da República

Dinheiro bom é dinheiro transformado em obras, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – e tudo seria muito melhor, pode-se acrescentar, se dinheiro caísse do céu. Mas o céu, em vez de presentear os brasileiros com notas, moedas ou Pix, tem distribuído temporais em algumas áreas, seca em outras e insegurança em todo o País. Têm ficado mais incerta a reativação da economia, em marcha lenta no terceiro trimestre, e mais difícil a condução das contas públicas. A dívida oficial, bem maior que a de quase todos os demais emergentes, supera 70% do Produto Interno Bruto (PIB), já é muito cara e tende a crescer. O presidente reclama dos juros, pesados para o governo, para o empresariado e para os consumidores, mas nada faz, seriamente, para motivar algum otimismo em relação a 2024. Feliz ano novo será, como em tantas outras ocasiões, apenas uma expressão convencional e gentil?

O mercado é ganancioso, disse o presidente, como se o temor de um desarranjo maior no Tesouro fosse um desajuste psicológico ou moral. Sim, quem atua num mercado – financeiro, artístico, industrial, agrícola ou qualquer outro – é motivado, normalmente, pelo desejo de ganho. Para um governante, no entanto, sinais de inquietação quanto às contas públicas deveriam ser um alarme, especialmente quando partem de gente acostumada a mexer com muito dinheiro. Não se trata de governar para o mercado, mas de avaliar tecnicamente a sinalização. Quando se leva em conta a experiência política de Lula, sua reação pode parecer estranha.

Mais que estranho, no entanto, esse comportamento se torna muito preocupante quando contrastado com a intenção, anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de equilibrar as contas primárias – isto é, sem os juros – em 2024. Para isso, o governo dependerá, ou dependeria, de um aumento de receita, proporcionado por uma tributação adicional, e de um corte de gastos. Além de um novo imposto, será necessária alguma austeridade. Esta condição foi logo rejeitada pelo presidente, numa atitude claramente contrária à intenção do ministro. Ambos tentaram, depois, disfarçar o conflito, mas de forma nada convincente.

Prevaleceu, diante do mercado, a declaração inicial de Lula sobre a manutenção dos investimentos programados. Isso se traduz, em termos práticos, como preservação de todos os gastos, sem hipótese de ajuste compensatório. Toda insegurança e toda inquietação quanto às condições fiscais no próximo ano passaram a vigorar, portanto, com o carimbo da Presidência da República. Em discurso a investidores estrangeiros, o presidente falou em garantir o equilíbrio fiscal, mas essa promessa foi interpretada como tentativa – apenas isso – de consertar o relacionamento com o ministro da Fazenda.

O parecer preliminar do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias foi aprovado no Congresso, no dia 7, com a preservação do déficit zero, mas isso tem pouco valor quando se consideram as atitudes do presidente. No dia 8 o relator do projeto mencionou uma possível mudança da meta pelo Executivo. A decisão, acrescentou, poderia ser anunciada até o dia 16.

Também no dia 7, a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) realçou as dúvidas sobre a evolução das contas públicas. A insegurança foi destacada, no mesmo dia, num evento do setor financeiro, pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Depois de mencionar o cenário global, com os conflitos geopolíticos e os juros elevados nos Estados Unidos, ele apontou as incertezas fiscais como dominantes no cenário brasileiro. O BC deve continuar reduzindo a taxa básica de juros, afirmou, com novos cortes de 0,5 ponto porcentual, mas é mais difícil, agora, avaliar a possível extensão dos cortes. Num ambiente menos seguro, os juros de equilíbrio poderão subir, diminuindo o espaço para afrouxamento da política monetária. Não se trata, agora, apenas de dúvidas sobre o cumprimento da meta fiscal, mas de insegurança quanto à manutenção da própria meta, como indicou o Copom.

É inútil, portanto, o presidente Lula criticar o BC e chamar o mercado de ganancioso quando ele contribui, mais que qualquer agente empresarial ou financeiro, para a insegurança e a alta dos juros. É igualmente inútil o ministro da Fazenda construir um bom relacionamento com o Congresso e com o mercado, quando seu chefe leva o jogo para a direção contrária. O presidente pode recuar, ocasionalmente, e ensaiar uma correção de atitudes, mas sem grande resultado. Com falas frequentemente impensadas, ele mesmo solapa sua credibilidade.

Não há como contestar seriamente as intenções presidenciais de aliviar a pobreza, fomentar um crescimento saudável, estimular o emprego e favorecer a qualificação e a melhora de condições dos trabalhadores. Tudo isso depende, no entanto, de eficiência, clara definição de rumos e credibilidade. Lula pouco avançou, até agora, no atendimento desses quesitos, e pouco avançará, se continuar menosprezando a saúde fiscal e o desejo de segurança de empresários, financiadores e consumidores.

 

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