O Estado de S. Paulo
Toda insegurança e toda inquietação quanto às
condições fiscais no próximo ano passaram a vigorar com o carimbo da
Presidência da República
Dinheiro bom é dinheiro transformado em obras, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – e tudo seria muito melhor, pode-se acrescentar, se dinheiro caísse do céu. Mas o céu, em vez de presentear os brasileiros com notas, moedas ou Pix, tem distribuído temporais em algumas áreas, seca em outras e insegurança em todo o País. Têm ficado mais incerta a reativação da economia, em marcha lenta no terceiro trimestre, e mais difícil a condução das contas públicas. A dívida oficial, bem maior que a de quase todos os demais emergentes, supera 70% do Produto Interno Bruto (PIB), já é muito cara e tende a crescer. O presidente reclama dos juros, pesados para o governo, para o empresariado e para os consumidores, mas nada faz, seriamente, para motivar algum otimismo em relação a 2024. Feliz ano novo será, como em tantas outras ocasiões, apenas uma expressão convencional e gentil?
O mercado é ganancioso, disse o presidente,
como se o temor de um desarranjo maior no Tesouro fosse um desajuste
psicológico ou moral. Sim, quem atua num mercado – financeiro, artístico,
industrial, agrícola ou qualquer outro – é motivado, normalmente, pelo desejo
de ganho. Para um governante, no entanto, sinais de inquietação quanto às
contas públicas deveriam ser um alarme, especialmente quando partem de gente
acostumada a mexer com muito dinheiro. Não se trata de governar para o mercado,
mas de avaliar tecnicamente a sinalização. Quando se leva em conta a
experiência política de Lula, sua reação pode parecer estranha.
Mais que estranho, no entanto, esse
comportamento se torna muito preocupante quando contrastado com a intenção,
anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de equilibrar as contas
primárias – isto é, sem os juros – em 2024. Para isso, o governo dependerá, ou
dependeria, de um aumento de receita, proporcionado por uma tributação
adicional, e de um corte de gastos. Além de um novo imposto, será necessária
alguma austeridade. Esta condição foi logo rejeitada pelo presidente, numa
atitude claramente contrária à intenção do ministro. Ambos tentaram, depois,
disfarçar o conflito, mas de forma nada convincente.
Prevaleceu, diante do mercado, a declaração
inicial de Lula sobre a manutenção dos investimentos programados. Isso se
traduz, em termos práticos, como preservação de todos os gastos, sem hipótese
de ajuste compensatório. Toda insegurança e toda inquietação quanto às
condições fiscais no próximo ano passaram a vigorar, portanto, com o carimbo da
Presidência da República. Em discurso a investidores estrangeiros, o presidente
falou em garantir o equilíbrio fiscal, mas essa promessa foi interpretada como
tentativa – apenas isso – de consertar o relacionamento com o ministro da
Fazenda.
O parecer preliminar do Projeto de Lei de
Diretrizes Orçamentárias foi aprovado no Congresso, no dia 7, com a preservação
do déficit zero, mas isso tem pouco valor quando se consideram as atitudes do
presidente. No dia 8 o relator do projeto mencionou uma possível mudança da
meta pelo Executivo. A decisão, acrescentou, poderia ser anunciada até o dia
16.
Também no dia 7, a ata da reunião do Comitê
de Política Monetária (Copom) realçou as dúvidas sobre a evolução das contas
públicas. A insegurança foi destacada, no mesmo dia, num evento do setor
financeiro, pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Depois
de mencionar o cenário global, com os conflitos geopolíticos e os juros
elevados nos Estados Unidos, ele apontou as incertezas fiscais como dominantes
no cenário brasileiro. O BC deve continuar reduzindo a taxa básica de juros,
afirmou, com novos cortes de 0,5 ponto porcentual, mas é mais difícil, agora,
avaliar a possível extensão dos cortes. Num ambiente menos seguro, os juros de
equilíbrio poderão subir, diminuindo o espaço para afrouxamento da política
monetária. Não se trata, agora, apenas de dúvidas sobre o cumprimento da meta
fiscal, mas de insegurança quanto à manutenção da própria meta, como indicou o
Copom.
É inútil, portanto, o presidente Lula
criticar o BC e chamar o mercado de ganancioso quando ele contribui, mais que
qualquer agente empresarial ou financeiro, para a insegurança e a alta dos
juros. É igualmente inútil o ministro da Fazenda construir um bom
relacionamento com o Congresso e com o mercado, quando seu chefe leva o jogo
para a direção contrária. O presidente pode recuar, ocasionalmente, e ensaiar
uma correção de atitudes, mas sem grande resultado. Com falas frequentemente
impensadas, ele mesmo solapa sua credibilidade.
Não há como contestar seriamente as intenções
presidenciais de aliviar a pobreza, fomentar um crescimento saudável, estimular
o emprego e favorecer a qualificação e a melhora de condições dos
trabalhadores. Tudo isso depende, no entanto, de eficiência, clara definição de
rumos e credibilidade. Lula pouco avançou, até agora, no atendimento desses
quesitos, e pouco avançará, se continuar menosprezando a saúde fiscal e o
desejo de segurança de empresários, financiadores e consumidores.
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