O Globo
Não sei como foi seu Natal. O dos irmãos
Batista, Joesley e Wesley, foi ótimo. Em 19 de dezembro, a Aneel aprovou o
negócio por meio do qual a Âmbar, dos donos da J&F, será a intermediária na
aquisição de energia venezuelana para Roraima.
O Brasil poderia ter feito a operação sem a
iniciativa privada. Era o que se imaginava em curso, até duas reportagens, da
Folha e da piauí, informarem — em dezembro — o que o governo omitia ao menos
desde março.
Ao menos desde março a Âmbar tratava da
compra com uma empresa privada venezuelana (de identidade desconhecida). Desde
março porque foi o mês em que a companhia comunicou ao governo o início da
negociação. Não se sabe por que o governo tratou sigilosamente a participação
dos Batistas no negócio.
Em maio, sem mencionar a empresa ou hipótese de intermediação, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciaria a pretensão de retomar a importação de energia da Venezuela. Lula e Maduro se reuniram e declararam a respeito. Em agosto, o presidente assinou decreto em que autorizava a compra. Em setembro, a Âmbar formalizou ao governo a sua proposta, aceita em outubro — e remetida à Aneel. Que a aprovou faz uma semana.
Tudo muito rápido. E a sair caro. Aprovado
valor entre R$ 900 e R$ 1.080 por megawatt-hora, ante os R$ 137 que o Brasil
pagava em 2019, quando suspendeu-se o fornecimento. Preço parecido com o que o
ministro estimara em maio. A grana virá de fundo abastecido pelos consumidores
— nós. A Âmbar comprará energia hidrelétrica como se pagasse por geração de
térmica a óleo diesel. E gastará não muito menos que os R$ 1.100 ora pagos pela
energia termelétrica que abastece Roraima.
No mesmo 19 de dezembro, Lula — como se
reunisse seus senadores — ofereceu jantar aos ministros do Supremo. Compareceu
Flávio Dino, a lhe ser líder na Corte. O convescote teve lugar na casa de
Barroso, presidente do tribunal. Estava lá, com a mulher, Dias Toffoli; que, no
dia seguinte, suspenderia a multa pactuada no acordo de leniência da J&F:
R$ 10,3 bilhões, que tornam mixaria o R$ 1,7 bilhão a que poderá chegar o
faturamento da Âmbar na importação desde a Venezuela.
O monocrata Dias Toffoli, hohoho!, decidiu
sob a compreensão expandida — padrão xandônico — de sua relatoria na Operação
Spoofing, por meio da qual se transformou num relator paralelo de casos da
Lava-Jato, agora também da Greenfield, no âmbito da qual o acordo de leniência
foi feito.
É mesmo difícil entender o caminho — o
trânsito e as ultrapassagens — até que o ministro se tornasse esse relatorzão,
o onipresente responsável no STF pelos casos empresariais graúdos, em que
companhias defendidas pelas maiores bancas alegam ter firmado acordos sob
tortura. A Spoofing pervertida em aplicadora dos efeitos anulantes derivados
dos conluios da Lava-Jato em Curitiba, para alcançar e desqualificar os
trabalhos do Ministério Público e da Justiça federais do Distrito Federal; que
atuaram corretamente.
A petição inicial da J&F é assinada por
um delator, que reconheceu os crimes praticados — e cujas alegações foram
tomadas como verdadeiras pelo ministro. Bastariam dois minutos de fact
checking. A petição, que Dias Toffoli abrigou sem filtros, produz dallagnols
imaginários e usa — esbanjando ilações que foram parar na decisão — a corrupção
de meios da Lava-Jato para acusar “abusos” no uso de provas ilícitas (não
mostra quais), como se fossem os procuradores de Curitiba os responsáveis pelo
acordo.
Dias Toffoli como apontador de um lavajatismo
paranaense universal, de modo a estender suas anulações para além do trator que
passou sobre as provas fornecidas no acordo da Odebrecht, conjunto em que é
citado, “o amigo do amigo do meu pai” — razão por que deveria ter se declarado
impedido.
O que aplica agora é a lógica aterradora que
usou no caso da empreiteira; e não terá sido à toa que a petição fantasiosa da
J&F — aproveitando a maneira como o ministro faz a Spoofing invadir espaços
de outras operações — foi encaminhada na trilha aberta pela declaração de
imprestabilidade das provas contra a Odebrecht na Lava-Jato.
Mencionei o grotesco jantar de Lula com
ministros do Supremo — confraternização do presidente com seu terceiro turno
parlamentar, expressão de uma cadeia de disfunções na República — e mencionei a
presença da mulher de Dias Toffoli. Ela é advogada da J&F em outro processo
no tribunal; e a própria Corte, grotescamente, já determinou que não há
impedimento de juiz em casos assim.
Ocorre que a decisão de Dias Toffoli, mais
que suspender a multa decorrente do acordo de leniência, hospeda e deixa se
acomodar a tese segundo a qual a opressão lavajatista forçou a J&F a também
vender empresas, entre as quais a Eldorado Celulose. A mulher de Dias Toffoli
trabalha para anular a venda da Eldorado.
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