O Estado de S. Paulo
Corredores bioceânicos na América do Sul são resposta ao deslocamento do eixo mais dinâmico da economia mundial do Atlântico Norte para o Pacífico
Uma das principais prioridades da política
externa do atual governo é a relação com a América do Sul. Políticas
equivocadas ao longo dos últimos quatro anos resultaram no isolamento, perda de
influência do Brasil na região e redução da participação de produtos
brasileiros na pauta de exportação e de importação com os países vizinhos,
agravada pela perda de competitividade e pela concorrência com produtos
chineses.
Do governo Lula da Silva, esperam-se políticas que apoiem a integração regional, não só através do melhor funcionamento do Mercosul e do aproveitamento da Área de LivreComércio, criada na América do Sul com a rede de acordos comerciais negociados no âmbito da Associação LatinoAmericana de Integração (Aladi), mas também de iniciativas que promovam a integração física na região.
Segundo divulgado pelo governo, cinco rotas
de integração regional serão concluídas até 2027, com recursos garantidos pelo
Programa de Aceleração do Crescimento: Rota da Ilha das Guianas (Amapá,
Roraima, Pará); Rota Multimodal Manta-Manaus (Roraima, Pará, Amapá); Rota
Quadrante Rondon (Acre, Rondônia, Mato
Grosso); Rota Capricórnio; Rota Porto
Alegre-Coquimbo (Rio Grande do Sul). Para acompanhar e assegurar a execução
desses projetos, deverá ser criado o Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e
Planejamento.
Cabe ressaltar a Rota Capricórnio ou Corredor
Bioceânico de Capricórnio ligando o Brasil (Porto de Santos-Campo Grande-Porto
Murtinho), Paraguai, Argentina e portos do norte do Chile (Iquique e
Antofagasta), com a extensão de 2.250 quilômetros. O corredor estará completo
com a conclusão das obras da Ponte Carmelo Peralta-Porto Murtinho no primeiro
trimestre de 2025 e o último trecho da Transchaco (220 km), cujas obras
começaram no segundo semestre de 2023. Os governos brasileiro, paraguaio,
argentino e chileno já reconhecem a Rota ou Corredor Bioceânico de Capricórnio
como uma realidade, “tendo passado a instância de projeto”, conforme a
Declaração de Salta, de abril passado.
Nos últimos 15 anos, o intercâmbio comercial
do Brasil com a Ásia teve aumento considerável. Hoje, mais de 50% das
exportações brasileiras têm como mercado os países asiáticos. Mais de 35% das
exportações de produtos agrícolas são destinadas à China. O corredor bioceânico
deverá reduzir os custos de transportes para a Ásia, visto que diminuiria
sensivelmente o trajeto que deixaria de ser feito via canal do Panamá ou pelo
sul da África.
Diante da ascensão do continente asiático
como novo polo econômico-comercial mundial, a construção de corredores
bioceânicos na América do Sul é uma resposta para o deslocamento do eixo mais
dinâmico da economia mundial do Atlântico Norte para o Pacífico.
A melhoria da integração física incentivará o
desenvolvimento de novas cadeias regionais de valor (exportação de insumos para
o Chile e o Paraguai e a agregação de valor), facilitará o desenvolvimento de
esquemas privados colaborativos e cooperativos (ganhos de escala, implementação
de estratégias comerciais conjuntas, transferência de tecnologia e capacitação
de profissionais) e incrementará o comércio intrarregional e internacional. O
regionalismo promovido por políticas brasileiras se fortalecerá ante a necessidade
de assegurar acesso à produção sul-americana.
Dentro do contexto de fortalecimento do
regionalismo e da integração física, as rotas anunciadas pelo governo e os
projetos de corredores bioceânicos se tornam instrumentais. Novos eixos de
crescimento serão gerados e se potencializará a atividade produtiva local. As
rotas e os corredores rompem com o isolamento de alguns territórios (Chaco),
integram áreas povoadas, mas pouco exploradas comercialmente (Acre e Rondônia,
norte do Chile) e revigoram espaços onde a atividade produtiva está apenas
latente (Jujuy e Roraima). Os corredores bioceânicos, em especial o de
Capricórnio, também respondem à nova reconfiguração geoeconômica do Brasil,
resultante do processo de desindustrialização e expansão do agronegócio para o
interior do País. Como resultado, surgiram cidades jovens com alto poder
aquisitivo (Sinop e Sorriso) e cresceram as exportações totais e “per capita”
dos denominados “Estados articuladores” (Acre, Rondônia, Roraima, Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul).
A promoção das rotas e dos corredores
terrestres bioceânicos deve, portanto, ser vista como um objetivo estratégico.
Não só se valorizam os Estados articuladores, mas também se fortalecem as
relações com o Paraguai, Peru, Bolívia, Uruguai, Argentina, Chile, Guianas,
entre outros.
Como resultado indireto do crescente
interesse pelas rotas de integração, as fronteiras terrestres –
tradicionalmente abandonadas em favor das fronteiras marítimas – passarão a ser
valorizadas pelos futuros governos federais. Em consequência, o trânsito aduaneiro
terrestre, a saúde e a educação na região de fronteira, a qualidade e a oferta
de serviços e a infraestrutura passam a receber maior atenção por parte das
autoridades locais e nacionais.
O Brasil, na defesa de seus interesses,
deveria liderar a ampliação da integração física sulamericana (rodoviária,
ferroviária, hidroviária e aérea) para responder às demandas do crescimento e
diversificação de seu comércio exterior na região e em sua inserção global.
*Presidente do Instituto de Relações Internacionais
e Comércio Exterior (Irice), é membro da Academia Paulista de Letras
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