sábado, 30 de dezembro de 2023

Carlos Góes - O velho Mercosul no ano novo

O Globo

No ano em que completará 30 anos, o Senhor Mercosul parece se aproximar de um ponto de tensão

Ano que vem o Mercosul completará 30 anos. Deixa de ser jovem. O bloco comercial tem sido atacado e enfrenta desafios de dentro e de fora da região. Nesse cenário, fica a pergunta: o Mercosul tem futuro?

Antes de mais nada, um pouco de história.

O Mercosul entrou em vigor em 1994, fruto do Tratado de Assunção, assinado três anos antes por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. A ideia do bloco era a “ampliação de seus mercados nacionais, através da integração” para acelerar o “desenvolvimento econômico com justiça social”.

A ideia iria além da economia: reduzindo barreiras à circulação de bens, pessoas, serviços e investimentos, passando pela coordenação de políticas macroeconômicas e regulatórias — exatamente como tinha sido feito na Europa alguns anos antes.

Por um tempo, deu bastante certo. As barreiras comerciais que ainda existiam entre os países, no fim da década de 1980 e começo dos anos 1990, foram desmontadas. Acordos de investimento foram celebrados entre os países do bloco, facilitando a formação de empresas transnacionais no nosso continente.

Com isso, o comércio dentro da região aumentou. As exportações brasileiras para Paraguai, Argentina e Uruguai, como fração do total exportado, subiram de 4%, em 1989, a 17%, em 1997. No caso das importações, o número foi de 11% a 16%.

Mercosul — Foto: Criação O Globo

Em grande medida, isso deu certo porque, tanto no Brasil quanto na Argentina, as duas âncoras do bloco, havia ímpeto reformista na esfera comercial. Os presidentes Collor e Menem estavam decididos a abrir comercialmente as economias de seus países — e o Mercosul se encaixava como parte desse processo.

Inicialmente, portanto, o Mercosul seria parte de uma estratégia de regionalismo aberto — em que os mercados nacionais fossem ampliados como instrumento para uma inserção global.

Nos anos 2000, com a profunda crise econômica na Argentina, crescimento da China e a mudança na orientação de política comercial nos dois governos-âncora, o projeto de integração regional para América do Sul se tornaria mais político do que econômico.

A importância do Mercosul no comércio brasileiro também caiu. Em 2021, o bloco representava somente 6% das exportações e 8% das importações do Brasil.

O Mercosul é uma união aduaneira. O que isso significa? Que países compartilham suas “fronteiras comerciais”. Em teoria, quando países estão em uma união aduaneira, eles compartilham de seus impostos de importação com o resto do mundo e, uma vez dentro de qualquer um dos países do bloco, um produto deveria circular mais ou menos livremente (assim como ocorre entre estados brasileiros).

Uma das consequências da união aduaneira é que todos os países do Mercosul só poderiam assinar acordos comerciais com países terceiros em bloco. Pelas regras do grupo, eles precisam acordar unanimemente sobre esses acordos, o que é difícil. Em geral, quando havia um presidente mais entusiasta com comércio no Brasil, ocorria o contrário na Argentina. Por isso, o progresso era bem lento.

Mesmo nos casos nos quais há um desejo de avançar num acordo de maior porte, como é o caso do Acordo Mercosul-União Europeia, há o risco de ser barrado por alguma força externa — como o presidente francês.

Emanuel Macron tem reverberado em seus discursos um velho protecionismo agrícola francês, que sempre rejeitou o ingresso de produtos mais competitivos vindos do Sul, desta vez trajado de um neoambientalismo de ocasião.

A frustração com a imobilidade das últimas décadas foi tão grande que o Uruguai chegou a iniciar uma negociação de um tratado bilateral de livre comércio com a China, o que seria ilegal pelas regras do bloco. Mas o Uruguai é relativamente pequeno.

Com a chegada de Javier Milei à presidência argentina, o risco é maior. Exagerado, ele chegou a dizer durante a campanha que retiraria a Argentina do Mercosul. Isso é muito improvável, porque faria o país perder o acesso privilegiado ao mercado brasileiro, e os custos seriam muito altos.

Contudo, ele pode tentar a estratégia uruguaia. E com isso tensionar o suficiente para tentar revertê-lo em algo mais modesto, somente uma área de livre comércio. Esse seria o fim do projeto original do Mercosul.

Obviamente, não é fácil fazer uma previsão. Mas, no ano em que completará 30 anos, o Senhor Mercosul parece se aproximar de um ponto de tensão. Ou consegue avançar no grande acordo estagnado há anos ou pode quebrar. É bom ter esse risco em mente.

Feliz ano novo!

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Feliz ano novo!