O Globo
No ano em que completará 30 anos, o Senhor
Mercosul parece se aproximar de um ponto de tensão
Ano que vem o Mercosul completará 30 anos.
Deixa de ser jovem. O bloco comercial tem sido atacado e enfrenta desafios de
dentro e de fora da região. Nesse cenário, fica a pergunta: o Mercosul tem
futuro?
Antes de mais nada, um pouco de história.
O Mercosul entrou em vigor em 1994, fruto do
Tratado de Assunção, assinado três anos antes por Argentina, Brasil, Uruguai e
Paraguai. A ideia do bloco era a “ampliação de seus mercados nacionais, através
da integração” para acelerar o “desenvolvimento econômico com justiça social”.
A ideia iria além da economia: reduzindo barreiras à circulação de bens, pessoas, serviços e investimentos, passando pela coordenação de políticas macroeconômicas e regulatórias — exatamente como tinha sido feito na Europa alguns anos antes.
Por um tempo, deu bastante certo. As
barreiras comerciais que ainda existiam entre os países, no fim da década de
1980 e começo dos anos 1990, foram desmontadas. Acordos de investimento foram
celebrados entre os países do bloco, facilitando a formação de empresas
transnacionais no nosso continente.
Com isso, o comércio dentro da região
aumentou. As exportações brasileiras para Paraguai, Argentina e Uruguai, como
fração do total exportado, subiram de 4%, em 1989, a 17%, em 1997. No caso das
importações, o número foi de 11% a 16%.
Mercosul — Foto: Criação O Globo
Em grande medida, isso deu certo porque,
tanto no Brasil quanto na Argentina, as duas âncoras do bloco, havia ímpeto
reformista na esfera comercial. Os presidentes Collor e Menem estavam decididos
a abrir comercialmente as economias de seus países — e o Mercosul se encaixava
como parte desse processo.
Inicialmente, portanto, o Mercosul seria
parte de uma estratégia de regionalismo aberto — em que os mercados nacionais
fossem ampliados como instrumento para uma inserção global.
Nos anos 2000, com a profunda crise econômica
na Argentina, crescimento da China e a mudança na orientação de política
comercial nos dois governos-âncora, o projeto de integração regional para
América do Sul se tornaria mais político do que econômico.
A importância do Mercosul no comércio
brasileiro também caiu. Em 2021, o bloco representava somente 6% das
exportações e 8% das importações do Brasil.
O Mercosul é uma união aduaneira. O que isso
significa? Que países compartilham suas “fronteiras comerciais”. Em teoria,
quando países estão em uma união aduaneira, eles compartilham de seus impostos
de importação com o resto do mundo e, uma vez dentro de qualquer um dos países
do bloco, um produto deveria circular mais ou menos livremente (assim como
ocorre entre estados brasileiros).
Uma das consequências da união aduaneira é
que todos os países do Mercosul só poderiam assinar acordos comerciais com
países terceiros em bloco. Pelas regras do grupo, eles precisam acordar
unanimemente sobre esses acordos, o que é difícil. Em geral, quando havia um
presidente mais entusiasta com comércio no Brasil, ocorria o contrário na
Argentina. Por isso, o progresso era bem lento.
Mesmo nos casos nos quais há um desejo de
avançar num acordo de maior porte, como é o caso do Acordo Mercosul-União
Europeia, há o risco de ser barrado por alguma força externa — como o
presidente francês.
Emanuel Macron tem reverberado em seus
discursos um velho protecionismo agrícola francês, que sempre rejeitou o
ingresso de produtos mais competitivos vindos do Sul, desta vez trajado de um
neoambientalismo de ocasião.
A frustração com a imobilidade das últimas
décadas foi tão grande que o Uruguai chegou a iniciar uma negociação de um
tratado bilateral de livre comércio com a China, o que seria ilegal pelas
regras do bloco. Mas o Uruguai é relativamente pequeno.
Com a chegada de Javier Milei à presidência
argentina, o risco é maior. Exagerado, ele chegou a dizer durante a campanha
que retiraria a Argentina do Mercosul. Isso é muito improvável, porque faria o
país perder o acesso privilegiado ao mercado brasileiro, e os custos seriam
muito altos.
Contudo, ele pode tentar a estratégia
uruguaia. E com isso tensionar o suficiente para tentar revertê-lo em algo mais
modesto, somente uma área de livre comércio. Esse seria o fim do projeto
original do Mercosul.
Obviamente, não é fácil fazer uma previsão.
Mas, no ano em que completará 30 anos, o Senhor Mercosul parece se aproximar de
um ponto de tensão. Ou consegue avançar no grande acordo estagnado há anos ou
pode quebrar. É bom ter esse risco em mente.
Feliz ano novo!
Um comentário:
Feliz ano novo!
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