Folha de S. Paulo
Reduzir a violência é não apenas um
imperativo moral, mas também uma condição para a prosperidade econômica
Em 2023 a democracia foi salva e a economia
parece estar entrando nos eixos. A agenda
climática foi retomada, assim como as principais políticas sociais.
Feitos nada triviais para um governo minoritário e recebido com grande
desconfiança pelo mercado.
O centrão, como era de se esperar, demonstrou-se mais leal aos seus interesses pragmáticos que à agenda obscurantista dos antigos habitantes da Esplanada (com exceções). O governo soube alinhar suas prioridades às ambições da maioria parlamentar. Tudo isso, evidentemente, ao régio custo de emendas. O fato, porém, é que a coisa andou. O governo governou.
O grande desafio para 2024 é estabelecer
alguma ordem e racionalidade no campo da
segurança pública. A redução da violência e da criminalidade, que
brutalizam a vida de milhões de brasileiros todos os dias, constitui não apenas
um imperativo moral, mas também uma precondição para a prosperidade econômica e
para a sobrevivência do próprio Estado democrático de direito.
Desde a transição para a democracia os
diversos governos federais têm se evadido da responsabilidade de coordenar as
políticas e modernizar as agências de justiça e segurança, alegando que essa é
uma responsabilidade dos estados. Essa omissão levou ao crescimento do crime
organizado, à deterioração do sistema de segurança, assim como abriu um enorme
mercado eleitoral para a extrema direita, com suas receitas simples, diretas e,
sobretudo, erradas no campo da segurança pública. Armar a
população, aliviar os controles sobre a atividade policial, promover
o encarceramento indiscriminado e fechar os olhos para as milícias pode
gerar votos, mas, no final do dia, apenas contribui para o aprofundamento da
crise de segurança, levando a mais mortes e degradação do tecido social.
Nas últimas décadas houve um avanço muito
grande no campo da segurança pública, com forte impacto sobre a redução da
violência em diversas partes do mundo e também no Brasil. Como não se cansava
de salientar Paul Chevigny, professor emérito da Universidade de Nova York e
autor de dois clássicos estudos sobre polícia, falecido no último mês,
múltiplos são os fatores que promovem a criminalidade e a violência. Múltiplas,
portanto, devem ser as políticas e instituições envolvidas na contenção da
criminalidade. Logo, não é uma tarefa apenas das polícias estaduais, no caso
brasileiro.
Isso impõe ao governo federal assumir um
protagonismo, ainda que partilhado, na construção de política nacional de
segurança pública, com foco na redução dos homicídios e
na retomada dos territórios hoje dominados pelo crime e pelas milícias. Perdoem
o truísmo, mas estados são constituídos e governos são eleitos para enfrentar
os problemas centrais de uma sociedade. E assegurar a paz é o problema
primordial de qualquer sociedade.
Se o governo federal não entende ser
conveniente criar um
Ministério da Segurança Pública para executar políticas de
segurança, deveria ao menos criar uma Secretaria de Estado, com mandato e
autoridade para articular junto ao parlamento, aos governadores e mesmo às
polícias uma ampla reforma das políticas criminais, bem como a modernização das
agências de aplicação da lei, além de promover a integração de outras políticas
sociais com as políticas de segurança. A indisposição para enfrentar
racionalmente os desafios da segurança pública será inevitavelmente punida pelo
eleitor. Desnecessário lembrar que as principais
vítimas continuarão a ser pretos e pobres.
Desejo às leitoras e aos leitores um bom ano!
Lembrando, apenas, que o ano não será melhor se cochilarmos no ponto.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)
2 comentários:
Segurança com PM sem controle algum, Civil estável e MP covarde...enxugar gelo.
PM e CB têm que acabar; policia tem que ser civil, municipal, técnica, profissional e sem estabilidade.
A segurança chegou a tal ponto que somente Brasília tem condições de reverter. Obviamente, sem Lula ou Bolsonaro, pois um é parceiro das nações traficantes e o outro é braço político das Milícias.
MAM
■■■Eu concordo que a segurança no Brasil está um caso ainda mais terrível do que os outros e precisa ser revolucionado, como a educação no Brasil precisa ser revolucionada. Mas eu acho que com isso todos concordam, inclusive bolsonaristas e petistas.
■Uma inteligência, pesquisas, estudos e investigações importantes de segurança totalmente centrada e sob a responsabilidade do Governo Federal, que eu penso que pode ser feita em grupo conjunto de Polícia Federal, Ministério da Justiça, Forças Armadas, especialistas indicados pela sociedade e com coordenação de um Ministério de Segurança a ser criado, e com a parte operacional totalmente municipalizada, isto é, sim, uma ideia revolucionária e que eu acho que merece ser considerada.
Eu nunca havia visto uma proposta assim para a segurança pública:: Cidades-Governo Federal.
Claro que se especialistas entendesem ser esta uma proposta a ser estudada, considerariam um papel para os Governo Estaduais, talvez o de supervisão.
■■■MAS eu resolvi responder aqui para, de fato, ripostar.
=>Ripostar sobre outra coisa que foi escrita.
■Foi escrito que::
" A segurança chegou a tal ponto que somente Brasília tem condições de reverter. Obviamente, sem Lula ou Bolsonaro, pois um é parceiro das nações traficantes e o outro é braço político das Milícias.".
NÃO!
■Lula não é "parceiro das nações traficantes".
=>Bolsonaro, ok:: Bolsonaro é, de vários modos, "braço político da Milícias".
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