Dino acertou ao separar os papéis de político e juiz
O Globo
Aprovado pelo Senado, seu desafio será
manter-se fiel ao comportamento que disse ser ideal a ministros do STF
Flávio Dino não
foi o primeiro político indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas foi o primeiro político sabatinado num momento de polarização aguda. A
expectativa criada em torno de sua atuação no Ministério da Justiça fazia
antever um clima de conflagração. O que se viu foi o oposto: uma sabatina na
maior parte técnica, em que respondeu de modo sereno e respeitoso às questões.
Ao longo das dez horas em que ele e o indicado à Procuradoria-Geral da
República, Paulo Gonet,
foram submetidos à inquirição dos senadores, Dino abandonou o figurino de
político e demonstrou, na exposição de seu pensamento, estar à altura de
envergar a toga de ministro da mais alta Corte do país.
Logo em sua apresentação inicial, ele fez a distinção essencial entre seu papel atual como político e seu futuro papel como juiz. “Não se pode imaginar o que um juiz foi ou o que um juiz será a partir da leitura da sua atitude como político”, afirmou. “Seria como examinar um goleiro à luz de seu comportamento como centroavante.” Definiu a política como “espaço da pluralidade”, mas lembrou que, no Supremo, “todas as togas são da mesma cor”.
Embora tenha driblado as questões sobre os
processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro que herdará, garantiu a todos,
aliados ou adversários políticos, “o tratamento que a lei prevê”. Também fez
questão de tranquilizar os senadores em relação às acusações de “ativismo
judicial” que pesam contra o Supremo. “Tenho a exata dimensão de que o Poder
Judiciário não deve criar leis”, disse. De acordo com ele, o STF só deve
declarar uma lei inconstitucional quando “não houver dúvida acima de qualquer
critério razoável”. “A inconstitucionalidade é um fato raro. Precisamos de uma
certeza. E, nas zonas de penumbra, há que prestigiar a atividade legislativa.”
Também esclareceu que uma lei “aprovada de
forma colegiada” no Parlamento não pode ser desfeita por “decisões
monocráticas”, salvo em “situações excepcionalíssimas”, em que há riscos
iminentes. Critério semelhante, disse, deve ser aplicado aos atos de governantes.
Na dúvida, disse que também deve prevalecer a presunção de legalidade dos atos
administrativos.
Ao longo da sabatina, Dino deu respostas
satisfatórias às críticas mais frequentes à sua gestão no Ministério da
Justiça. Questionado por senadores da oposição, afirmou ter entregado todas as
gravações dos ataques golpistas do 8 de Janeiro “de acordo com a lei” e negou
ter ido sem proteção ao Complexo da Maré, região do Rio controlada pelo
tráfico. Sobre o uso das redes sociais, afirmou ser um conhecido defensor da
regulação e revelou considerar esse o “debate jurídico mais importante do
século XXI”. E, sem perder o humor, contou que manteria suas contas, apenas
para ter onde comentar jogos do Botafogo e do Sampaio Corrêa.
Talvez o momento simbólico mais importante da
sabatina tenha sido o encontro com o senador e adversário político Sergio Moro,
que lhe deu um abraço e cochichou-lhe algo ao ouvido entre sorrisos. Foi uma
prova de civilidade infelizmente rara nos tempos atuais. Ao final, mesmo sem
revelar seu voto, Moro afirmou: “Tenho profundas diferenças com o atual
governo, e Vossa Excelência faz parte do atual governo, mas não perderei a
civilidade e acho que este país precisa disso para diminuir a polarização”.
Moro tem toda a razão. E, pela atitude, Dino demonstrou ter plena consciência
disso.
Substitutivo do projeto da reforma do ensino
médio precisa avançar
O Globo
Texto não é perfeito, mas concilia
divergências e representa chance de enfim transformar a educação
Desde que foi aprovada em 2017, a reforma
do ensino médio vive
envolta em impasses e controvérsias, que têm dificultado a melhora na educação.
No momento em que o Congresso discute a proposta enviada pelo Ministério da
Educação (MEC) para o novo ensino médio, cuja implantação foi paralisada no
início do ano, há enfim motivos para acreditar que é possível chegar a um
consenso sobre o texto, fundamental para que o país avance.
O substitutivo do relator, deputado Mendonça
Filho (União-PE), sugere um meio-termo entre a reforma de 2017 e o Projeto de
Lei (PL) do governo. Propõe a ampliação de 1.800 para 2.100 horas anuais na
carga de disciplinas obrigatórias, abrindo a possibilidade de usar 300 dessas
horas para formação técnica. No PL enviado ao Congresso, o governo previu 2.400
horas. Mendonça Filho, um dos articuladores da reforma, argumenta que é um modo
de conciliar demandas conflitantes. O Conselho Nacional de Secretários de Educação
(Consed) defendia as 1.800 horas, mas concordou com o aumento para 2.100.
O pouco tempo destinado às disciplinas
obrigatórias na reforma do ensino médio foi o estopim da rebelião contra as
novas regras. Considerando a carga horária total de 3 mil horas, a formação
geral básica (comum a todos os alunos) ficava em desvantagem em relação à parte
flexível. A questão ganhou mais vulto com a discussão sobre os conteúdos
optativos. O risco era os alunos deixarem de receber a formação necessária em
disciplinas essenciais. Havia correções a fazer.
O substitutivo de Mendonça Filho apresenta
outros pontos sensatos. Estabelece o mínimo de 900 horas para a parte flexível
do currículo, reafirma a necessidade de diretrizes nacionais do MEC para
estruturar o setor e reconhece ser preciso regulamentar melhor a educação à
distância (EaD), permitida apenas excepcionalmente.
Uma análise do movimento Todos Pela Educação
considera que o substitutivo de Mendonça Filho traz avanços em relação à
reforma original, como o aumento do mínimo de horas para formação básica e a
definição de um piso para o aprofundamento. Mas cita pontos que poderiam ser
aperfeiçoados, como a ampliação do ensino integral, que carece de metas e
prazos objetivos, e a definição de como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
deve se articular com as novas regras.
O debate é necessário, mas não pode levar à
paralisia, como acontece hoje. A reforma não surgiu do nada. Veio para ampliar
a carga horária, tornar o currículo mais atraente e facilitar a integração do
ensino regular com o profissional, abrindo perspectivas de trabalho para os
jovens e contribuindo para o desenvolvimento. É boa notícia que o substitutivo
busque o caminho do consenso. Faz seis anos que a reforma foi aprovada e, desde
então, anda-se em círculos. Passou da hora de avançar.
Controle fiscal é vital para aproveitar novo
ciclo de juros
Valor Econômico
O cenário externo mais benigno abre espaço
para maior ingresso de capitais, captações externas mais baratas e aumento de
investimentos à medida que os juros possam cair adequadamente
Até há pouco, o presidente do Federal
Reserve, o banco central americano, Jerome Powell, dizia que preferia errar por
exagero do que por falta de firmeza na política monetária. Ontem ele mudou o
discurso e afirmou que os membros do banco “estão muito focados em não cometer”
o erro de exagerar na dose. “Sabemos que existe o risco de segurar os juros
muito altos por muito tempo”. A inflação está distante, embora bem menos, da
meta de 2%, mas a maioria do Fed apostou em corte de 0,75 ponto percentual em
2024. O cenário mudou e a direção dos juros no futuro será para baixo. O Banco
Central Europeu também manteve sua taxa de juros parada em 4%, diante de
promissoras quedas da inflação. A inflação dos últimos meses também foi
favorável para que o BC brasileiro se sentisse seguro para se comprometer com
mais dois cortes de 0,5 ponto percentual, após baixar a Selic para 11,75%.
Parcela não desprezível dos analistas acha que é possível acelerar o ritmo de
cortes.
Os mercados financeiros preveem o início da
redução dos juros nos Estados Unidos já em março, e um pouco mais adiante na
zona do euro. O rendimento dos títulos do Tesouro americano de dez anos caiu
abaixo de 4% pela primeira vez desde agosto, após a decisão do Fed. As ações
brasileiras subiram e os juros futuros domésticos declinaram com os indícios
mais firmes de que o ciclo de aperto monetário nos países desenvolvidos está
perto do fim.
Entre os dirigentes de BCs, Powell é o que
tem mais razões para cautela. A economia americana cresceu 5,2% no terceiro
trimestre, e começou a desacelerar posteriormente, devendo encerrar o ano,
pelas projeções do Fed, em 2,6%, ainda acima do seu potencial de longo prazo,
de 1,8%. O mercado de trabalho continua apertado, mas já apareceram indícios de
arrefecimento de contratações e de aumento nos pedidos de seguro-desemprego. Em
novembro, a inflação ao consumidor (CPI) subiu 0,1%, ou 3,1% em doze meses. Pela
medida preferida do Fed, os gastos pessoais de consumo, a inflação encerrará o
ano em 2,8% (abaixo dos 3,3% previstos em setembro), enquanto que o núcleo
desse indicador atingirá 3,2%. Outra medida, como a taxa de inflação de seis
meses anualizada da inflação subjacente, já coloca a evolução anual do nível de
preços nos 2% da meta do Fed (cálculo da TS Lombard, Valor Online,
ontem).
Ao pesar os riscos, que ainda existem, Powell
afirmou que parte dos efeitos da alta acumulada dos juros ainda não se fez
sentir e que, no julgamento do banco, não é provável que as taxas tenham de
subir mais. Dessa forma, mesmo com a carga de juros de 5,5% (a mais alta em 22
anos), a economia ainda assim crescerá 1,4% e o desemprego não passará de 4,1%
- um pouso suave de bem baixo custo, se as previsões do banco estiveram certas.
Christine Lagarde, presidente do BCE, usou os
mesmos argumentos do Fed para manter os juros em 4% na zona do euro. “Não
devemos de forma nenhuma baixar a guarda”, disse, acrescentando que “há
trabalho ainda a ser feito” e que a política monetária será restritiva “o
quanto for necessário”. A inflação na zona do euro em novembro foi de 2,4%. As
projeções do BCE são de que ela feche 2023 em 5,4%, e 2,7% em 2024,
aproximando-se apenas em 2025 dos 2%. O aperto derrubou o crescimento com mais
intensidade que nos EUA. O bloco do euro deve crescer 0,7% este ano e 0,8% no
próximo. Segundo Lagarde, o banco “não discutiu de maneira nenhuma corte de
juros”, mas os mercados aproveitaram o ímpeto da sinalização do Fed e já
indicaram seis cortes de 0,5 ponto no ano que vem.
A aproximação do ciclo de corte das taxas nos
EUA e zona do euro facilita o trabalho de afrouxamento monetário executado pelo
BC brasileiro. No comunicado da reunião de ontem, o Copom afirma que o cenário
externo está “menos adverso” e, pela primeira vez em muitos meses, que “as
medidas de inflação subjacente se aproximam da meta para a inflação”. Ainda
assim, no cenário de referência o IPCA ainda está descolado da meta de 3% no
ano que vem (3,5% e 3,9% no boletim Focus) e por quase nada, 3,2%, em 2025. O BC
cita a reancoragem apenas parcial das expectativas como um dos motivos para
manter o ritmo atual de redução. Para que a ancoragem ocorra, porém, é
importante a “firme persecução das metas fiscais”.
Esse parece ser o ponto de interrogação sobre o futuro, importante na equação que determinará o ritmo de queda e a taxa final dos juros no ciclo. O governo, porém, usa expedientes para flexibilizar o novo regime fiscal antes de sua estreia, o presidente Lula não vê problemas em déficits fiscais, e parte das receitas extras que o governo pretende obter está sendo diluída nas discussões tardias no Congresso. A situação fiscal, que não é crítica, piorou. O Prisma Fiscal de novembro elevou a projeção de déficit no ano de R$ 113,7 bilhões para R$ 147 bilhões. O cenário externo mais benigno abre espaço para maior ingresso de capitais, captações externas progressivamente mais baratas e aumento de investimentos à medida que os juros possam cair adequadamente. É importante sinalizar controle fiscal para aproveitar plenamente a distensão monetária global.
Máxi argentina
Folha de S. Paulo
Milei desvaloriza peso em busca de dólares;
não se sabe como lidará com efeitos
O recém-empossado governo de Javier Milei
apenas começou a anunciar as medidas com as quais pretende enfrentar a
tenebrosa situação econômica da Argentina. Por ora, a providência mais drástica
foi uma maxidesvalorização do peso —um termo trazido de volta da década de
crises de 1980.
No câmbio oficial, US$ 1 sobe de 366 para 800
pesos, com perspectiva de novas desvalorizações mensais. Por vertiginoso que
seja, o aumento torna mais realista a taxa de câmbio e atende à necessidade
urgente de elevar as exportações para obter reservas em moeda forte.
É claro, no entanto, que uma guinada de tais
proporções terá dolorosos impactos econômicos e sociais, que ainda não se sabe
ao certo como serão enfrentados.
De mais concreto até aqui, haverá aumento
imediato dos programas direcionados à população mais pobre, o que, em tese ao
menos, é correto. Entretanto ainda são vagos os planos para equilibrar as
contas do governo e conter uma inflação que chegou aos 160% em 12 meses —e será
pressionada pela maxidesvalorização.
Apenas aos poucos é revelada a política do
Banco Central em relação às taxas de juros, que continuarão muito negativas
(abaixo da variação da inflação). Ao que parece, começa a
haver liberação de preços no comércio, mas há muitos itens regulados
ou controlados.
Sabe-se de modo extraoficial que o governo
pretende zerar o déficit orçamentário também com aumento de arrecadação, cerca
de 40% do esforço fiscal.
Parte do acréscimo da receita viria de
impostos "provisórios" sobre importações e exportações e, em parte,
da revogação da redução eleitoreira do Imposto de Renda promovida pelo governo
peronista (apoiada, diga-se, por Milei).
Fala-se sobre cortes em subsídios de energia
e transporte, aposentadorias, servidores e obras públicas.
As previsões de aumento da arrecadação podem ser muito otimistas, pois a
Argentina deve enfrentar grave recessão em 2024.
Em outras frentes, a abordagem parece ser
gradualista. O fim dos controles de fluxo de capital, das múltiplas taxas de
câmbio e um Banco Central com autonomia para lidar com a inflação seriam
objetivos de médio prazo. Logo, ainda não há programa de estabilização.
O governo diz abertamente que a vida dos
argentinos ainda piorará antes de melhorar, o que de fato parece uma certeza.
Menos claro é se a população terá paciência, se a nova administração será capaz
de formular e implementar a enorme quantidade de providências para tirar a
Argentina do colapso e se as forças políticas do país chegarão a um
entendimento mínimo.
O elefante na COP28
Folha de S. Paulo
Com lobby do petróleo, cúpula só sinaliza fim
do uso de combustíveis fósseis
Os combustíveis fósseis são responsáveis por
75% das emissões de gases que produzem o efeito estufa. Não à toa, o debate
sobre essa matriz energética dominou a COP28, a conferência do clima da ONU.
Contudo o encontro terminou na quarta (13)
com um texto de tom
eufemístico a respeito do plano global para atacar o problema.
Durante as negociações, mais de 100 dos cerca
de 200 países exigiam uma linguagem forte que deixasse claro, a investidores e
governos, que o futuro da humanidade não comporta mais o uso de petróleo,
carvão e gás natural. Entretanto não conseguiram incluir as palavras
"eliminar gradualmente" sobre a queima desses combustíveis no
documento final.
A forte
oposição do lobby dos produtores de petróleo, a Opep, fez com que o
texto indicasse só "transicionar". Para a entidade, seria suficiente
reduzir emissões sem abandonar por completo algumas matrizes.
De todo modo, desta vez os países admitiram a
presença do elefante na sala. Especialistas e ambientalistas apontam que ao
menos houve um sinal para que se eliminem emissões do tipo, apesar do contexto
sui generis da COP 28.
Além de ser realizada na capital dos Emirados
Árabes, um expoente da produção petrolífera, a cúpula teve recorde de 2.456
lobistas ligados ao combustível. Ademais, o presidente da conferência, Sultan
al-Jaber, é CEO da Adnoc, a gigante petroleira estatal do país.
Com 1.337 inscritos, a delegação do Brasil
foi a maior do evento. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reforçou que
é preciso "tirar o pé do acelerador das energias fósseis" para
cumprir a meta do Acordo de Paris (2015) de manter o aumento da temperatura
média mundial abaixo de 2ºC (preferencialmente em 1,5ºC).
O Brasil manifesta ambiguidade entre o
discurso ambientalista do governo e a expansão doméstica da prospecção de
petróleo. Além da controversa exploração na margem equatorial, a Agência
Nacional do Petróleo (ANP) deu início na quarta (13) ao leilão de 192 novos
blocos para extração de petróleo, alguns em sensíveis regiões de conservação
ambiental.
Este 2023 foi o ano mais quente da história e, segundo relatório divulgado na COP28, baterá recorde em emissões de gases por combustíveis fósseis, com 36,8 bilhões de toneladas métricas de carbono. O texto da conferência foi um primeiro passo, mas o caminho é longo e, sem medidas firmes, o destino do planeta segue ameaçado.
Na sabatina de Dino, o sabatinado foi o STF
O Estado de S. Paulo
Sessão no Senado escancarou uma dura
realidade: a percepção do País sobre o STF mudou. A Corte tem um problema sério
de perda de autoridade, que precisa ser urgentemente recuperada
Na sabatina de Flávio Dino para o Supremo
Tribunal Federal (STF), a rigor quem foi sabatinado não foi o ministro da
Justiça do governo Lula da Silva, e sim a própria Corte constitucional. Há um
fato incontestável, sobre o qual os ministros do STF não podem fingir
ignorância: a percepção do País sobre o Supremo mudou significativamente ao
longo dos últimos anos.
O cenário é extremamente desafiador não
porque a Corte tenha de ser popular, pois ela não tem essa obrigação.
Seu papel é, por essência, contramajoritário.
Mas, para que seja capaz de cumprir sua missão institucional, o STF precisa ser
respeitado. Ele tem de ter autoridade e, infelizmente, como tem ficado cada vez
mais evidente nos últimos tempos – e a sabatina foi mais uma confirmação neste
sentido –, ele vem perdendo essa indispensável autoridade.
Não há dúvida de que a atuação do Supremo foi
fundamental para o País nos últimos anos. Também não há dúvida de que
determinados grupos políticos transformaram o enfrentamento à Corte
constitucional em bandeira política. Não cabe ingenuidade. Existe gente que se
opõe ao Estado Democrático de Direito, com separação de Poderes, Judiciário
independente e eleições livres, por exemplo. Logicamente, essa turma vai fazer
ferrenha oposição à Corte cujo principal papel é defender a Constituição.
Mas a deterioração da autoridade do STF não é
decorrência da sua atuação em defesa da democracia e da Constituição. Não é
isso que vem corroendo o respeito da população pelo Supremo. As causas da perda
de autoridade da Corte são de outra natureza, como ficou evidente durante a
sabatina de Flávio Dino.
Essas causas podem ser resumidas em três
percepções: a politização da Corte, o protagonismo individual de seus
integrantes e a falta de exemplaridade de alguns ministros, sobretudo em
relação ao que a lei prevê como deveres da magistratura.
O provérbio é conhecido: à mulher de César
não basta ser honesta, deve parecer honesta. Pois bem, os ministros do STF são
magistrados e devem parecer-se com magistrados. Discretos, eles devem falar
apenas nos autos. Juristas, devem atuar com base em argumentos jurídicos, e não
segundo conveniências políticas. Servidores públicos, devem se ater às
competências e aos limites do cargo.
Em respeito ao País e à própria instituição
que integram, os ministros do STF têm um amplo dever de casa a cumprir. Não é
apenas o mais novo integrante do Supremo, Flávio Dino, que precisa aprender a
profunda diferença existente entre a atividade política e a da magistratura. É
tempo de revisar práticas, tons e costumes na Corte.
O Congresso agora discute uma Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) a respeito de decisões monocráticas em ações
diretas de inconstitucionalidade. O presidente e o decano do STF criticaram
duramente a proposta, como se fosse uma medida extraordinária. Ora, a tal PEC
só existe porque o STF vem descumprindo aberta e largamente a Lei 9.868/99, na
qual se estabelece que “medida cautelar na ação direta será concedida por
decisão da maioria absoluta dos membros do tribunal”.
Para restaurar e revigorar a autoridade do
STF, não são necessárias ações mirabolantes. O caminho é mais fácil e
acessível. Trata-se de uma mudança de atitude: o respeito humilde e silencioso
à lei. Os ministros do Supremo não são senhores, mas servos da lei e da
Constituição.
É preciso reconhecer: se as deficiências do
STF ficaram à mostra na sabatina, não foi por mérito do Senado, que, além de
manter a tradição de sabatinas frouxas, com perguntas superficiais e infantis,
realizou uma exótica sessão conjunta, na qual também foi avaliado o procurador
Paulo Gonet, nome indicado para a Procuradoria-Geral da República (PGR). Em vez
de desempenhar de forma responsável e altiva suas importantes atribuições
constitucionais, o Senado optou por realizá-las de tal maneira que sua falta de
seriedade fosse notada o menos possível.
Mas que ninguém se engane. Mesmo diluído na
tal sessão conjunta, o descuido do Senado com seu dever constitucional será
sentido por décadas.
A advertência de Biden a Israel
O Estado de S. Paulo
Só haverá paz agora se o Hamas for contido,
e, no futuro, se os palestinos tiverem um Estado. Mas, como advertiu Joe Biden,
os extremistas do governo de Israel ameaçam os dois objetivos
Já no dia 7 de outubro, ainda entre os
tremores e escombros do terremoto precipitado pela barbárie do Hamas, havia
três certezas para Israel. A primeira é que o país não estaria seguro a curto
prazo se a capacidade de agressão e o governo do Hamas em Gaza não fossem
obliterados. Para isso, era inevitável um uso da força sem precedentes e
consequentes danos aos civis palestinos, usados como escudo pelo Hamas. A
segunda é que o país não estará seguro a longo prazo se os palestinos não
gozarem de um Estado para se autogovernar e prosperar. Isso dependerá de um
governo palestino moderado capaz de reconstruir Gaza e negociar a desocupação
da Cisjordânia, com o apoio e garantias da comunidade internacional, em
especial dos EUA e países árabes.
Não são objetivos antagônicos. Ao contrário.
O Hamas é uma milícia terrorista que oprime seu povo, quer a aniquilação de
Israel e dos judeus e ameaça os países árabes sob os auspícios do Irã. Quanto
maior o seu poder, menores as chances de paz entre palestinos e judeus, de
estabilidade no Oriente Médio e de segurança no planeta.
Mas sabia-se que, se Israel cedesse à
tentação da vingança, punisse coletivamente os palestinos e devastasse Gaza,
isso erodiria rapidamente a legitimidade de sua operação militar e a simpatia
da comunidade global, destruiria as chances de aproximação com os árabes e
inflamaria o extremismo entre os palestinos, implodindo a possibilidade da
criação de dois Estados e precipitando os dois povos em uma guerra perpétua,
com contingentes crescentes entre eles clamando pela destruição um do outro. É
esse o objetivo do Hamas e do Irã. Mas também dos extremistas em Israel.
Daí a terceira certeza: que o equilíbrio
entre a tática militar de curto prazo e a estratégia política de longo prazo
seria volátil.
Após a quebra de uma breve pausa e a retomada
do combate no sul de Gaza, o mais intenso até agora, há indícios não só de que
esse equilíbrio está desmoronando, como também, ainda mais preocupante, de que
o governo israelense não está interessado em buscá-lo.
Como em toda guerra, a legitimidade desta
depende da proporcionalidade, ou seja, o uso da força estritamente necessária
para neutralizar a ameaça do agressor. A mera assimetria de mortes não é, por
si só, evidência de desproporcionalidade – de sua parte, Israel alega que um
terço dos mortos é militante do Hamas. Mas talvez mais do que os ataques, o que
degrada a legitimidade de Israel é sua relutância em permitir suprimentos,
auxílio humanitário e zonas seguras para refugiados.
Mais grave é que no terceiro mês da guerra o
governo de Benjamin Netanyahu não apresentou qualquer visão de longo prazo para
o conflito israelo-palestino. Os moderados que passaram a compor o governo não
estão conseguindo refrear os extremistas de direita, que, ao contrário, têm
aproveitado a situação para hostilizar palestinos na Cisjordânia e defender a
reocupação de Gaza, alimentando o delírio bíblico da “Grande Israel”.
Os aliados de Israel estão vocalizando sua
insatisfação. As críticas de Joe Biden, o presidente dos EUA, principal
fornecedor de armas a Israel e o único país capaz de lhe oferecer escudo
diplomático contra as pressões por um cessar-fogo na ONU, são um divisor de
águas. No que soou como um ultimato, Biden advertiu que, se Netanyahu não
mudasse de rota, perderia apoio global.
A verdade é que os governos dos palestinos e
israelenses são um obstáculo a um processo de reconciliação. As pressões dos
aliados de Israel por moderação deveriam ser complementadas por pressões por
novas eleições o quanto antes. Em contrapartida, os árabes precisam se
mobilizar para construir alternativas críveis ao governo terrorista de Gaza e
ao governo corrupto da Cisjordânia.
Enquanto Netanyahu e o Hamas estiverem no
poder, a criação do Estado palestino e sua coexistência com Israel será
impossível. Mas pode-se dizer que, mesmo que Netanyahu caia e que o Hamas seja
destruído, essa coexistência ainda será uma utopia – e no entanto é essa utopia
o único caminho possível para uma paz duradoura.
O privilégio de Janja
O Estado de S. Paulo
Suposto ataque hacker contra a primeira-dama
não é caso para a Polícia Federal nem para o Supremo
A conta da primeira-dama Janja Lula da Silva
na plataforma X, outrora conhecida como Twitter, foi invadida por um suposto
hacker no dia 11 passado. Uma vez no controle do perfil da mulher do presidente
Lula da Silva naquela rede social, seguido por 1,2 milhão de pessoas, o invasor
publicou ofensas contra ela e algumas autoridades, entre as quais o seu marido
e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Caso fossem respeitadas a lei processual
penal e a Constituição, o crime do qual Janja da Silva foi vítima deveria ser
investigado pela Polícia Civil. Concluído o inquérito, apresentados os indícios
de autoria e materialidade do crime e oferecida uma eventual denúncia à Justiça
contra o autor pelo Ministério Público, a possível ação penal teria de tramitar
na primeira instância do Poder Judiciário.
Primeira-dama, convém ressaltar, não detém
foro especial por prerrogativa de função. Ainda que detivesse, o chamado “foro
privilegiado” é aplicável somente nos casos em que algumas autoridades,
descritas nas leis e na Constituição, são acusadas de cometer crimes, não nos
casos em que figuram como vítimas.
Mas o Brasil vive tempos estranhos. O caso
envolvendo a primeira-dama foi tratado de outra forma, como se Janja da Silva
tivesse privilégios assegurados por ser casada com quem é. Pouco após a
invasão, a Polícia Federal (PF) foi acionada e cumpriu mandados de busca e
apreensão, em Minas Gerais e no Distrito Federal, nas residências dos
suspeitos, incluindo um adolescente de 17 anos. A operação policial, a cargo da
Diretoria de Combate a Crimes Cibernéticos da
PF, foi autorizada pelo ministro Alexandre de
Moraes.
À luz da lei, é incompreensível que a invasão
da conta da sra. Janja da Silva numa rede social tenha se tornado objeto de
investigação da PF, e não da Polícia Civil. Ainda mais surreal é o envolvimento
de um ministro do STF no caso.
Em abril de 2016, vale recordar, um hacker
invadiu o celular de Marcela Temer, à época mulher do então vice-presidente
Michel Temer, e exigiu dinheiro para não revelar o conteúdo do aparelho. A
investigação do crime foi conduzida pela Polícia Civil de São Paulo, e o
achacador acabou condenado a 5 anos e 10 meses de prisão em regime fechado após
processo que correu na Justiça paulista.
O que mudou nesses sete anos? Do ponto de
vista legal, essencialmente nada. Mas, sabe-se lá por quais razões, mudou a
compreensão, bem mais dilatada, do modo de se combater ofensas, mormente no
ambiente digital, a partir do perfil das vítimas, sobretudo quando são
autoridades ou pessoas a elas relacionadas.
A materialização dessa distorção é o notório inquérito das chamadas milícias digitais, que foi instaurado com um propósito legítimo, mas logo se converteu numa barafunda interminável que tem permitido ao STF se imiscuir em investigações que nem remotamente tinham de estar a cargo da mais alta instância do Poder Judiciário no País. O caso Janja é só mais um a apequenar a Corte, desprestigiando o sistema de Justiça como um todo.
As jovens e o câncer de mama
Correio Braziliense
No Brasil, o Ministério da Saúde estima que,
neste ano, sejam registrados 73 mil novos casos de câncer de mama. Nos Estados
Unidos, apenas 5% das pacientes têm menos de 40 anos; no Brasil, são 15%.
Os casos de câncer de mama no Brasil — além
de serem desafiadores — estão, ultimamente, mudando de perfil. Entre os
diferentes tipos da doença, continua concentrando o maior número de casos em
mulheres, mas a notícia é ainda pior: as vítimas estão cada vez mais jovens com
o passar dos anos.
É assim no mundo. Estudo científico,
publicado no BMJ Oncology Journal, que analisou todos os cânceres em pacientes
abaixo de 50 anos demonstra que, entre 1990 e 2019, houve um salto de 79,1%, o
que corresponde a um crescimento de 1,82 milhão de casos para 3,26 milhões.
No Brasil, o Ministério da Saúde estima que,
neste ano, sejam registrados 73 mil novos casos de câncer de mama. Nos Estados
Unidos, apenas 5% das pacientes têm menos de 40 anos; no Brasil, são 15%. No
Instituto do Câncer de São Paulo, os diagnósticos de jovens tendem a ser feitos
mais frequentemente, e muitos deles em estágios considerados avançados. De 500
pacientes abaixo dos 50 anos atendidas pela instituição, 68% estavam com
tumores agressivos (invasivos) e grandes.
Alguns especialistas atribuem a essa mudança
no perfil das pacientes com câncer o fato de que as mulheres, no caso meninas,
estão chegando à menarca cada vez mais cedo. Geralmente, a primeira menstruação
varia entre 10 e 14 anos, mas esse parâmetro tem atingido até mesmo crianças de
8 e 9 anos.
Esse fenômeno deixa essas meninas mais
suscetíveis a hormônios femininos, como o estrogênio, que, embora tenha um
papel fundamental na vida reprodutiva da mulher, também pode ser prejudicial,
aumentando os riscos de incidência de câncer.
Como meninas e jovens de 20, 30 anos não
fazem exames mais aprofundados da mama — por exemplo, mamografia e ultrassom —,
prescrição que deve ocorrer apenas depois dos 40 anos, quando a mulher percebe
(se é que percebe) que algo vai errado, o estágio da doença está avançado.
Para que células doentes surjam em mulheres
jovens são dois os principais fatores. O primeiro seria uma espécie de “combo”
— estilo de vida pouco saudável, falta de atividade física, má alimentação e
tabagismo. O segundo tem ligação com a predisposição ao câncer em decorrência
de uma mutação genética desde o nascimento.
O trabalho das entidades médicas é incansável
no sentido de divulgar informações sobre a importância dos principais exames de
imagem para a detecção precoce da doença, mas o que se vê, especialmente na
rede pública de saúde, são cidades populosas com um equipamento adequado para a
realização dos exames, mas, muitas vezes, ele está quebrado. Resultado: filas
que chegam a demorar anos para que a mulher consiga fazer seu checape
gratuitamente.
Um tempo de espera que pode mudar o
diagnóstico de pacientes diante de uma doença que, quando mais cedo detectada,
maior a chance de sucesso no tratamento. A Sociedade Brasileira de Mastologia
(SBM), inclusive, preconiza que a mulher, a partir dos 40 anos, faça a
mamografia pelo menos uma vez por ano, assim como as consultas de rotina — que
incluem o exame papanicolau, para identificar alterações nas células do colo do
útero.
No caso das mulheres jovens ou com idade
inferior a 40 anos, o que resta é o autocuidado, ou seja, o autoexame (embora
ainda seja bastante criticado por parte dos médicos), a observação de algum
sinal destoante e a percepção do histórico da saúde familiar. Nesses casos, a
atenção é primordial. Para os órgãos públicos e as redes de educação, a tarefa
de realizar campanhas de conscientização pode ajudar a evitar desfechos ruins.
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