Baixa adesão limita efeito de câmeras nas fardas
O Globo
Só 6,6% dos PMs usam equipamento capaz de
reduzir letalidade da polícia e inocentá-la de acusações falsas
As câmeras acopladas às fardas têm sido uma
ferramenta importante para dar maior transparência e segurança às operações
policiais, contribuindo para reduzir problemas crônicos das forças de segurança
no Brasil. Lamentavelmente, apesar dos bons resultados atestados por diversos
estudos, os programas têm avançado a passos lentos, devido à resistência não só
das corporações, mas também dos governos.
Levantamento do GLOBO junto a secretarias de Segurança mostrou que só 6,6% dos PMs brasileiros usam o equipamento. Em oito estados onde programas do tipo foram implantados — entre eles São Paulo e Rio —, as câmeras somam pouco mais de 23.300, num universo de 385 mil PMs. Fora isso, usar o equipamento não significa que ele esteja funcionando. Por vezes, quando imagens são requisitadas, descobre-se que não foram gravadas.
Policiais demonstram desconfiança em relação
às câmeras. Alegam que as imagens dão informação aos bandidos sobre as
estratégias da polícia, violam a privacidade dos agentes e põem sua vida em
risco. Questionam ainda a segurança em torno do sigilo das imagens geradas
pelos equipamentos.
No Rio, o governador Cláudio Castro (PL)
resistiu quanto pôde às câmeras, mas acabou cedendo diante de determinação do
Supremo Tribunal Federal (STF). Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas
(Republicanos) prometera em campanha extingui-las, mas depois de eleito voltou
atrás. Recentemente o Tribunal de Justiça paulista decidiu que PMs não são
obrigados a usá-las nas ações em resposta a ataques a integrantes da
corporação. A decisão acontece depois que a Operação Escudo, contra traficantes
no Guarujá, deixou 28 mortos em condições até hoje não esclarecidas. É um
equívoco. Mesmo as ações em resposta à morte de agentes precisam ser feitas com
transparência e dentro da lei.
O boicote não ocorre só no Brasil. Reportagem
da New York Times Magazine mostrou que o programa implantado nos Estados Unidos
há quase uma década, prometendo mais transparência policial, não cumpriu a
promessa. As investigações de crimes continuam comprometidas pela resistência
das corporações. Contrariando o anunciado, a polícia não divulga as imagens
gravadas, demora a divulgá-las ou, mesmo quando as libera, só mostra o que
interessa, omitindo informações que comprometeriam os agentes. Quando se constata
abuso nas ações, raramente os policiais são punidos.
No Brasil, a letalidade policial é
preocupante — 6.429 civis morreram em 2022 atingidos pela polícia, quase 18 por
dia. Em São Paulo, o uso das câmeras contribuiu para reduzi-la 76,2% entre 2019
e 2022 — em quartéis onde não eram usadas, a queda foi de 33,3%. Além disso, as
câmeras também podem ser usadas para inocentar os policiais falsamente acusados
de excessos.
É razoável que, nas situações em que
representam riscos à segurança dos agentes, sejam evitadas. Mas são casos
pontuais. A preocupação com o sigilo também não faz sentido, porque as imagens
são geradas e armazenadas pela própria polícia. O acesso não é público nem
automático. Elas só são liberadas mediante requisição, e a polícia analisará
cada caso. Custos também não podem ser pretexto para vetá-las, pois operações
malsucedidas saem mais caro. Se os policiais agem dentro da lei, não há por que
se preocupar. As câmeras só mostrarão a verdade.
Aceitação pela União Europeia traz rara boa
notícia para a Ucrânia
O Globo
Bloco dá início a processo de adesão, em meio
a dificuldades dos ucranianos para obter apoio militar
Líderes dos 27 países da União
Europeia (UE) aprovaram na semana passada o início do processo
de adesão ao bloco de Ucrânia e
Moldávia. A decisão foi surpreendente. A Ucrânia só foi aceita como candidata
há um ano e meio. O autocrata húngaro Viktor Orbán, maior aliado do russo
Vladimir Putin na Europa, ameaçava bloquear a aprovação. Nos bastidores antes
da cúpula em Bruxelas, falava-se da necessidade de retomar a negociação em
2024. Apesar de tudo isso, o Conselho Europeu, formado pelos chefes de Estado,
deu ao presidente Volodymyr
Zelensky motivos para celebração, algo raro nos últimos tempos.
A Ucrânia anda carente de boas notícias. A
contraofensiva iniciada no verão europeu não atingiu o objetivo de desalojar as
tropas invasoras russas de seu território, e o Congresso americano se mostra
reticente em aprovar mais ajuda militar aos ucranianos. Para complicar, os
conflitos internos entre Zelensky e seus principais generais tornaram-se mais
evidentes com o progresso tímido nos campos de batalha.
Embora o início da adesão à UE não vá
resolver o problema premente de obter munição para o esforço de guerra, coloca
os ucranianos oficialmente sob a área de influência do bloco. Antes da invasão
russa, poucos acreditavam que a Ucrânia seria aceita tão rápido. Ao tomar tal
decisão, a UE tenta dar uma resposta à altura da ameaça russa. Um dos
principais motivos da invasão foi justamente o receio de Putin de que a Ucrânia
caísse na órbita do Ocidente.
O significado político é inegável, mas o
caminho até a adesão é lento e sinuoso. Não que os ucranianos se neguem a
promover as reformas exigidas para se adequar ao bloco. É que a entrada de um
país das dimensões da Ucrânia incomoda muitos interesses. A UE tem 157 milhões
de hectares de terras aráveis. Com 41 milhões de hectares, a Ucrânia receberá
grande parte dos fundos de apoio à agricultura. É incerto se países como França
ou Alemanha aceitarão pagar a conta. A reconstrução da Ucrânia depois do conflito,
o maior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, será outro desafio.
Zelensky teve uma amostra da dificuldade um
dia depois da decisão pela adesão. Graças ao veto de Orbán, a UE não aprovou um
pacote de € 50 bilhões em auxílio. A primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas,
veio a público garantir que haverá uma saída para enviar o dinheiro, ainda que
num cronograma distinto. Nos Estados Unidos, a aprovação no Congresso de um
pacote de US$ 110 bilhões para Ucrânia, Israel e outros aliados segue incerta.
A recente visita de Zelensky a Washington fez pouco para mudar o impasse. O
Senado, controlado pelos democratas, promete seguir trabalhando para chegar a
um acordo, mas a oposição dos republicanos tem sido implacável. Zelensky
precisa desesperadamente ganhar mais essa batalha.
OCDE mostra os pontos frágeis da economia
brasileira
Valor Econômico
A renda média real familiar está hoje no
mesmo nível de 2012, uma década perdida em “progresso social”
O Brasil tem taxas de crescimento menor que a
média dos emergentes e uma dívida pública bem superior à deles. O relatório
“Economic Survey de 2023” da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), que reúne 38 economias desenvolvidas e emergentes, ilustra
esses contrastes, além de servir como advertência a correntes, dentro e fora do
governo, que costumam condicionar expansão econômica a aumento das despesas
públicas. O relatório coloca boa parte de sua atenção na política fiscal, hoje
expansionista, na política monetária e no novo regime fiscal.
As previsões de curto prazo da instituição e
suas recomendações para melhorar a performance econômica e social do Brasil não
são novidades e coincidem em muitos pontos com as recomendações de economistas
e consultores domésticos. O documento ganha relevo em um momento em que cresce
a pressão por mais gastos e pelo afrouxamento de regras de um sistema fiscal
que sequer foi ainda testado. Sobre este último ponto, as projeções da OCDE
indicam que o governo não conseguirá zerar o déficit até 2025, com resultado
negativo de 0,5% do PIB no próximo ano e no seguinte. De imediato, registra o
documento, é importante “frear pressões de demanda que emanam da política
fiscal no curto prazo”, e aumentar sua credibilidade no longo prazo auxiliaria
a política monetária a cumprir sua função, permitindo “que as taxas de juros
caíssem mais”.
A questão das finanças públicas define o
balanço de riscos do país, que os economistas da OCDE veem como equilibrado.
Sucesso do novo regime fiscal e da reforma tributária elevará o crescimento do
PIB em 0,5 ponto percentual, derrubarão os juros e, com isso, estimularão
consumo e investimentos, com impulso a ganhos de produtividade - cuja evolução
tem sido também inferior à dos países emergentes. Os riscos negativos
pressupõem o contrário: o regime fiscal não ganha credibilidade, o país cresce
menos, com declínio do consumo e investimentos, a inflação cai mais devagar e
os juros ficam altos por mais tempo. Além disso, um crescimento menor da China,
principal parceira comercial, pode diminuir as exportações líquidas, que deram
relevante empurrão no PIB de 2023.
O aumento de produtividade, segundo a
instituição, é crucial para compensar a perda do bônus demográfico, a menor
oferta de mão de obra jovem em relação à que sai do mercado de trabalho por
idade. Um dos fatores dos quais ela depende é o investimento público, e esse
vai mal - já era baixo e está caindo. Não é segredo que ele é a variável de
controle da execução fiscal e alvo principal de cortes ao longo de anos. Na
última década, os emergentes fizeram investimentos públicos em infraestrutura
de 5% a 7% do PIB em média, e o Brasil, 2%. No investimento agregado, com taxa
abaixo de 20%, o país investe menos que a média dos países da OCDE, de 23%.
Turquia e Índia investem pouco mais de 25% do PIB e a China, mais de 40%.
Investimento na infraestrutura brasileira tem
aspectos desoladores. No ranking de competitividade nessa área o país fica na
penúltima posição, só à frente da Colômbia e atrás de Argentina, México, Chile,
Uruguai e Equador. Em eficiência dos portos, dos serviços de trens e qualidade
das estradas, oscila na última e penúltima posição. Assim, a instituição
calcula que o custo de logística no país é alto, de 15% do PIB. Gargalos
logísticos consomem 7% dos gastos com exportações.
A consequência é que a infraestrutura
brasileira decaiu à medida que o investimento definhou a 0,4% do PIB. Para os
técnicos da OCDE, para recuperar o atraso da última década, o investimento
teria de crescer 3,7% ao ano até 2030. A carência de recursos não levou a um
uso mais eficiente do dinheiro: 30% dos projetos públicos de infraestrutura
anuais são interrompidos temporariamente ou para sempre.
A produtividade daria um salto com a abertura
da economia. Fechado ao mundo, o Brasil aplica tarifas a importações oito vezes
superiores ao México, por exemplo, e elas são maiores justamente para bens de
capital e intermediários - especialmente os primeiros, vitais para modernizar e
melhorar a produtividade industrial. Em barreiras não tarifárias, a OCDE
classifica o Brasil como muito protecionista, ao lado da Argentina. Na média
para todos os produtos, o Brasil é campeão em tarifas comparados a 13 países emergentes
e EUA. Sua participação nas cadeias globais de produção é baixa, menor do que a
de emergentes do mesmo porte, o que deveria impulsioná-lo a fechar mais acordos
comerciais. O estudo mostra que a proteção tarifária prejudica a agregação de
valor na produção e exportação.
Com baixa produtividade e crescimento, a
situação social pode piorar. O Brasil, segundo o estudo, é um dos países de
maior desigualdade de renda do mundo. A renda média real familiar está hoje no
mesmo nível de 2012, uma década perdida em “progresso social”. “A menos que
ganhos na produtividade do trabalho possam compensar a diminuição da expansão
da força do trabalho, o crescimento cairá marcadamente no médio e longo
prazos”. Ou seja, sem mudanças de rota nas políticas, a baixa performance
econômica dos últimos dez anos poderá até deixar saudades.
Igual a Bolsonaro
Folha de S. Paulo
Ao contrário do que fez no passado, Lula
ignora lista e quer lealdade de Gonet
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aprendeu com
Jair Bolsonaro (PL) e escolheu um procurador-geral da República de quem espera
lealdade, em vez de independência.
Paulo Gonet, que assumiu o cargo depois de
aprovado pelo Senado, não foi escolhido a partir da lista tríplice da
instituição que comandará, ao contrário dos indicados por Lula em seus
primeiros governos. É nesse contexto que devem ser observados os discursos do
presidente e do novo procurador.
Os dois ressaltaram, com razão, a necessária
independência do Ministério Público, um órgão que, por força da Constituição,
não se submete a nenhuma autoridade política e desfruta de garantias
suficientes para se manter a salvo de qualquer outro tipo de pressão.
Lula também manifestou preocupação com a
ética de procuradores que conduzem processos penais e fazem denúncias, ao passo
que Gonet defendeu atitudes técnicas, indiferentes a palcos ou holofotes.
Mal se escondiam, por trás das obviedades, os
recados que o presidente passava ao novo procurador-geral —e os que Gonet, por
sua vez, transmitia a todos os membros do Ministério Público Federal e demais
órgãos agora sob sua direção.
Lula parece mais motivado pela mágoa pessoal
e pelo espírito de autoproteção do que por evocar a amplitude do papel
constitucional do MPF. Cabe à instituição mais do que a titularidade das ações
penais contra políticos, embora não se possa minimizar a importância dessa
função.
Sua missão inclui vigiar o poder e sustentar
o regime democrático, além de fiscalizar o cumprimento das leis e zelar pelos
interesses da população como um todo. Daí que o combate à corrupção seja apenas
uma de suas atuações temáticas, ao lado da defesa do consumidor, das populações
indígenas e do meio ambiente, entre outras.
Ainda estão frescos na memória os tempos em
que todas essas atribuições foram deixadas de lado por Augusto Aras, que
assistiu impassível ao descalabro negacionista e às ameaças golpistas que
partiam do Planalto sob Bolsonaro.
Não muito antes, um grupo de procuradores
desbaratou esquemas milionários de desvio de dinheiro público em gestões
petistas, mas, movido por um ativismo messiânico incompatível com a República,
sacrificou conquistas essenciais ao Estado de Direito.
Mesmo que Lula espere dele fidelidade, Gonet
tem a oportunidade de devolver à PGR o equilíbrio que se perdeu nos últimos
anos. Entre a omissão e os exageros, entre a subordinação ao presidente e a
ojeriza persecutória, abre-se uma larga faixa em que os procuradores podem
exercer seu papel com independência, em benefício não de um partido, mas da
sociedade.
Amenizar a dor
Folha de S. Paulo
Política de cuidado paliativo deve ampliar
acesso e dirimir disparidade regional
Com o acelerado
envelhecimento da população mundial, governos devem estar mais
atentos à assistência médica na fase final da vida.
Sistemas de saúde podem, sim, aliviar a dor
até a chegada desse momento, com os cuidados paliativos —o conjunto de serviços
prestados por equipe multidisciplinar (medicina, enfermagem, psicologia,
fisioterapia, nutrição, terapia ocupacional etc.) que visam tratar sintomas e
melhorar a qualidade de vida de pacientes e familiares.
Mas a Organização Mundial da Saúde estima que
só 1 em cada 10 pessoas que precisam desses cuidados no mundo tenha acesso a
eles.
No Brasil, a atenção das políticas públicas
ao tema é incipiente. Desde 2002 existe o Programa Nacional de Assistência à
Dor e Cuidados Paliativos e, desde lá, foram criadas portarias com foco em
oncologia.
Só em 2018 uma resolução dispôs diretrizes
para a organização dos cuidados paliativos no SUS. Mais importante: estabeleceu
que qualquer pessoa afetada por doença aguda ou crônica potencialmente
terminal, não só câncer, é elegível para o acesso ao serviço.
Entretanto a resolução deixava em aberto
questões como formas de financiamento. Nesse contexto, é bem-vinda a aprovação,
pelo Ministério da Saúde, da Política Nacional de Cuidados Paliativos, que visa
garantir essa assistência desde o diagnóstico do paciente —fase inicial
preconizada por pesquisas científicas e pela OMS.
O programa
prevê um aporte que pode chegar a R$ 851 milhões, a criação de até
1.321 equipes multidisciplinares e a inclusão da disciplina em cursos da área
da saúde.
Recursos e pessoal devem ser alocados para
diminuir desigualdades regionais. Pesquisa da Academia Nacional de Cuidados
Paliativos mostra que há 234 serviços públicos e privados nessa área para mais
de 5.000 municípios, e a maioria está localizada no Sudeste.
Especialistas também apontam a necessidade de
campanha educativa massiva para médicos, que tendem a indicar as medidas apenas
à beira da morte, e pacientes, que temem que essa assistência elimine o
tratamento da doença.
Segundo pesquisa da Universidade de Duke (EUA) de 2022, o Brasil é um mau lugar para morrer. Entre 81 nações, ficamos na 79ª posição, atrás de países mais pobres, como Uganda e Etiópia. Espera-se que o incremento da política de cuidados paliativos torne o fim da vida de muitos brasileiros mais humanizado e menos dolorido.
PGR não existe para agradar ao governo
O Estado de S. Paulo
Novo procurador-geral tem um enorme desafio
pela frente. Incompatível com a lua de mel que o PT deseja, o exercício
responsável do cargo demanda a coragem de ser fiel à lei
Boa parte das disfuncionalidades
institucionais que o País vivenciou na última década foi decorrência da atuação
desequilibrada e idiossincrática da Procuradoria-Geral da República (PGR). O
Ministério Público, instituição a quem a Constituição de 1988 incumbiu a defesa
da ordem jurídica e do regime democrático, foi fonte de atropelos ativistas,
bem como de graves omissões. Os quatro anos da gestão de Augusto Aras à frente
da PGR trouxeram graves riscos à estabilidade democrática, exigindo
malabarismos excepcionais do Supremo Tribunal Federal (STF) na defesa do Estado
Democrático de Direito.
Não há, portanto, nenhum exagero no
reconhecimento de que o novo procurador-geral da República, Paulo Gonet, tem
diante de si um gigantesco desafio na condução da PGR. Em seu discurso de
posse, Gonet deu sinais de compreender a gravidade do momento atual. “O
Ministério Público vive um momento crucial na cronologia da nossa República
democrática. O instante é de reviver na instituição os altos valores
constitucionais que inspiraram a sua concepção única, na história e no direito
comparado”, disse.
É preciso aprumar a instituição em
conformidade com os valores e critérios constitucionais. “Sabemos que não nos
foi dado formular políticas públicas nem deliberar sob a conformação social e
política das relações entre cidadãos”, afirmou Paulo Gonet, em uma frase que
deveria ser relembrada todos os dias pelos membros do Ministério Público. Não
lhes cabe fazer política nem – como pretenderam alguns integrantes da Operação
Lava Jato – fazer um suposto saneamento da política. “Essas decisões essenciais
estão reservadas ao povo, que se expressa pelos representantes eleitos para
isso”, disse Gonet.
O Ministério Público – e, em concreto, a PGR
– tem muito trabalho pela frente, mas sua tarefa está na seara jurídica. A esse
respeito, o novo procurador-geral da República recordou o “dever indeclinável
de combater a corrupção, as organizações criminosas, os atos que perturbam a
indispensável segurança na vida das relações”.
Há aqui um enorme desafio, por diversos
fatores. Com a conivência de Augusto Aras, o governo passado difundiu o
discurso de que a corrupção simplesmente tinha acabado e que, portanto, não era
mais necessário investigar nada. Como se sabe, trata-se de perigosa falácia.
Não existe governo imaculado nem administração pública isenta de erros. A
narrativa bolsonarista favorece a opacidade dos atos públicos e contribui para
a ocorrência de toda sorte de malfeitos.
Ao mesmo tempo, o PT tem usado o discurso
contra a Operação Lava Jato para pregar, na prática, uma espécie de imunidade
em benefício do partido. Toda e qualquer investigação seria sinônimo de
perseguição política. Na posse de Paulo Gonet na PGR, Lula da Silva criticou as
acusações levianas, dizendo, com razão, que elas “não fortalecem a democracia,
não fortalecem as instituições”. O problema é que, como o País está farto de
saber, o PT considera leviana toda acusação contra sua turma.
Seja qual for o discurso, há uma hostilidade
contra a independência do Ministério Público. Não cabe puerilidade. A condução
responsável e autônoma da PGR é incompatível com a lua de mel que o PT almeja
ter com o órgão. Se Paulo Gonet deseja cumprir, de forma técnica e
independente, suas atribuições constitucionais, ele certamente vai contrariar
Lula da Silva e sua legenda, cujo histórico é de empedernido negacionismo em
relação a toda e qualquer corrupção e mau uso de recursos públicos.
Eis o desafio do novo procurador-geral da
República: ser fiel à Constituição e à lei, não às conveniências políticas.
Depois da intemperança de Rodrigo Janot e da leniência de Augusto Aras, é
preciso reorientar a PGR. “No nosso agir técnico, não buscamos palco nem
holofotes, mas com destemor havemos de ser fiéis e completos ao que nos delega
o Constituinte e nos outorga o legislador democrático”, disse Paulo Gonet. Sim,
o cargo de procurador-geral da República, além de conhecimento jurídico, exige
coragem.
O apetite do PT e a dieta do Centrão
O Estado de S. Paulo
PT atacou o que chama de ‘forças
conservadoras fisiológicas’ do Centrão e a pressão pelas emendas parlamentares,
mas no fundo o que deseja mesmo é não dividir poder com a coalizão
Custará caro ao governo a soma de
constrangimentos políticos produzidos pela resolução do PT aprovada em recente
encontro do diretório nacional do partido. Não satisfeita em despejar sua
artilharia contra o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pregar a gastança
com fins eleitorais, a cúpula petista, encabeçada pela presidente da sigla,
Gleisi Hoffmann, manteve em seu documento oficial uma dura queixa dirigida ao
Centrão. Apesar dos clamores de algumas lideranças do PT no Congresso –
temerosas, com razão, das fissuras abertas com o poderoso bloco liderado pelo
presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL) –, o texto pôs o dedo em riste para o
que chamou de “forças conservadoras e fisiológicas do chamado Centrão”.
Na expectativa de mudanças na equipe
ministerial nos próximos meses, boa parte do cacicado petista pressiona o
presidente Lula da Silva a frear o apetite do Centrão por mais postos na
Esplanada dos Ministérios. Dispensável dizer que tais movimentos não seriam
sustentados por Gleisi Hoffmann sem a anuência e a preferência do chefe – a
começar porque a iniciativa partiu da ala da qual Lula faz parte e lidera, a
Construindo um Novo Brasil (CNB). É também escolha conveniente: usar o partido
para dizer aquilo que o presidente e seus articuladores políticos não podem
dizer à luz do dia. Para Gleisi, um documento petista teria baixo efeito sobre
os humores do Congresso. Engana-se. O estrago pode ser grande.
À primeira vista, o argumento é considerável:
o governo não pode ficar refém, cedendo cargos e aumentando as emendas
parlamentares do Centrão, em troca de um apoio habitualmente instável. No
entanto, conhecendo a cosmogonia petista, apetite se combate com apetite. Para
o PT, nunca foi suficiente ocupar todos os Ministérios lotados no Palácio do
Planalto (Casa Civil, Secretaria-Geral da Presidência, Secretaria de Relações
Institucionais e Secretaria da Comunicação, além da Advocacia-Geral da União).
Ou as pastas da Fazenda, Educação, Desenvolvimento Social, Trabalho e
Desenvolvimento Agrário, quase todas meninas dos olhos da agenda do partido. O
PT quer mais, seguindo sua gula habitual: aos amigos, tudo; ao restante da
coalizão, as sobras.
Convém reconhecer que o orçamento secreto,
deformação das chamadas emendas de relator (que tinham objetivo meramente
contábil), criou uma demanda dos parlamentares por liberações mais
discricionárias e mais ágeis dos recursos. O orçamento secreto acabou, mas
muitas de suas engrenagens se mantiveram. E a busca por recursos e cargos ficou
mais exigente, amplificada pelo fato de que partidos médios e pequenos se
uniram em grandes blocos, de modo a melhorar o acesso a recursos de poder. Com
isso é muito menor a margem de manobra presidencial no manejo da coalizão do
governo.
O problema, e isso os petistas têm
dificuldade de entender, é que a coalizão já enfrenta problemas que vão além do
Orçamento. Em circunstâncias normais, Lula precisaria de MDB, União Brasil e
PSD como fiadores da sua coalizão para levar o governo para o centro – e não
para o Centrão. Mas nem o presidente acredita nessa ideia. Ao chegar ao Palácio
do Planalto, Lula tinha dois caminhos a seguir: ser um governo petista ou da
frente democrática. Disse que seria da frente democrática, mas no fundo governa
como petista. E assim partido algum, sozinho ou junto com os demais, é capaz de
dar todos os votos de que o governo precisa – nem mesmo quando estão em
relativa paz interna. O Centrão sabe disso.
Com fama de exibir atributos especiais como
articulador político, o presidente terá de fazer escolhas. Diante de um
Congresso indócil, e na ausência de grandes bancadas partidárias que garantam
sustentação parlamentar, a cautela poderá ser a senhora do destino deste
mandato. Por necessidade e pragmatismo, Lula precisa do Centrão. E goste-se ou
não, na prática, o Centrão é formado por partidos que tanto asseguram a
governabilidade e o funcionamento ao Congresso quanto impõem freios à
radicalização do governo, à esquerda e à direita. Foi o que impediu, por
exemplo, que o governo bolsonarista fosse 100% bolsonarista. E é o que impedirá
que o governo petista seja 100% petista.
Devagar com o andor
O Estado de S. Paulo
BC acerta ao pedir serenidade, frustrando
apostas numa aceleração da queda dos juros
Para quem ainda especulava sobre uma
aceleração do ciclo de redução dos juros iniciado em agosto pelo Banco Central
(BC), a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) deve ter sido um tanto
frustrante. O documento detalhando a decisão unânime de baixar a taxa básica de
juros (Selic) em 0,5 ponto porcentual – pela quarta vez consecutiva – deixou
muito claro que os novos cortes continuarão nessa toada gradual.
Ou seja, ao menos para janeiro e março, os
cortes previstos terão a mesma intensidade, o que deve reduzir a Selic dos
atuais 11,75% ao ano para 10,75% no primeiro trimestre. Não havendo alterações
extraordinárias nos cenários traçados pelo BC, somente ao final do primeiro
semestre a taxa de juros deverá retornar ao patamar de um dígito, com 9,75%.
Esse é o ritmo lento que a direção do BC estabeleceu – também de forma unânime
– como necessário para garantir com firmeza o cumprimento das metas inflacionárias.
Não à toa, as palavras “cautela”, “serenidade” e “moderação” se repetem ao
longo da ata.
Desde que foi iniciado o afrouxamento da
política monetária, há quatro meses, parte do mercado financeiro tem apostado
sucessivamente em cortes maiores, de 0,75 ponto porcentual, a cada sinal
positivo para a economia no cenário externo ou no doméstico, seja o trâmite
favorável a reformas estruturais no Congresso, seja o sinal de arrefecimento da
política monetária conduzida pelos bancos centrais dos Estados Unidos, do Reino
Unido e da União Europeia. A cada sopro de retomada econômica, novas fichas são
depositadas em apostas mais ousadas.
Mas a autoridade monetária confirma, a cada
decisão, que é sério seu compromisso com o comedimento. E faz sentido, diante
de um cenário doméstico muito incerto, no qual a equipe econômica tem de se
equilibrar entre a necessidade de uma política austera e o flerte sistemático
do governo com medidas que vão na contramão da responsabilidade fiscal. No
exterior, as incertezas permanecem grandes, e ainda acentuadas por conflitos
geopolíticos como as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio.
Embora descreva o ambiente externo como
“menos adverso”, o Copom ainda considera o cenário volátil. Também reconhece um
importante progresso desinflacionário no Brasil, mas adverte que “ainda há um
caminho longo a percorrer para a ancoragem das expectativas” e para o retorno
da inflação à meta. A lentidão da queda de juros segue o mesmo ritmo desse
processo e indica que o BC não abandonará sua política monetária
contracionista. É uma questão de bom senso.
Quando relaciona a resiliência do consumo das famílias à queda do investimento, situações que vêm sendo constatadas no monitoramento do Produto Interno Bruto (PIB), os diretores do BC antecipam o risco de inflação de demanda no médio prazo. Ao ponderar que os ganhos reais de rendimento constatados recentemente podem ser temporários, explicita a fragilidade do mercado de trabalho. São fatores que sustentam a tese de desancoragem das expectativas de inflação. E como recomenda a sabedoria popular, cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
Transformação digital nas empresas
Correio Braziliense
Dados da Confederação Nacional da Indústria
(CNI) mostram que sete em cada 10 empresas brasileiras utilizam ferramentas
digitais em seu processo produtivo. Sondagem da Microsoft — Transformação
Digital para MPMEs —, aponta que 72% das micro, pequenas e médias empresas
afirmam que pretendem investir em tecnologia
Dados da Confederação Nacional da Indústria
(CNI) mostram que sete em cada 10 empresas brasileiras utilizam ferramentas
digitais em seu processo produtivo. Outra pesquisa, desta vez da Microsoft —
Transformação Digital para MPMEs —, aponta que 72% das micro, pequenas e médias
empresas afirmam que pretendem investir em tecnologia nos próximos meses, mas,
em contrapartida, apenas 28% contam com isso como prática recorrente.
Embora o processo de digitalização das
empresas brasileiras tenha iniciado, ainda não se consolidou como uma
estratégia natural de transformação e engatinha em determinados segmentos. Não
há dúvidas de que aquele empresário — seja ele proprietário de uma empresa de
grande, médio ou pequeno porte — que investiu, analisou dados, detectou
problemas, apresentou soluções e criou formas de trabalhar sua marca — enfim,
debruçou-se sobre a mudança digital — agora, está bebendo água limpa frente a
quem simplesmente deixou o mercado ditar as regras, pensando em seguir a
correnteza pela margem do rio.
Questões como não saber por onde começar,
dificuldade em definir prioridades, lidar com os antigos processos diante das
novidades tecnológicas ou ainda se negar a aceitar que o mundo está em
transformação fazem com que o empresariado crie uma espécie de inércia, de um
bloqueio mental diante das transformações. Outro obstáculo que se apresenta é a
dificuldade de entendimento sobre como mensurar os resultados dos processos
digitais, uma vez que as transformações demandam adaptações por parte das
empresas, como a modernização de processos, estratégias e soluções.
Soluções essas que podem ser encontradas
diante de um dos fenômenos mais debatidos no momento: a inteligência
artificial. Para o bem ou para o mal, vide os recentes acontecimentos
envolvendo personalidades da mídia como o médico Dráuzio Varella e os apresentadores
Luciano Huck e Ana Maria Braga (que aparecem em propagandas forjadas pela IA
vendendo produtos), sem dúvida é o grande advento das últimas décadas.
No caso das empresas, a inteligência
artificial permite que computadores aprendam e "tomem decisões" com
base em dados, favorecendo que as organizações decidam rapidamente sobre as
oportunidades de maior prioridade, melhorando a eficiência e automatizando
processos ao longo do caminho.
É claro que — como o próprio nome diz:
"artificial" — a IA não substitui e nunca substituirá a essência
humana, mas ela consegue, de fato, atender às demandas e expectativas desse
novo consumidor, ávido por tecnologia. Segundo relatório da Insider
Intelligence, até 2026, portanto, daqui a pouco mais de dois anos, 99,6% da
geração Z serão usuários regulares da internet.
Ou seja, para que as empresas consigam sanar os anseios desse contingente de potenciais clientes é preciso falar a mesma língua, o "computês", o "internetês" e por aí vai. Fechar os olhos para as inovações nos mais variados campos não é a forma certa de se portar. Mesmo porque, qual é a empresa que vai querer ficar de fora?
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