quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Lu Aiko Otta - Reformas, a parte da agenda que deu certo

Valor Econômico

Desafio é manter a simplificação tributária na regulamentação da reforma

O bar Beirute, tradicional reduto da boemia na capital federal, foi o local escolhido pelos negociadores do governo, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para comemorar a aprovação da reforma tributária na noite da última sexta-feira. A emenda constitucional será promulgada hoje, no ponto alto de um ano em que reformas econômicas avançaram.

Além da tributária, passaram pelo Congresso Nacional mudanças que vão impulsionar o mercado de crédito. Nestes últimos dias de atividade parlamentar, podem ser apreciados marcos legais que darão base aos investimentos sustentáveis.

É um conjunto que, bem implementado, pode dar outra condição à economia brasileira. Foi a parte do programa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que andou bem - em contraste com a política fiscal, que persiste como uma grande área de incerteza.

“Nenhum governo progressista pode deixar de ser reformador”, disse à coluna o secretário de Reformas Econômicas, Marcos Pinto. Ele comentava os avanços alcançados no ano, apesar de reformas econômicas não terem sido exatamente uma bandeira eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O status quo no Brasil é muito ruim: a nossa economia é ineficiente, a distribuição de renda é injusta.”

Reformas são necessárias para mudar o país, afirmou. “Acho que o presidente sabe disso melhor do que ninguém.”

Reformar também é claramente uma linha da atuação de Haddad. Ele criou no Ministério da Fazenda duas secretarias que levam o termo “reformas” no nome: a de Reformas Econômicas e a Extraordinária da Reforma Tributária, liderada pelo economista Bernard Appy.

As mudanças aprovadas neste ano resultam da convergência entre a pauta econômica do governo e a do Congresso. A reforma tributária era articulada pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), desde o governo passado. A isso, somou-se este ano a atuação decisiva de Lula, Haddad e Appy.

Da mesma forma, a principal reforma aprovada na área de crédito, o marco de garantias, foi encaminhada ao Legislativo pela equipe do ex-ministro da Economia Paulo Guedes. No atual governo, sob a articulação discreta de Pinto, o texto passou por adequações.

A convergência não significou uma tramitação tranquila para todas as matérias. Nos bastidores, avalia-se que a aprovação da reforma tributária foi um resultado bastante bom, considerando o quadro de aguda polarização visto nas eleições de 2022 e o tamanho do desafio político que foi construir apoio para eliminar bilhões em incentivos fiscais e transformar a Federação, ao mudar o fluxo de receitas entre Estados e municípios.

Um reflexo do bolsonarismo pode ser visto na derrubada do dispositivo que incluía armas e munições compradas por particulares na base de incidência do novo Imposto Seletivo. O governo avalia se será possível contornar o problema na legislação complementar.

O conjunto de reformas vai impactar a economia. “As medidas que estendem as garantias dadas em concessões de crédito são positivas na medida em que, de per si, reduzem os efeitos de eventual inadimplência”, afirmou o economista-chefe do Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. “São, assim, favoráveis à expansão do crédito e a taxas de juros menores, posto que o risco está contido nos spreads bancários.”

Ele lembra que, por outro lado, as garantias executadas retornam ao cálculo dos spreads. “Ou seja, o importante é a estabilidade da renda e das condições de crédito”, avaliou.

A reforma tributária, por sua vez, tem sido comparada ao Plano Real. Após sua aprovação, a agência classificadora de riscos Standard & Poor’s elevou a classificação do Brasil.

Porém, ainda é preciso dar carne e osso às mudanças. São dois os focos principais do governo para os debates que ocorrerão em 2024 em torno da legislação complementar. O primeiro, a definição exata dos produtos e serviços que estarão enquadrados na alíquota reduzida do novo Imposto sobre o Valor Agregado (IVA). O segundo, o cuidado para que o novo sistema seja simples como o prometido.

Para Gonçalves, as exceções vão gerar confrontos adiante. “No fim das contas, a reforma foi favorável ao menos no tema da complexidade.”

Nas discussões entre técnicos a palavra de ordem é não complicar para os contribuintes. O desafio é garantir que essa boa intenção não se perca.

Além da grande quantidade de tratamentos tributários favorecidos, a reforma tributária tem sido atacada por recair mais pesadamente sobre o setor de serviços. Esse segundo ponto deverá voltar à pauta no início de 2024, quando será discutida a reforma do Imposto de Renda.

O avanço dessa agenda num momento em que economistas investigam se as reformas aprovadas desde o governo de Michel Temer (2016-2018) teriam mudado o potencial de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) parece ser boa notícia. Resta cuidar para que a implementação seja feita de forma cuidadosa e segura do ponto de vista jurídico. E que o caminho não seja obstaculizado por recaídas no populismo fiscal.

 

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