Folha de S. Paulo
Para onde pende o cidadão comum que, desamparado,
busca respostas?
Este país está tão imerso em polarização que,
no debate público, as pessoas são pressionadas a tomar partido entre os
bandidos das gangues
de rua que fazem arrastões no Rio de
Janeiro e o grupo de justiceiros que
surgiu para policiar as fronteiras do seu território, selecionar quem pode
entrar e distribuir punições arbitrariamente.
Naturalmente, as coisas não foram
apresentadas de maneira tão direta. A direita retratou os vigilantes, flagrados
exibindo soco-inglês, perseguindo e espancando supostos bandidos nas ruas da
zona sul do Rio, como cidadãos heroicos que, diante da ausência total do
Estado, se organizaram para autodefesa.
Por outro lado, a esquerda convenientemente
dissociou os que passaram o arrasto e tocaram o terror na cidade das vítimas
perseguidas pelos justiceiros dos bairros de classe média, referindo-se apenas
a "gente da favela" e "corpos negros". São as mesmas
pessoas? Para a direita e para o cidadão comum da cidade, é provável. A
esquerda desconversa.
Os fatos são deploráveis. Acredite-se nos jornais e nos inúmeros vídeos de usuários que inundam as plataformas de redes sociais, o Rio de Janeiro está à mercê de arrastões e espancamentos. Relatos de abusos sexuais, vídeos de surras coletivas em pessoas que por acaso estavam no caminho das gangues, a violência gráfica e registrada como se fosse coisa cotidiana e normal: o Rio distópico que emerge aos olhos do Brasil parece uma terra sem lei, onde o cidadão comum vive aterrorizado pelos que dominam as ruas pela força bruta.
A atmosfera de "salve-se quem
puder" costuma ser um viveiro fecundo para o surgimento de forças que
respondem à brutalidade com mais brutalidade, à margem da lei. As famosas
milícias do Rio não surgiram em circunstâncias semelhantes? Os grupos de
extermínio não tinham essa função?
Tomar partido é absurdo em todos os aspectos;
apenas em um país doente de raiva e vontade de brigar alguém pode considerar
tal coisa plausível e aceitável. Escolher entre justiceiros e criminosos é uma
decisão que só faz sentido em um universo amoral, onde já desistimos da
possibilidade de ter Estado, aplicação da lei e segurança pública.
No entanto, há pessoas basicamente exigindo
que a esquerda apoie os jovens pobres dos arrastões, enquanto a direita fica ao
lado dos vigilantes. Argumentam que a esquerda deve apoiar essa "gente da
favela", cuja brutalidade é reativa à opressão estrutural. São pessoas
cuja violência sofrida é normalizada por todos, pois, como explicou um notável
comentarista, historicamente "seus corpos são considerados como se não
valessem nada".
Tem sido assim. Quando a esquerda transforma
uma pessoa em um "corpo" —um "corpo negro", por exemplo—
emite imediatamente um salvo-conduto, e o cidadão, não importa o que tenha
feito, não pode mais ser tocado. Por outro lado, quando a direita veste um
brutamontes abusador como um "cidadão que se importa com a
vizinhança" (concerned citizen), simbolicamente lhe fornece um distintivo,
um excludente de ilicitude e a necessária superioridade moral. Às vezes, até um
porte de armas.
No entanto, o jogo que estamos vendo no
debate público não reflete a experiência das pessoas comuns deste país. A
população não está presa no impasse entre as narrativas e representações da
esquerda e da direita. A má notícia para os que temos posições progressistas é
que o canto da sereia da direita é acompanhado pelo coral de quem vive
apavorado com a violência urbana.
Não há uma escolha difícil quando à mesa se
tem a solução instintiva que diz que a violência deve ser respondida com mais
violência e a solução esquerdista que diz que criminosos são, na verdade, o
Estado e o sistema e que o criminoso imediato é, na verdade, uma vítima.
É fácil entender isso. A população realmente
se sente desamparada e busca respostas. Gostaria de contar com a segurança
pública, ter de volta o direito de usar as ruas sem correr risco de morte,
roubo e estupro, sair à noite, ir a um bar, à praça ou à igreja, ficar ao ar
livre com os amigos. Mas, se essa condição não está disponível, ela negocia com
a realidade e aceita, mesmo que temporariamente, qualquer coisa que faça cessar
a sensação de injustiça, de estar à mercê "da bandidagem" e de ser
presa fácil para as gangues que infestam a cidade.
Para quem vive a experiência constante de ser
vítima do crime, as sociologias identitárias soam como uma discussão bizantina
sobre o gênero dos anjos. Lamento ser eu a lhes contar isso.
*Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada".
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