Valor Econômico
Na Fazenda, há quem compare o processo de
reformar o sistema tributário ao de uma constituinte
Em um breve balanço sobre a tramitação da
reforma tributária, e sua histórica promulgação nesta quarta-feira (20), uma
credenciada fonte da equipe econômica faz duas observações. A primeira
circunscreve-se mais à área de atuação da pasta: começa agora um longo período
de transição, diz, e este será, sim, um processo trabalhoso. Mas que por si só
já deve trazer benefícios para o ambiente de negócios do país.
Sabe-se que o ano que vem será em grande
parte tomado tanto pela regulamentação da reforma tributária do consumo quanto
pela discussão da proposta do governo em relação à tributação da renda. Não
teremos um “day after”, brinca a fonte. “São ‘years after’.”
No Ministério da Fazenda, há quem compare o
processo de reformar o sistema tributário ao de uma constituinte. Isto é,
primeiro se dá um tortuoso período de discussão e votação da proposta. No caso
da reforma tributária, isso levou mais de três décadas.
Em seguida, tem início a fase de transição, de disposições transitórias, para que se abra caminho para a apresentação e deliberação de leis complementares. É o que se espera para 2024.
A expectativa é que sejam encaminhados ao
Congresso pelo menos três projetos de lei complementares. Um deve tratar do
futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA), abordando o Imposto (IBS) e a
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência, respectivamente, dos
Estados e municípios e da União. Outro tende a ser sobre o Imposto Seletivo,
enquanto o terceiro projeto regulamentará a criação e a atuação do Comitê
Gestor do IBS.
Segundo um articulador político do Palácio do
Planalto, não está definida ainda a estratégia de envio dessas matérias ao
Parlamento. Tampouco está batido o martelo se elas serão encaminhadas em
conjunto ou individualmente.
Na visão da equipe econômica, o ideal é que
seja aprovado primeiro o projeto que regulamenta o Comitê Gestor. Dessa forma,
o órgão poderia atuar durante a transição de regimes e ser estruturado com
calma. É algo que está em aberto, porém.
Espera-se, também, uma série de medidas
infralegais a serem editadas pelo Ministério da Fazenda. São ajustes no sistema
que não dependem do Legislativo. Na visão do Planalto, isso pode ocorrer antes
mesmo do envio das leis complementares.
Ademais, será preciso um esforço de
“educação” para que empresas e contribuintes não iniciem contenciosos antes
mesmo de o novo sistema entrar em vigor. “Por isso tem a transição. Muda-se a
lógica. ‘Preocupar’ não é a palavra, mas existe a consciência do trabalho que
vai dar”, comenta a fonte.
A segunda observação dessa autoridade é, na
verdade, uma leitura política. Para ela, o presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), sai maior desse processo. Encerra o ano com um verniz de quem se
tornou o fiador da aprovação das grandes propostas que irão remodelar o Estado.
Sem o deputado, sublinha, dificilmente a reforma ganharia tração na Câmara e
seria promulgada hoje. E isso terá, inevitavelmente, desdobramentos na
interação de Lira com outros atores políticos e econômicos.
É simbólica uma passagem da longa sessão de
sexta-feira (15). A Câmara acabara de concluir a votação da Medida Provisória
1185, item prioritário da agenda legislativa da equipe econômica em seu esforço
de perseguição da meta fiscal de déficit zero do ano que vem, quando o líder do
governo, José Guimarães (PT-CE), pediu a palavra.
“Presidente, eu havia solicitado a palavra
para falar pelo tempo da liderança do governo, se não for atrapalhar”, disse o
petista, dirigindo-se a Arthur Lira.
A resposta veio em tom de conselho. E, como
era de se esperar, este foi acatado. Afinal, tomando a palavra naquele momento,
Guimarães poderia perder a prerrogativa de ocupar a tribuna novamente em um
momento mais crítico da votação da PEC da reforma tributária.
“Eu acho melhor Vossa Excelência poupar este
tempo para a reforma tributária, deputado”, afirmou o presidente da Câmara. “É
o que penso, mas Vossa Excelência, regimentalmente, pode usar o tempo na hora
em que lhe aprouver. Porém, a partir do momento em que o usa, num destaque mais
à frente...”
Líder do Novo, partido que fazia de tudo para
obstruir a sessão, Marcel Van Hattem (RS) não conteve a ironia. Queixou-se, em
tom de provocação, que Lira estava ajudando “bem” o governo. Com a bola
erguida, restou ao presidente da Câmara cravar: “Estou só avisando, deputado. A
reforma não é do governo, deputado Marcel van Hattem. Estou falando da reforma
tributária do Brasil”.
Nove horas depois, Lira anunciou que a PEC da
reforma tributária estava aprovada e iria, enfim, à promulgação. De forma
genérica, citou autores das propostas, técnicos legislativos, relatores e
parlamentares. Ignorou os articuladores políticos do governo. Mas, por outro
lado, mencionou nominalmente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua
equipe.
Isso é visto como um ativo para aqueles que
tentarão impulsionar as leis complementares da reforma tributária. E prenúncio
de dificuldades para os negociadores de outras áreas do governo.
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