O Globo
O regime jurídico da Previdência brasileira
tem uma singularidade. Quando ele avança num direito do andar de baixo, sempre
em nome da modernidade, ele vira fumaça. Quando a moralidade pega o andar de
cima, aos poucos a prebenda é restabelecida.
Até 2020, sete ex-governadores do Paraná
recebiam pensões vitalícias de R$ 30 mil mensais. Em agosto, o plenário do
Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a concessão do
benefício. Em novembro, os ex-governadores recorreram, mas em fevereiro de
2021, a ministra Cármen Lúcia, relatando o recurso na Segunda Turma do STF,
negou-lhes provimento. Seu colega Gilmar Mendes pediu vista. Em abril passado
Gilmar votou, divergindo:
“Não há cruzada moral que justifique, à luz
das garantias constitucionais, a abrupta supressão dos benefícios recebidos de
boa-fé durante décadas por pessoas idosas, sem condições de reinserção no
mercado de trabalho.”
Foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Kassio Nunes Marques. Bingo, a pensão renasceu.
Três ex-governadores da Paraíba e quatro
viúvas também querem as pensões de volta. (Uma delas, desembargadora, com
vencimentos superiores a R$ 50 mil, veio a desistir.)
Um levantamento de 2014 mostrou que, à
época, 157 ex-governadores ou suas viúvas recebiam pensões de até R$ 26,5 mil.
Sabe-se lá quantos seriam hoje.
O precedente do Paraná levou o
ex-governador Roberto Requião a pedir o restabelecimento de sua pensão de R$ 43
mil mensais. Ele governou o Paraná por 13 anos e, em março, comemorou seu 82º
aniversário. No mesmo barco, como mostrou Murilo Rodrigues Alves, entrou o
ex-governador João Elísio Ferraz de Campos, que governou o estado por dez
meses.
Assim é a vida. O Supremo Tribunal Federal
decide que as pensões vitalícias de ex-governadores são inconstitucionais e o
mesmo tribunal decide que são constitucionais. Com sua decisão, o STF fez um
milagre para litigantes do andar de cima.
As pensões do acidente de 1958
Em junho de 1958, caiu nas cercanias do
aeroporto de Curitiba o avião em que viajavam o ex-presidente Nereu Ramos, o
então governador de Santa Catarina, Jorge Lacerda, e um deputado. Todos
catarinenses, emocionaram o estado, e a Assembleia Legislativa votou uma pensão
vitalícia para as três viúvas. Como se fosse um gás, ela se expandiu.
Em 1991, a situação era a seguinte, nas
palavras do então governador Vilson Kleinubing (1944-1998):
“A pensão passou a cobrir todas as viúvas
de todos os deputados, mesmo aqueles que tivessem exercido o mandato apenas por
um dia, de todos os desembargadores e juízes, inclusive os substitutos, todos
os procuradores e conselheiros de Tribunal de Contas.
A pensão tornou-se também cumulativa.
Assim, se um cidadão foi funcionário público, elegeu-se deputado estadual,
depois federal e terminou a carreira no Tribunal de Contas, a viúva recebia as
quatro pensões. Se a viúva morresse deixando filhos homens menores e filhas
solteiras, a pensão sobrevivia até a maioridade ou o casamento. Assim, deram-se
inúmeros casos de senhoras que jamais casaram no civil.
Em 1991, o valor destas pensões era quase
equivalente ao orçamento da universidade do estado.”
As pensões de Adam Smith brasileiro
O andar de cima cuida de si há séculos.
Torturando os fatos, chega-se a dizer que José da Silva Lisboa, o Visconde de
Cairu (1756-1835), foi o Adam Smith brasileiro, num sacrilégio contra a memória
do economista inglês. Smith lecionava na Universidade de Glasgow e, ao trocar
de emprego, devolveu aos alunos o que eles haviam pagado pelo curso que não
daria.
O Smith brasileiro era um defensor da
liberdade de comércio, mas estudou em Coimbra com dinheiro da Viúva. De volta
ao Brasil, arrumou um emprego público e aposentou-se aos 50 anos. Arrumou outro
emprego público, manteve a aposentadoria e tornou-se o primeiro professor de
“Ciência Econômica”. Preservou a aposentadoria, mais os vencimentos do outro
emprego e nunca deu uma aula.
Virou senador e visconde, publicou seu
livro “Observações sobre o Commercio Franco no Brazil” pela Imprensa Régia e
trabalhou como censor. Ele ainda estava vivo quando suas filhas pediram à Coroa
pensões vitalícias (não se sabe se foram concedidas).
Cairu amarrava sua mula na sombra, mas, em
1823, defendia a concessão da cidadania para os negros libertos e condenava a
proteção aos contrabandistas de escravizados. Perdeu.
Triste ocaso
Rudolph Giuliani, advogado de Donald Trump,
pagou US$ 150 mil de fiança para responder em liberdade num processo de
corrupção.
Aos 79 anos, bebendo demais, Giuliani
tornou-se um triste exemplo de ocaso na política americana. Sua estrela subiu
nos anos 1980. Ele era um jovem promotor e desarticulou boa parte da máfia em
Nova York. Logo depois, avançou sobre larápios de Wall Street.
Encantado pela marquetagem, entrou para a
política e brilhou como defensor da lei e da ordem. Elegeu-se prefeito de Nova
York e chegou ao apogeu nos dias seguintes aos atentados das Torres Gêmeas, em
2001.
Daí em diante, nas fímbrias de seus êxitos
sentia-se algum cheiro de picaretagens. Seu estilo de combate ao crime gerou um
negócio multinacional e malcheiroso. Tentaram ganhar algum até no Brasil.
Giuliani é hoje uma caricatura do que foi.
Algum dia seu declínio será bem estudado e é provável que na raiz da ruína
esteja a obsessão pelos holofotes, convertendo boas causas em motores do
exibicionismo.
O espinho de GDias
O general Gonçalves Dias, ex-chefe do
Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula, tornou-se um espinho no pé
do governo.
Noves fora o fato de ter recebido mais de
dez alertas da Abin antes das invasões do dia 8 de janeiro, fica difícil
entender por que ele achou que a situação era normal se, às 8h12m do dia 6,
sentindo cheiro de queimado, retransmitiu à agência uma mensagem do grupo Patriotas,
que dizia o seguinte:
“Vamos atuar em 3 frentes”.
1ª frente: acampar em frente às
distribuidoras nas cidades (não tem combustível, ninguém trabalha).
2ª frente: fechar a entrada dos 3 Poderes
em Brasília: Executivo, Legislativo e Judiciário (quem puder ir para Brasília,
vá!).
3ª frente: quem estiver em lugares
afastados, fiquem nos quartéis!”.
Vale lembrar que às 8h15m o diretor da
Abin, Saulo Cunha, respondeu a GDias: “Ao que tudo indica, são bravatas.”
Às 18h19m, um grupo anunciava: “Festa da
Selma nesse fim de semana no Plano Alto !!! Sem hora pra terminar Bora !!!”.
Cunha argumentava que não haviam chegado
ônibus fretados a Brasília.
À CPI, GDias disse que nas mensagens dos
dias 2 a 7 “não havia informações relevantes”.
Até 9h43m do dia 7, a PM de Brasília havia monitorado a chegada de 18 ônibus, com cerca de 600 pessoas. Às 18h17m, os ônibus eram 74 e haviam trazido 5.500 pessoas.
3 comentários:
Hahahahah
Excelente !
Esse final foi sensacional !
Pois é.
Pensaram que a Festa da Selma era alguma suruba,rs.
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