domingo, 27 de agosto de 2023

Elio Gaspari - Os ‘vulneráveis’ do andar de cima

O Globo

O regime jurídico da Previdência brasileira tem uma singularidade. Quando ele avança num direito do andar de baixo, sempre em nome da modernidade, ele vira fumaça. Quando a moralidade pega o andar de cima, aos poucos a prebenda é restabelecida.

Até 2020, sete ex-governadores do Paraná recebiam pensões vitalícias de R$ 30 mil mensais. Em agosto, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a concessão do benefício. Em novembro, os ex-governadores recorreram, mas em fevereiro de 2021, a ministra Cármen Lúcia, relatando o recurso na Segunda Turma do STF, negou-lhes provimento. Seu colega Gilmar Mendes pediu vista. Em abril passado Gilmar votou, divergindo:

“Não há cruzada moral que justifique, à luz das garantias constitucionais, a abrupta supressão dos benefícios recebidos de boa-fé durante décadas por pessoas idosas, sem condições de reinserção no mercado de trabalho.”

Foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Kassio Nunes Marques. Bingo, a pensão renasceu.

Três ex-governadores da Paraíba e quatro viúvas também querem as pensões de volta. (Uma delas, desembargadora, com vencimentos superiores a R$ 50 mil, veio a desistir.)

Um levantamento de 2014 mostrou que, à época, 157 ex-governadores ou suas viúvas recebiam pensões de até R$ 26,5 mil. Sabe-se lá quantos seriam hoje.

O precedente do Paraná levou o ex-governador Roberto Requião a pedir o restabelecimento de sua pensão de R$ 43 mil mensais. Ele governou o Paraná por 13 anos e, em março, comemorou seu 82º aniversário. No mesmo barco, como mostrou Murilo Rodrigues Alves, entrou o ex-governador João Elísio Ferraz de Campos, que governou o estado por dez meses.

Assim é a vida. O Supremo Tribunal Federal decide que as pensões vitalícias de ex-governadores são inconstitucionais e o mesmo tribunal decide que são constitucionais. Com sua decisão, o STF fez um milagre para litigantes do andar de cima.

As pensões do acidente de 1958

Em junho de 1958, caiu nas cercanias do aeroporto de Curitiba o avião em que viajavam o ex-presidente Nereu Ramos, o então governador de Santa Catarina, Jorge Lacerda, e um deputado. Todos catarinenses, emocionaram o estado, e a Assembleia Legislativa votou uma pensão vitalícia para as três viúvas. Como se fosse um gás, ela se expandiu.

Em 1991, a situação era a seguinte, nas palavras do então governador Vilson Kleinubing (1944-1998):

“A pensão passou a cobrir todas as viúvas de todos os deputados, mesmo aqueles que tivessem exercido o mandato apenas por um dia, de todos os desembargadores e juízes, inclusive os substitutos, todos os procuradores e conselheiros de Tribunal de Contas.

A pensão tornou-se também cumulativa. Assim, se um cidadão foi funcionário público, elegeu-se deputado estadual, depois federal e terminou a carreira no Tribunal de Contas, a viúva recebia as quatro pensões. Se a viúva morresse deixando filhos homens menores e filhas solteiras, a pensão sobrevivia até a maioridade ou o casamento. Assim, deram-se inúmeros casos de senhoras que jamais casaram no civil.

Em 1991, o valor destas pensões era quase equivalente ao orçamento da universidade do estado.”

As pensões de Adam Smith brasileiro

O andar de cima cuida de si há séculos. Torturando os fatos, chega-se a dizer que José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu (1756-1835), foi o Adam Smith brasileiro, num sacrilégio contra a memória do economista inglês. Smith lecionava na Universidade de Glasgow e, ao trocar de emprego, devolveu aos alunos o que eles haviam pagado pelo curso que não daria.

O Smith brasileiro era um defensor da liberdade de comércio, mas estudou em Coimbra com dinheiro da Viúva. De volta ao Brasil, arrumou um emprego público e aposentou-se aos 50 anos. Arrumou outro emprego público, manteve a aposentadoria e tornou-se o primeiro professor de “Ciência Econômica”. Preservou a aposentadoria, mais os vencimentos do outro emprego e nunca deu uma aula.

Virou senador e visconde, publicou seu livro “Observações sobre o Commercio Franco no Brazil” pela Imprensa Régia e trabalhou como censor. Ele ainda estava vivo quando suas filhas pediram à Coroa pensões vitalícias (não se sabe se foram concedidas).

Cairu amarrava sua mula na sombra, mas, em 1823, defendia a concessão da cidadania para os negros libertos e condenava a proteção aos contrabandistas de escravizados. Perdeu.

Triste ocaso

Rudolph Giuliani, advogado de Donald Trump, pagou US$ 150 mil de fiança para responder em liberdade num processo de corrupção.

Aos 79 anos, bebendo demais, Giuliani tornou-se um triste exemplo de ocaso na política americana. Sua estrela subiu nos anos 1980. Ele era um jovem promotor e desarticulou boa parte da máfia em Nova York. Logo depois, avançou sobre larápios de Wall Street.

Encantado pela marquetagem, entrou para a política e brilhou como defensor da lei e da ordem. Elegeu-se prefeito de Nova York e chegou ao apogeu nos dias seguintes aos atentados das Torres Gêmeas, em 2001.

Daí em diante, nas fímbrias de seus êxitos sentia-se algum cheiro de picaretagens. Seu estilo de combate ao crime gerou um negócio multinacional e malcheiroso. Tentaram ganhar algum até no Brasil.

Giuliani é hoje uma caricatura do que foi. Algum dia seu declínio será bem estudado e é provável que na raiz da ruína esteja a obsessão pelos holofotes, convertendo boas causas em motores do exibicionismo.

O espinho de GDias

O general Gonçalves Dias, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula, tornou-se um espinho no pé do governo.

Noves fora o fato de ter recebido mais de dez alertas da Abin antes das invasões do dia 8 de janeiro, fica difícil entender por que ele achou que a situação era normal se, às 8h12m do dia 6, sentindo cheiro de queimado, retransmitiu à agência uma mensagem do grupo Patriotas, que dizia o seguinte:

“Vamos atuar em 3 frentes”.

1ª frente: acampar em frente às distribuidoras nas cidades (não tem combustível, ninguém trabalha).

2ª frente: fechar a entrada dos 3 Poderes em Brasília: Executivo, Legislativo e Judiciário (quem puder ir para Brasília, vá!).

3ª frente: quem estiver em lugares afastados, fiquem nos quartéis!”.

Vale lembrar que às 8h15m o diretor da Abin, Saulo Cunha, respondeu a GDias: “Ao que tudo indica, são bravatas.”

Às 18h19m, um grupo anunciava: “Festa da Selma nesse fim de semana no Plano Alto !!! Sem hora pra terminar Bora !!!”.

Cunha argumentava que não haviam chegado ônibus fretados a Brasília.

À CPI, GDias disse que nas mensagens dos dias 2 a 7 “não havia informações relevantes”.

Até 9h43m do dia 7, a PM de Brasília havia monitorado a chegada de 18 ônibus, com cerca de 600 pessoas. Às 18h17m, os ônibus eram 74 e haviam trazido 5.500 pessoas.

3 comentários:

Mais um amador disse...

Hahahahah

Excelente !

Esse final foi sensacional !

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é.

ADEMAR AMANCIO disse...

Pensaram que a Festa da Selma era alguma suruba,rs.