Vice-presidente afirma que regras do plano estão dentro das normas da OMC
Estevão Taiar e Andrea Jubé / Valor Econômico
O vice-presidente e ministro do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin (PSB),
afirmou em entrevista exclusiva ao Valor que a nova política
industrial poderá ter até mais do que os R$ 300 bilhões previstos inicialmente.
Contrariado com as críticas de que o plano Nova Indústria Brasil (NIB)
colocaria em xeque o equilíbrio das contas públicas, ele desafiou: “Ninguém tem
mais compromisso com a responsabilidade fiscal do que eu”.
O titular do Mdic observou que o programa contempla cerca de R$ 75 bilhões por ano para a revitalização da indústria. “Se puder crescer, ótimo”, ponderou, em tom de otimismo. Mas ele ressaltou que o plano não terá custos fiscais além dos que já estavam previstos no Orçamento. Mesmo que o programa seja expandido, o governo federal não realizará aportes no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Na segunda-feira (22), quando o plano foi
anunciado, o mercado reagiu mal. O temor era de que as medidas levassem a uma
piora das contas públicas, repetindo o que ocorreu entre meados do segundo
mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até o fim do mandato de
Dilma Rousseff (PT).
Outro temor de diversos economistas - a
possível interferência da nova política industrial no ciclo de cortes da taxa
básica de juros, a Selic - também foi rechaçado pelo vice-presidente. “Queremos
que os juros sejam mais baratos para todo mundo”, assegurou.
Alckmin citou como exemplo de “medida
inteligente” e que “não tem dinheiro público” o financiamento para exportações
realizado em dólar pelo BNDES. Ele ponderou, todavia, que é necessário “ter
cautela” na condução da NIB, ao comentar afirmação do presidente do banco de
fomento, Aloizio Mercadante, de que o Brasil precisa “voltar a produzir
navios”.
Dos anos 50 até hoje, o governo brasileiro
tentou pelo menos três vezes expandir a indústria da construção naval, sem
sucesso. “Política industrial precisa ser calibrada”, alertou o
vice-presidente, ainda a propósito das declarações de Mercadante, e do risco de
setores específicos pressionarem para serem beneficiados pelas novas regras.
Alckmin ainda afirmou que a política de
conteúdo local “está rigorosamente dentro” das normas Organização Mundial do
Comércio (OMC) e que as patentes dos projetos de inovação precisarão ser
registradas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). “Haverá
acompanhamento de todas as fases do projeto e sanções [em caso de
descumprimento]”, disse.
Não haverá aporte do Tesouro no BNDES, e só
haverá TR para inovação. Aquela coisa antiga da TJLP acabou”
Alckmin também minimizou a divisão da base
governista em São Paulo (capital), onde ele fará campanha para eleger Tabata
Amaral (PSB) para a prefeitura, enquanto Lula caminhará com Guilherme Boulos
(Psol), e disse que, onde for possível, caminharão juntos.
Ele relativizou sua exclusão do núcleo de conselheiros mais próximos do presidente, formado por ministros petistas, afirmou que é chamado com frequência por Lula para aconselhamentos e reuniões, e que seu papel é ajudar. “Quem tem de estar na ribalta é o titular.”
A seguir
os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: A nova política industrial tem
metas ousadas para dez anos. Mas o que será possível entregar ao menos até
2026?
Geraldo Alckmin: Temos duas tarefas
urgentes. Uma é estancar a desindustrialização. A indústria de transformação,
de manufatura, vem encolhendo em relação ao PIB [Produto Interno Bruto]. A
segunda é fortalecer a atividade industrial, que é fundamental para o país, está
na vanguarda da inovação, agrega valor, paga salários melhores. É evidente que
é preciso agir na macroeconomia. Há um tripé fundamental: juros, câmbio,
imposto. Agora melhorou o quadro macroeconômico. Os juros ainda são altos, mas
estão em queda, e os juros futuros, que são os mais importantes, também estão
em queda. Um câmbio de R$ 4,90 é competitivo.
Valor: A reforma tributária vai fazer
diferença?
Alckmin: Ela vai desonerar completamente
os investimentos e a exportação, acabar com a cumulatividade. Eu diria que o
quadro macroeconômico é muito melhor.
Valor: Mas a que o senhor atribui, no
dia da divulgação da NIB, a queda da bolsa de valores?
Alckmin: À desinformação. Tanto que
ontem [quarta-feira] nós fizemos uma rodada de explicações, e a bolsa subiu, o
câmbio caiu. O plano foi interpretado como uma proposta gastadora, e não é. Ele
não tem nenhum problema de natureza fiscal, o foco não é esse. O BNDES não vai
distribuir dinheiro por TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo, usada até 2017],
subsidiado pelo governo, por equalização de tarifas, não existe isso. O governo
não fará nenhum aporte de dinheiro ao BNDES. O banco não vai comprar ações de
empresas. Nós conseguimos equacionar bem a questão do crédito para a inovação.
É o único caso em que haverá TR [Taxa Referencial, subsidiada].
Valor: Quais as contrapartidas a esses
projetos de inovação?
Alckmin: Quando a Finep [Financiadora de
Estudos e Projetos, que também faz parte da NIB] abrir um edital para projetos
inovadores, também será necessário recurso privado. Além disso, a patente
precisará ser registrada no Brasil, no Inpi. Haverá acompanhamento de todas as
fases do projeto e sanções [em caso de descumprimento]. É um trabalho bem
feito. É muito difícil alguém tomar dinheiro emprestado a juros de 18% ao ano
para fazer pesquisa.
Valor: O presidente do BNDES, Aloizio
Mercadante, afirmou que os R$ 300 bilhões eram “só um piso”. Esse montante pode
eventualmente crescer?
Alckmin: Pode. Esses R$ 300 bilhões são
em quatro anos. Estamos falando de R$ 75 bilhões por ano. Se puder crescer,
ótimo.
Valor: Em que condições esse montante
poderia subir? Há espaço para isso?
Alckmin: O BNDES trabalha com o mercado.
Houve uma medida inteligente do BNDES e que não tem dinheiro público. A empresa
exporta, então recebe em dólar. Por isso, posso financiá-la em dólar. Com isso,
os juros vêm para 6% ao ano. No mercado interno não posso financiar em dólar,
porque amanhã a moeda pode desvalorizar, e a dívida cresce. Mas, se a empresa
recebe em dólar, o câmbio pode subir, baixar, subir e baixar que não muda nada.
A empresa que exporta está “hedgeada”. Qual é a preocupação que eu vejo? É não
ter dinheiro público que onere o fiscal para fazer estímulos para segmentos,
setores. Nós estamos fazendo políticas horizontais. Não tem setor A, B, C ou D.
É inovação, descarbonização, produtividade, exportação.
Valor: Além da questão fiscal, outro
assunto que tem gerado preocupação é a possibilidade de aumento do crédito
subsidiado, e isso de alguma maneira atrapalhar a condução da política
monetária. Existe esse risco?
Alckmin: Não existe. Vou repetir: não
haverá aporte do Tesouro no BNDES, e só haverá TR para inovação. Aquela coisa
antiga da TJLP acabou. Você tem hoje TLP [taxa do BNDES próxima das taxas de
mercado]. O que nós queremos é que os juros sejam mais baratos para todo mundo.
Ninguém tem mais compromisso com a responsabilidade fiscal do que eu. São Paulo
foi nos meus quatro mandatos [como governador] um exemplo de responsabilidade
fiscal. Nós tivemos superávits altíssimos pagando a dívida rigorosamente em dia
com o governo federal.
Valor: Há algum temor de que as
políticas de conteúdo local da NIB esbarrem nas regras da OMC?
Alckmin: O Brasil internalizou essas
regras em 2004, então está tudo rigorosamente dentro das normas comerciais.
Aliás, agora em janeiro saiu uma publicação do FMI [Fundo Monetário
Internacional] sobre distorções concorrenciais: subsídio, crédito, subvenção,
tudo. Metade [das medidas] está na China, nos Estados Unidos e na União
Europeia. Eles têm 48% [das medidas]. Então estamos sendo absolutamente
cautelosos.
Valor: Essa questão da política de
conteúdo local também não dificulta o acordo entre Mercosul e União Europeia?
Alckmin: Não acredito que isso seja um
problema para limitar o acordo. O que nós tivemos até o ano passado foi uma
postura mais cautelosa da Argentina, e também da França, que eu acho que é
perfeitamente contornável.
Valor: Mercadante defendeu que o Brasil
volte a construir navios. O senhor não teme que outros setores pressionem para
entrar na nova política?
Alckmin: O Brasil fabrica até avião, que
é muito mais complexo. Agora é necessário ter cautela. Política industrial tem
que ser calibrada. Precisamos aproveitar nossas vantagens competitivas, que é
onde a indústria vai crescer. Por exemplo, agroindústria. Vamos fortalecer essa
cadeia, agregar valor. Em vez de soja, vamos exportar óleo combustível,
combustível para aviação. Mas não podemos ser preconceituosos em relação a
estímulos necessários para uma nova tecnologia. Lá atrás, energia solar e
eólica eram caríssimas, tinham dificuldades. Hoje nos últimos leilões de
energia solar o megawatt hora foi R$ 150. Na energia nuclear é R$ 600. É hora
do hidrogênio verde, da indústria se descarbonizar.
Valor: Na cidade de São Paulo, o senhor
está apoiando Tabata Amaral na disputa para a prefeitura, e Lula está com a
chapa Boulos-Marta Suplicy (PT). Essa divisão não fortalece o bolsonarismo na
principal disputa para Lula?
Alckmin: Separo claramente eleição
municipal, estadual e nacional. Lá atrás, o PSDB [legenda anterior de Alckmin,
atualmente no PSB] sempre ganhou o governo de São Paulo, mas tinha dificuldade
na capital. Na Bahia, o PT tem ganhado o governo estadual, mas tem dificuldade
na capital [Salvador]. O povo separa as coisas.
Valor: Lula pediu para o senhor
renunciar ao apoio a Tabata ou convencer o PSB a apoiar Boulos?
Alckmin: Não pediu.
Valor: Acha que vai chegar o momento em
que ele fará esse pedido?
Alckmin: Sempre que podemos, trabalhamos
juntos. Em Osasco [na Grande São Paulo], o PT vai ter um candidato competitivo
[Emídio de Souza] e nós vamos apoiá-lo. Agora você tem um quadro
multipartidário, que o tempo até vai corrigir [com a cláusula de barreira].
Valor: O senhor não participa do núcleo
de conselheiros políticos do presidente no Palácio do Planalto, formado só
pelos ministros do PT. Por quê?
Alckmin: Primeiro, quem ganhou a eleição
presidencial foi o PT. É natural que o partido que vence a eleição tenha uma
participação específica. Eu tenho um nível de participação enorme, é difícil um
dia em que o presidente não me chame. Ontem [quarta] ele me chamou lá no
gabinete para reunir com o [Ricardo] Lewandowski, que vai assumir o Ministério
da Justiça. Já fui titular, prefeito e governador, e fui vice-governador. Quem
tem de estar na ribalta é o titular, não é o vice. Nossa tarefa é trabalhar e
ajudar.
Valor: Concluída a nova política
industrial, qual sua próxima missão no governo?
Alckmin: Essa proposta é o início, não é o fim. Agora é trabalhar, cotidianamente, para as coisas avançarem. É um trabalho permanente, não tem como tirar coelho da cartola. É todo dia trabalhar para avançar na produtividade, competitividade, resolver gargalos, desburocratizar, resolver o custo Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário