sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Entrevista | Alckmin descarta risco fiscal e diz que política industrial pode superar R$ 300 bi

Vice-presidente afirma que regras do plano estão dentro das normas da OMC

Estevão Taiar e Andrea Jubé / Valor Econômico

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin (PSB), afirmou em entrevista exclusiva ao Valor que a nova política industrial poderá ter até mais do que os R$ 300 bilhões previstos inicialmente. Contrariado com as críticas de que o plano Nova Indústria Brasil (NIB) colocaria em xeque o equilíbrio das contas públicas, ele desafiou: “Ninguém tem mais compromisso com a responsabilidade fiscal do que eu”.

O titular do Mdic observou que o programa contempla cerca de R$ 75 bilhões por ano para a revitalização da indústria. “Se puder crescer, ótimo”, ponderou, em tom de otimismo. Mas ele ressaltou que o plano não terá custos fiscais além dos que já estavam previstos no Orçamento. Mesmo que o programa seja expandido, o governo federal não realizará aportes no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Na segunda-feira (22), quando o plano foi anunciado, o mercado reagiu mal. O temor era de que as medidas levassem a uma piora das contas públicas, repetindo o que ocorreu entre meados do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até o fim do mandato de Dilma Rousseff (PT).

Outro temor de diversos economistas - a possível interferência da nova política industrial no ciclo de cortes da taxa básica de juros, a Selic - também foi rechaçado pelo vice-presidente. “Queremos que os juros sejam mais baratos para todo mundo”, assegurou.

Alckmin citou como exemplo de “medida inteligente” e que “não tem dinheiro público” o financiamento para exportações realizado em dólar pelo BNDES. Ele ponderou, todavia, que é necessário “ter cautela” na condução da NIB, ao comentar afirmação do presidente do banco de fomento, Aloizio Mercadante, de que o Brasil precisa “voltar a produzir navios”.

Dos anos 50 até hoje, o governo brasileiro tentou pelo menos três vezes expandir a indústria da construção naval, sem sucesso. “Política industrial precisa ser calibrada”, alertou o vice-presidente, ainda a propósito das declarações de Mercadante, e do risco de setores específicos pressionarem para serem beneficiados pelas novas regras.

Alckmin ainda afirmou que a política de conteúdo local “está rigorosamente dentro” das normas Organização Mundial do Comércio (OMC) e que as patentes dos projetos de inovação precisarão ser registradas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). “Haverá acompanhamento de todas as fases do projeto e sanções [em caso de descumprimento]”, disse.

Não haverá aporte do Tesouro no BNDES, e só haverá TR para inovação. Aquela coisa antiga da TJLP acabou”

Alckmin também minimizou a divisão da base governista em São Paulo (capital), onde ele fará campanha para eleger Tabata Amaral (PSB) para a prefeitura, enquanto Lula caminhará com Guilherme Boulos (Psol), e disse que, onde for possível, caminharão juntos.

Ele relativizou sua exclusão do núcleo de conselheiros mais próximos do presidente, formado por ministros petistas, afirmou que é chamado com frequência por Lula para aconselhamentos e reuniões, e que seu papel é ajudar. “Quem tem de estar na ribalta é o titular.” 

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: A nova política industrial tem metas ousadas para dez anos. Mas o que será possível entregar ao menos até 2026?

Geraldo Alckmin: Temos duas tarefas urgentes. Uma é estancar a desindustrialização. A indústria de transformação, de manufatura, vem encolhendo em relação ao PIB [Produto Interno Bruto]. A segunda é fortalecer a atividade industrial, que é fundamental para o país, está na vanguarda da inovação, agrega valor, paga salários melhores. É evidente que é preciso agir na macroeconomia. Há um tripé fundamental: juros, câmbio, imposto. Agora melhorou o quadro macroeconômico. Os juros ainda são altos, mas estão em queda, e os juros futuros, que são os mais importantes, também estão em queda. Um câmbio de R$ 4,90 é competitivo.

Valor: A reforma tributária vai fazer diferença?

Alckmin: Ela vai desonerar completamente os investimentos e a exportação, acabar com a cumulatividade. Eu diria que o quadro macroeconômico é muito melhor.

Valor: Mas a que o senhor atribui, no dia da divulgação da NIB, a queda da bolsa de valores?

Alckmin: À desinformação. Tanto que ontem [quarta-feira] nós fizemos uma rodada de explicações, e a bolsa subiu, o câmbio caiu. O plano foi interpretado como uma proposta gastadora, e não é. Ele não tem nenhum problema de natureza fiscal, o foco não é esse. O BNDES não vai distribuir dinheiro por TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo, usada até 2017], subsidiado pelo governo, por equalização de tarifas, não existe isso. O governo não fará nenhum aporte de dinheiro ao BNDES. O banco não vai comprar ações de empresas. Nós conseguimos equacionar bem a questão do crédito para a inovação. É o único caso em que haverá TR [Taxa Referencial, subsidiada].

Valor: Quais as contrapartidas a esses projetos de inovação?

Alckmin: Quando a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos, que também faz parte da NIB] abrir um edital para projetos inovadores, também será necessário recurso privado. Além disso, a patente precisará ser registrada no Brasil, no Inpi. Haverá acompanhamento de todas as fases do projeto e sanções [em caso de descumprimento]. É um trabalho bem feito. É muito difícil alguém tomar dinheiro emprestado a juros de 18% ao ano para fazer pesquisa.

Valor: O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, afirmou que os R$ 300 bilhões eram “só um piso”. Esse montante pode eventualmente crescer?

Alckmin: Pode. Esses R$ 300 bilhões são em quatro anos. Estamos falando de R$ 75 bilhões por ano. Se puder crescer, ótimo.

Valor: Em que condições esse montante poderia subir? Há espaço para isso?

Alckmin: O BNDES trabalha com o mercado. Houve uma medida inteligente do BNDES e que não tem dinheiro público. A empresa exporta, então recebe em dólar. Por isso, posso financiá-la em dólar. Com isso, os juros vêm para 6% ao ano. No mercado interno não posso financiar em dólar, porque amanhã a moeda pode desvalorizar, e a dívida cresce. Mas, se a empresa recebe em dólar, o câmbio pode subir, baixar, subir e baixar que não muda nada. A empresa que exporta está “hedgeada”. Qual é a preocupação que eu vejo? É não ter dinheiro público que onere o fiscal para fazer estímulos para segmentos, setores. Nós estamos fazendo políticas horizontais. Não tem setor A, B, C ou D. É inovação, descarbonização, produtividade, exportação.

Valor: Além da questão fiscal, outro assunto que tem gerado preocupação é a possibilidade de aumento do crédito subsidiado, e isso de alguma maneira atrapalhar a condução da política monetária. Existe esse risco?

Alckmin: Não existe. Vou repetir: não haverá aporte do Tesouro no BNDES, e só haverá TR para inovação. Aquela coisa antiga da TJLP acabou. Você tem hoje TLP [taxa do BNDES próxima das taxas de mercado]. O que nós queremos é que os juros sejam mais baratos para todo mundo. Ninguém tem mais compromisso com a responsabilidade fiscal do que eu. São Paulo foi nos meus quatro mandatos [como governador] um exemplo de responsabilidade fiscal. Nós tivemos superávits altíssimos pagando a dívida rigorosamente em dia com o governo federal.

Valor: Há algum temor de que as políticas de conteúdo local da NIB esbarrem nas regras da OMC?

Alckmin: O Brasil internalizou essas regras em 2004, então está tudo rigorosamente dentro das normas comerciais. Aliás, agora em janeiro saiu uma publicação do FMI [Fundo Monetário Internacional] sobre distorções concorrenciais: subsídio, crédito, subvenção, tudo. Metade [das medidas] está na China, nos Estados Unidos e na União Europeia. Eles têm 48% [das medidas]. Então estamos sendo absolutamente cautelosos.

Valor: Essa questão da política de conteúdo local também não dificulta o acordo entre Mercosul e União Europeia?

Alckmin: Não acredito que isso seja um problema para limitar o acordo. O que nós tivemos até o ano passado foi uma postura mais cautelosa da Argentina, e também da França, que eu acho que é perfeitamente contornável.

Valor: Mercadante defendeu que o Brasil volte a construir navios. O senhor não teme que outros setores pressionem para entrar na nova política?

Alckmin: O Brasil fabrica até avião, que é muito mais complexo. Agora é necessário ter cautela. Política industrial tem que ser calibrada. Precisamos aproveitar nossas vantagens competitivas, que é onde a indústria vai crescer. Por exemplo, agroindústria. Vamos fortalecer essa cadeia, agregar valor. Em vez de soja, vamos exportar óleo combustível, combustível para aviação. Mas não podemos ser preconceituosos em relação a estímulos necessários para uma nova tecnologia. Lá atrás, energia solar e eólica eram caríssimas, tinham dificuldades. Hoje nos últimos leilões de energia solar o megawatt hora foi R$ 150. Na energia nuclear é R$ 600. É hora do hidrogênio verde, da indústria se descarbonizar.

Valor: Na cidade de São Paulo, o senhor está apoiando Tabata Amaral na disputa para a prefeitura, e Lula está com a chapa Boulos-Marta Suplicy (PT). Essa divisão não fortalece o bolsonarismo na principal disputa para Lula?

Alckmin: Separo claramente eleição municipal, estadual e nacional. Lá atrás, o PSDB [legenda anterior de Alckmin, atualmente no PSB] sempre ganhou o governo de São Paulo, mas tinha dificuldade na capital. Na Bahia, o PT tem ganhado o governo estadual, mas tem dificuldade na capital [Salvador]. O povo separa as coisas.

Valor: Lula pediu para o senhor renunciar ao apoio a Tabata ou convencer o PSB a apoiar Boulos?

Alckmin: Não pediu.

Valor: Acha que vai chegar o momento em que ele fará esse pedido?

Alckmin: Sempre que podemos, trabalhamos juntos. Em Osasco [na Grande São Paulo], o PT vai ter um candidato competitivo [Emídio de Souza] e nós vamos apoiá-lo. Agora você tem um quadro multipartidário, que o tempo até vai corrigir [com a cláusula de barreira].

Valor: O senhor não participa do núcleo de conselheiros políticos do presidente no Palácio do Planalto, formado só pelos ministros do PT. Por quê?

Alckmin: Primeiro, quem ganhou a eleição presidencial foi o PT. É natural que o partido que vence a eleição tenha uma participação específica. Eu tenho um nível de participação enorme, é difícil um dia em que o presidente não me chame. Ontem [quarta] ele me chamou lá no gabinete para reunir com o [Ricardo] Lewandowski, que vai assumir o Ministério da Justiça. Já fui titular, prefeito e governador, e fui vice-governador. Quem tem de estar na ribalta é o titular, não é o vice. Nossa tarefa é trabalhar e ajudar.

Valor: Concluída a nova política industrial, qual sua próxima missão no governo?

Alckmin: Essa proposta é o início, não é o fim. Agora é trabalhar, cotidianamente, para as coisas avançarem. É um trabalho permanente, não tem como tirar coelho da cartola. É todo dia trabalhar para avançar na produtividade, competitividade, resolver gargalos, desburocratizar, resolver o custo Brasil.

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