Valor Econômico
Operação da PF confirma a tendência de o
Judiciário ser determinante na política do Rio de Janeiro neste ano
A operação da Polícia Federal contra o
deputado federal Alexandre Ramagem (PL) na quinta-feira confirma a tendência de
o Judiciário ser determinante na política do Rio de Janeiro neste ano. Há uma
cronologia de episódios potencialmente explosivos que confluíram no cenário
local em apenas um mês, antes de chegar ao pré-candidato à prefeitura da
capital chancelado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Exatamente uma semana antes foi a vez de os federais baterem à porta do colega de bancada de Ramagem, Carlos Jordy, pré-candidato avalizado por Bolsonaro à Prefeitura de Niterói. Duas outras investigações lançam sombras sobre a política local. São de origem estadual, mas federalizaram-se. O impacto delas dependerá de bombas de tempo que ainda não detonaram.
A aguardada delação do miliciano Zinho, que
se entregou à Polícia Federal há exatamente um mês para não ser capturado pela
Polícia Militar do Rio de Janeiro, pode fornecer informações sobre
financiamentos de campanha, propinas a políticos e corrupção no aparelho de
segurança do Estado.
Ainda não se conhecem os termos da
colaboração premiada de Ronnie Lessa, o atirador que matou a vereadora Marielle
Franco em 2018. Teria sido fechada nas últimas semanas. Paira a suspeição como
mandante do crime sobre Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do
Estado, que em entrevistas afirmou que, se for delatado, é porque Lessa quer
proteger alguém. É muito provável que quem quer que venha a ser implicado nesse
caso procure implicar outras pessoas.
São portanto quatro usinas gerando energia a
ser transmitida para o cenário político, de modo simultâneo. Ramagem é
investigado por supostamente ter comandado um suposto esquema de arapongagem
dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Jordy está envolvido no
inquérito de atividades antidemocráticas e os dois últimos casos podem revelar
simbiose entre o crime organizado e o mundo institucional. De longe, dos quatro
casos, o de Ramagem é o que mais pode ter desdobramentos no quadro nacional.
O despacho da decisão do ministro do Supremo
Tribunal Federal Alexandre Moraes e a petição do procurador-geral da República,
Paulo Gonet, deixam patente que a Abin durante o comando de Ramagem não apenas
teria monitorado ilegalmente adversários políticos, como o então governador do
Ceará Camilo Santana (PT) e o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo
Maia, mas ido além disso.
A Abin teria tentado relacionar o próprio
Moraes e o ministro do STF Gilmar Mendes a uma facção criminosa e buscado
informações sobre uma promotora do MP do Rio de Janeiro que participava da
investigação sobre o assassinato de Marielle. Em sendo comprovado, é um ataque
direto ao Judiciário, patrocinado por aquele que é o principal candidato aliado
de Bolsonaro nas eleições municipais deste ano.
Torna-se ainda um dos elementos que leva a
Polícia Federal, a PGR e Moraes à conclusão de que há sinais de que a Abin
teria sido aparelhada para agir como um braço político do governo. Além de se
intrometer em investigação de homicídio que não tinha sido federalizada, a Abin
também teria produzido peças de defesa para os filhos do presidente que estavam
sendo investigados em outras instâncias. Nada disso tem relação com as
atribuições legais da Abin, conforme anotou Gonet em sua manifestação.
Moraes não atendeu ao pedido dos
investigadores para suspender o mandato de Ramagem e proibi-lo de se ausentar
do Distrito Federal, o que significaria a sua liquidação política imediata. Mas
ressalvou que “a hipótese poderá ser reanalisada”.
O ministro do STF traçou uma risca de giz em
torno de Ramagem, e ao fazer isso limitou indiretamente o grupo de Bolsonaro. O
deputado que comandou a Abin é um expoente da bancada alinhada ao ex-presidente
de modo muito distinto ao dos “influencers” semi-amadores que proliferam na
Câmara. Ramagem é integrante da Comissão Mista de Controles de Atividades de
Inteligência, e nessa posição fiscaliza a própria Abin a partir do Legislativo.
Moraes estabeleceu que todas as respostas que
Ramagem receber de requerimentos parlamentares feitos à Abin, Polícia Federal,
CGU e PGR precisam ser previamente submetidos a ele. O despacho registra que
Ramagem esteve presente na sessão da comissão de controle externo que ouviu o
depoimento do atual diretor da Abin, Luiz Fernando Corrêa, sobre as
investigações das quais ele próprio é alvo.
O caso envolvendo Ramagem portanto, pode ter
duas camadas de consequências: além de poder inviabilizar sua candidatura no
Rio de Janeiro, abre uma nova ofensiva contra Bolsonaro, além das já
existentes.
A semelhança com o drama que se desenrolou há
exatos 50 anos nos Estados Unidos é total. A descoberta do uso de instituições
do Estado para investigar adversários, atrapalhar inquéritos e servir a uma
campanha eleitoral fez com que o presidente Richard Nixon renunciasse em 1974
para evitar um impeachment, no escândalo Watergate. Um bom filme sobre o tema,
“Todos os Homens do Presidente”, ganhou quatro estatuetas do Oscar em 1977.
Sabe-se portanto como este enredo termina, quando os pesos e contrapesos das instituições
de um país estão funcionando.
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