sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

César Felício - Ramagem e os 50 anos do caso Watergate

Valor Econômico

Operação da PF confirma a tendência de o Judiciário ser determinante na política do Rio de Janeiro neste ano

A operação da Polícia Federal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL) na quinta-feira confirma a tendência de o Judiciário ser determinante na política do Rio de Janeiro neste ano. Há uma cronologia de episódios potencialmente explosivos que confluíram no cenário local em apenas um mês, antes de chegar ao pré-candidato à prefeitura da capital chancelado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Exatamente uma semana antes foi a vez de os federais baterem à porta do colega de bancada de Ramagem, Carlos Jordy, pré-candidato avalizado por Bolsonaro à Prefeitura de Niterói. Duas outras investigações lançam sombras sobre a política local. São de origem estadual, mas federalizaram-se. O impacto delas dependerá de bombas de tempo que ainda não detonaram.

A aguardada delação do miliciano Zinho, que se entregou à Polícia Federal há exatamente um mês para não ser capturado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, pode fornecer informações sobre financiamentos de campanha, propinas a políticos e corrupção no aparelho de segurança do Estado.

Ainda não se conhecem os termos da colaboração premiada de Ronnie Lessa, o atirador que matou a vereadora Marielle Franco em 2018. Teria sido fechada nas últimas semanas. Paira a suspeição como mandante do crime sobre Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, que em entrevistas afirmou que, se for delatado, é porque Lessa quer proteger alguém. É muito provável que quem quer que venha a ser implicado nesse caso procure implicar outras pessoas.

São portanto quatro usinas gerando energia a ser transmitida para o cenário político, de modo simultâneo. Ramagem é investigado por supostamente ter comandado um suposto esquema de arapongagem dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Jordy está envolvido no inquérito de atividades antidemocráticas e os dois últimos casos podem revelar simbiose entre o crime organizado e o mundo institucional. De longe, dos quatro casos, o de Ramagem é o que mais pode ter desdobramentos no quadro nacional.

O despacho da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre Moraes e a petição do procurador-geral da República, Paulo Gonet, deixam patente que a Abin durante o comando de Ramagem não apenas teria monitorado ilegalmente adversários políticos, como o então governador do Ceará Camilo Santana (PT) e o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, mas ido além disso.

A Abin teria tentado relacionar o próprio Moraes e o ministro do STF Gilmar Mendes a uma facção criminosa e buscado informações sobre uma promotora do MP do Rio de Janeiro que participava da investigação sobre o assassinato de Marielle. Em sendo comprovado, é um ataque direto ao Judiciário, patrocinado por aquele que é o principal candidato aliado de Bolsonaro nas eleições municipais deste ano.

Torna-se ainda um dos elementos que leva a Polícia Federal, a PGR e Moraes à conclusão de que há sinais de que a Abin teria sido aparelhada para agir como um braço político do governo. Além de se intrometer em investigação de homicídio que não tinha sido federalizada, a Abin também teria produzido peças de defesa para os filhos do presidente que estavam sendo investigados em outras instâncias. Nada disso tem relação com as atribuições legais da Abin, conforme anotou Gonet em sua manifestação.

Moraes não atendeu ao pedido dos investigadores para suspender o mandato de Ramagem e proibi-lo de se ausentar do Distrito Federal, o que significaria a sua liquidação política imediata. Mas ressalvou que “a hipótese poderá ser reanalisada”.

O ministro do STF traçou uma risca de giz em torno de Ramagem, e ao fazer isso limitou indiretamente o grupo de Bolsonaro. O deputado que comandou a Abin é um expoente da bancada alinhada ao ex-presidente de modo muito distinto ao dos “influencers” semi-amadores que proliferam na Câmara. Ramagem é integrante da Comissão Mista de Controles de Atividades de Inteligência, e nessa posição fiscaliza a própria Abin a partir do Legislativo.

Moraes estabeleceu que todas as respostas que Ramagem receber de requerimentos parlamentares feitos à Abin, Polícia Federal, CGU e PGR precisam ser previamente submetidos a ele. O despacho registra que Ramagem esteve presente na sessão da comissão de controle externo que ouviu o depoimento do atual diretor da Abin, Luiz Fernando Corrêa, sobre as investigações das quais ele próprio é alvo.

O caso envolvendo Ramagem portanto, pode ter duas camadas de consequências: além de poder inviabilizar sua candidatura no Rio de Janeiro, abre uma nova ofensiva contra Bolsonaro, além das já existentes.

A semelhança com o drama que se desenrolou há exatos 50 anos nos Estados Unidos é total. A descoberta do uso de instituições do Estado para investigar adversários, atrapalhar inquéritos e servir a uma campanha eleitoral fez com que o presidente Richard Nixon renunciasse em 1974 para evitar um impeachment, no escândalo Watergate. Um bom filme sobre o tema, “Todos os Homens do Presidente”, ganhou quatro estatuetas do Oscar em 1977. Sabe-se portanto como este enredo termina, quando os pesos e contrapesos das instituições de um país estão funcionando.

 

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