Valor Econômico
Volta dos trabalhos legislativos agita
Brasília
Sempre falta animação no pré-carnaval de
Brasília. Mas não neste ano. Na política, pelo menos, há grande agitação em
torno da volta dos trabalhos do Congresso. A grande dúvida é como estarão as
relações entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado Arthur
Lira (PP-AL), presidente da Câmara, depois dos vetos às propostas que ampliam o
poder dos parlamentares na gestão dos recursos do Orçamento.
Por parte do Palácio do Planalto, a expectativa de auxiliares diretos de Lula é que o presidente da Câmara passe a adotar o que, na visão deles, seria um posicionamento menos ambíguo. Já pelo lado das lideranças do Centrão, espera-se que o governo passe a cumprir com mais rapidez os acordos fechados. Torcem para que a situação da Funasa, a Fundação Nacional da Saúde, seja resolvida antes da quarta-feira de cinzas.
Interlocutores de Lula reconhecem que Lira
tem contribuído para a aprovação das ações centrais do governo.
A pauta econômica é o maior exemplo, a
despeito de um ou outro atrito. Há poucos dias, o presidente da Câmara
respondeu em tempo real o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que em
entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, afirmara ter fechado um
acordo com Lira para limitar a R$ 20 bilhões os incentivos previstos no
Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). “Ele não combinou
comigo. Combinou R$ 25 bilhões com o Congresso”, rebateu o deputado ao site
“Poder360” durante o programa, levando o ministro a fazer novo comentário sobre
o tema logo na sequência. O assunto estará novamente em pauta a partir de
fevereiro.
No retorno do recesso, o governo também
dependerá de Lira para concluir a tramitação de projetos que fazem parte da
agenda de transição energética. E espera atenção a outros itens da pauta
econômica, como a reforma tributária.
A relação dos dois começou melhor do que o
previsto. Aliado do então presidente Jair Bolsonaro (PL), Lira foi a primeira
autoridade brasileira a parabenizar Lula pela vitória no segundo turno da
eleição de 2022, em um gesto que ajudou a barrar eventuais contestações do
resultado. Não citou o nome do petista, é verdade, mas em um ágil
pronunciamento reconheceu a vitória do “presidente eleito” e declarou que era
“hora de desarmar os espíritos e estender a mão aos adversários”.
Ao longo do ano passado, contudo, ocorreram
altos e baixos. Enquanto o Centrão pressionava pela rápida nomeação de
vice-presidentes na Caixa Econômica Federal, o que só ocorreu no início de
2024, um ou outro revés era imposto ao governo na Câmara. Indicações do Centrão
à Esplanada dos Ministérios também demoraram a sair.
“Lula, por tudo o que passou e pela
experiência que tem, não se deixar intimidar com o tempo”, explica um
interlocutor do presidente da República. E ele acrescenta: o calendário de 2024
joga contra Lira, cujo mandato de presidente da Câmara acaba no início do ano
que vem. “Já é fevereiro. Tem agora o Carnaval, depois mais um feriado, festas
juninas [que são importantes para os parlamentares do Nordeste e esvaziam o
Congresso] e logo novo recesso parlamentar. Depois, eleição municipal”, lista.
Um outro auxiliar direto de Lula diz que a
insatisfação do Centrão com os articuladores políticos do Planalto deve ser
vista como natural, uma vez que o governo anterior cedeu a condução da agenda
legislativa para os partidos aliados que seguraram Bolsonaro no cargo. Esse
modelo está sendo revisto e uma reação era inevitável. Conclusão: hoje está
descartada uma troca na articulação do governo e, se Lula o fizesse, seria para
continuar tendo um político experiente na função. A ideia é manter o anteparo que
visa proteger o gabinete presidencial de pressões políticas diretas.
Para essa fonte, “Lira está com a ampulheta
virada”. Por isso, insiste, é preciso entender se o alagoano irá se aproximar
mais do Palácio do Planalto, o que pode ajudá-lo em seu projeto de eleger-se
senador em 2026, ou reforçará laços com a oposição. Neste caso, o movimento
pode ser útil para construir a candidatura de seu sucessor na presidência da
Câmara.
É justamente por esse motivo que o Planalto
pretende manter distância das articulações para a sucessão da Mesa Diretora da
Casa, que já ocorrem. Do contrário, será sugado para uma eventual crise. “Se
tem alguém que pode acabar com um governo é o presidente da Câmara”, pondera
uma fonte do governo.
O presidente da Câmara manterá forte
influência sobre o andamento da pauta congressual, ao longo de um ano que já
começa tenso devido à briga pela ascendência sobre o Orçamento. Enquanto não se
sabe o destino dos vetos presidenciais à criação das emendas de comissão e à
maior impositividade das emendas parlamentares, segue o baile de máscaras ao
som de Chico Buarque.
“Quem é você? Diga logo que eu quero saber o
seu jogo”, diz o compositor no início da canção. “Mas é carnaval, não me diga
mais quem é você. Amanhã tudo volta ao normal, deixa a festa acabar, deixa o
barco correr... Deixa o dia raiar, que hoje eu sou da maneira que você me quer.
O que você pedir eu lhe dou, seja você quem for, seja o que Deus quiser”.
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