Valor Econômico
Anúncio da semana passada foi incompleto, mas
a promessa é de que não se aceitará a repetição da gastança vista nas
iniciativas anteriores
Torneiro mecânico, com a carreira política
forjada em portas de fábrica no ABC paulista, Luiz Inácio Lula da Silva levou
mais de um ano para anunciar seu plano de “neoindustrialização”. Chegou
incompleto, como ficou claro no anúncio, na semana passada. Serão necessários
ainda 90 dias para lhe dar carne e osso.
Na falta de informações, a Nova Indústria
Brasil (NIB), como foi batizada, é criticada pelo que pode vir a ser e pelo que
pode deixar de entregar. Afinal, não se sabe.
Ao trazer à tona a ideia de um “Estado empreendedor” e colocar compras governamentais, exigência de conteúdo nacional e empréstimos subsidiados como ferramentas para apoiar o desenvolvimento de cadeias produtivas nacionais, a nova política industrial pareceu a reedição de sua desastrosa versão anterior, que trouxe prejuízos aos cofres públicos e esteve no centro das investigações da Lava-Jato.
A quantidade de autoridades que precisaram
vir a público dizer que não é a mesma coisa mostra o tamanho da desconfiança
despertada.
O próprio Lula pareceu ter dúvidas durante o
anúncio da NIB. Não em relação às suas conexões com o passado, mas quanto à sua
evolução. Afirmou ser necessário um acompanhamento que permita exigir
cumprimento das ideias discutidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Industrial (CNDI), para que se tenha algo concreto daqui a três anos.
Como revelaram os repórteres Renan Truffi e
Fabio Murakawa, deste jornal, antes do anúncio Lula se irritou com as metas
muito “soltas”. Por exemplo: elevar as propriedades da agricultura familiar
mecanizadas de 18% para 70% em uma década (detalhe: 95% seriam de produção
nacional).
Também esse ponto a nova política parece
repetir o passado: anúncios de metas ambiciosas que não saem do papel.
A NIB se apoia em linhas de crédito do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Financiadora de
Estudos e Projetos (Finep) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação
Industrial (Embrapii). Tem como “missões” fortalecer a produção nacional de
alimentos, medicamentos, vacinas, equipamentos médicos e equipamentos de
defesa, além de avançar na digitalização de empresas, na descarbonização e no
bem-estar nas cidades.
É possível que, no detalhamento, essas ideias
mostrem mais conexão com temas há muito cobrados pela indústria.
No caso dos remédios, por exemplo, o centro
das preocupações da indústria não é crédito, e sim regulação, disse à coluna o
presidente do grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri. Para ele, é urgente o
fortalecimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Aguardam análise pela agência reguladora
novos produtos que, se comercializados, movimentariam R$ 18 bilhões, informou o
executivo.
Questionada, a Anvisa informou que não tem
como confirmar ou negar a cifra, por desconhecer a metodologia de cálculo.
Disse também que aposta no aumento da força
de trabalho especializada, modernização do sistema de informação e atualização
de taxas para ganhar agilidade e eficiência. Estima faltarem 240 funcionários
para área de medicamentos. Há 653 produtos na fila aguardando análise.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI),
por sua vez, registrou em nota a importância de melhorias no campo regulatório
e no ambiente de negócios para o sucesso da política industrial. Avaliou que a
situação do país é “difícil” no quesito competitividade, por causa do elevado
custo Brasil, estimado em R$ 1,7 trilhão ao ano.
Durante muitos anos, Arcuri esteve do outro
lado do balcão. Trabalhou no governo, na pasta que agora se chama Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). Sua principal área de
atuação foi justamente a política industrial.
“Obviamente, há coisas que saíram errado”,
disse, ao avaliar as políticas do passado. “Mas aí é preciso distinguir o joio
do trigo e fazer o que é necessário e correto”, disse, ao falar dos empréstimos
com subvenções.
Havendo transparência, avaliou, essas
operações não representam favorecimento. São instrumento utilizado em vários
países e do qual o Brasil não deve abrir mão, se quiser se inserir nas cadeias
internacionais de forma competitiva.
Os subsídios ao crédito são vistos com
preocupação por especialistas em contas públicas. Menos pelo que está anunciado
e mais por ser uma possível janela para futuras expansões de gastos públicos.
Pelas contas da CNI, os subsídios aos
empréstimos previstos no NIB deverão somar R$ 1,9 bilhão ao ano. E compara: os
financiamentos anuais à agricultura envolvem R$ 11 bilhões.
Números pequenos perto do que já custou ao
Tesouro o Programa de Sustentação de Investimentos (PSI), de 2008. Até agora, a
conta de subvenções chegou a R$ 342,3 bilhões.
São muitas as dúvidas e as desconfianças a
serem esclarecidas ao longo das próximas semanas a respeito da nova política
industrial. Mas há uma certeza: a de que não se aceitará a repetição da
gastança.
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