Alta na percepção de corrupção traz custo ao Brasil
O Globo
Recuo do país em ranking global expõe
enfraquecimento de instituições de controle depois da Lava-Jato
O Judiciário — em especial os tribunais
superiores — deveria dar atenção à última lista de percepção da corrupção
global preparada pela Transparência Internacional. A sensação de um ambiente
contaminado por negociatas tem custo enorme para a reputação brasileira e
afasta empresas e investidores sérios do país.
Numa escala em que zero é o cenário menos e
cem o mais corrupto, o Brasil ficou com 36 pontos. Caiu dez
posições, para o 104º lugar entre 180 países. Merece reflexão o
histórico dos últimos dez anos. Em 2014, início da Operação Lava-Jato, eram 43
pontos. De lá para cá, a trajetória, com altos e baixos, foi descendente. Os
piores resultados aconteceram em 2018 e 2019, quando a pontuação foi 35,
patamar equivalente ao atual.
Medir corrupção é das tarefas mais difíceis. Negociatas são feitas nas sombras justamente para ficarem longe do escrutínio público. Paradoxalmente, um aumento no combate à corrupção pode, com a revelação dos esquemas, contribuir para a percepção de que houve aumento na roubalheira. Um ranking que apenas somasse os valores descobertos em operações ilegais penalizaria os países dispostos a coibi-las. Por isso a análise baseada em percepção, de preferência com prazo mais alongado, é medida mais precisa.
O efeito da Lava-Jato foi inequívoco no caso
brasileiro. Embora a governança das estatais nunca tenha sido exemplar, a
extensão dos desvios na Petrobras despertou incredulidade. Fora do círculo
criminoso, poucos imaginavam que estivesse na casa dos bilhões. Com as
investigações e condenações, os brasileiros tiveram a esperança de ver
criminosos de colarinho branco enfim punidos com o rigor da lei. Mas os erros
do então juiz Sergio Moro e dos procuradores abriram espaço a um contra-ataque
no meio político e no Judiciário. A reação representou um retrocesso que tenta
apagar tudo o que veio à tona — e enfraqueceu mecanismos institucionais que
disciplinam a relação entre as empresas e o Estado.
A Transparência dá uma série de exemplos
dessa erosão. Houve, nas palavras do relatório Retrospectiva Brasil 2023,
desmanche provocado pela “ingerência sistemática” em instituições como
Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal e Abin. No próprio Judiciário,
a partir da reviravolta dos casos da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal,
ficou patente um recuo sistemático — e não apenas nos processos da Lava-Jato.
“Talvez os exemplos mais graves tenham sido as ações sob relatoria do ministro
Dias Toffoli”, afirma o relatório. Monocraticamente, ele atendeu a demandas
“que tiveram imenso impacto sobre a impunidade de casos de corrupção que
figuraram entre os maiores da história mundial”. Em setembro, Toffoli anulou
todas as provas da delação da Odebrecht. Em dezembro, noutra decisão
provisória, suspendeu as parcelas da multa de R$ 10,3 bilhões que a J&F
pagava no âmbito da Operação Greenfield.
As duas medidas, que deveriam ser avaliadas
por um colegiado de ministros, dão apenas um exemplo da frustração que se
abateu sobre quem vira na Lava-Jato a esperança contra mazelas históricas do
capitalismo brasileiro. A derrocada no ranking da Transparência não será
revertida enquanto a Justiça não demonstrar à sociedade que o respeito — sempre
necessário — aos direitos dos réus e investigados não equivale à impunidade.
Ainda é possível escrever uma história diferente.
É indevido governo ironizar adversário por
ação da PF
O Globo
Referência velada em campanha da dengue faz
piada com tema sério e alimenta teorias sem fundamento
É legítima e necessária a operação da Polícia
Federal (PF) que investiga a suspeita de que a Agência
Brasileira de Inteligência (Abin)
tenha montado um esquema durante o governo Jair
Bolsonaro para monitorar clandestinamente parlamentares,
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e adversários políticos do então
presidente. Mas o governo Luiz Inácio Lula da Silva erra ao usar, de forma
dissimulada, canais oficiais de comunicação para tirar proveito político dela.
A conta
oficial do governo numa rede social ironizou a ação contra o vereador Carlos
Bolsonaro (Republicanos), um dos alvos da operação da PF na
segunda-feira. Depois de um irônico “toc, toc, toc”, o perfil oficial escreveu:
“Quando os agentes comunitários de saúde baterem à sua porta, não tenha medo,
apenas receba-os”. Embora falasse de dengue, a indireta era evidente. A PF
estava nas ruas batendo na porta dos Bolsonaros para cumprir mandados de busca
e apreensão. O “toc, toc, toc” fazia referência velada a um discurso da
ex-deputada federal Joice Hasselmann, antiga aliada que se transformou em desafeto
do clã Bolsonaro. Em 2022, ela cogitou na Câmara uma possível operação contra
Bolsonaro com as seguintes palavras: “Seis horas da manhã, toc, toc, toc, três
batidinhas na porta. Aí quem está do lado de dentro pergunta: 'Quem é?’. A
resposta:‘É a Polícia Federal’."
O próprio ministro-chefe da Secretaria de
Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, reconheceu em postagem que a
campanha tenta aproveitar “as janelas de oportunidades e fluxos que a
comunicação digital precisa considerar”. “É como se tivesse um trem em alta
velocidade passando. Se eu ficar na frente sou atropelado. Se eu embarco junto,
viajo na velocidade do trem e levo a minha mensagem. A mensagem principal é a
dengue, o trem é a pauta do dia”, escreveu.
O expediente da campanha dissimulada já fora
usado em março do ano passado, quando uma postagem da Secom convocando para a
declaração do Imposto de Renda perguntava: “E aí, tudo joia?”, alusão ao caso
dos presentes recebidos por Bolsonaro, que suscitaram outra operação da PF.
Com esse tipo de estratégia de comunicação, o
governo erra duplamente. Primeiro, porque o anúncio oportunista prejudica as
investigações da PF, já que o uso político reforça a acusação da oposição de
que a operação não passa de perseguição a Bolsonaro e a Alexandre
Ramagem, ex-diretor da Abin, pré-candidato à Prefeitura do Rio.
Segundo, porque o governo faz piada com um assunto sério, a escalada dos casos
de dengue, para tripudiar sobre adversários políticos. Em vez de produzir
ironias, deveria preocupar-se em desenvolver campanhas para conscientizar a
população e evitar mortes.
As suspeitas sobre atividades de uma “Abin
paralela” espionando adversários do governo são graves e precisam ser apuradas
em toda a extensão. Para que as investigações sejam bem-sucedidas, é
fundamental agir com isenção e transparência, sem revanchismo. O governo
ajudaria se ficasse calado e deixasse a PF trabalhar em paz.
Melhoram as perspectivas para a economia
global
Valor Econômico
Para FMI, Fed e BCE baixarão juros no segundo
semestre
Os riscos para a economia global diminuíram e
se tornaram equilibrados, avalia o Fundo Monetário Internacional (FMI), em uma
guinada em relação às perspectivas traçadas em outubro, quando eram
desfavoráveis ao crescimento. Em sua reavaliação de início de ano, o FMI prevê
agora uma expansão mundial 0,2 ponto percentual maior, de 3,1%, acompanhada de
um declínio da inflação global para 4,9%. A avaliação do Fundo corrobora a
linha delicada na qual o Federal Reserve americano e os demais bancos centrais
caminham: uma redução antecipada dos juros seria um erro, tanto quanto a
manutenção de um aperto por mais tempo do que o necessário. Hoje, o Fed e o
Banco Central do Brasil decidem o futuro das taxas no curto prazo.
A visão do Fundo de um cenário que agora é
mais otimista do que há seis meses difere das expectativas do mercado. Tanto o
BC americano como o europeu manterão o aperto monetário do jeito que está até o
início do segundo semestre - os investidores apostam que em março ou abril o
afrouxamento começará nos dois lados do Atlântico - para então ser abrandado.
Isso será resultado de um declínio acentuado da inflação global, que recuará
para 4,9% este ano.
Na projeção do Fundo, 80% dos países
experimentarão uma inflação menor, tanto no índice cheio quanto em seu núcleo.
Entre as economias que seguem o regime de metas de inflação, o índice estará
0,6 ponto percentual acima do alvo no último trimestre do ano, em comparação
com uma distância de 1,7 ponto percentual no fim de 2023. A maior parte dos
países atingirá a meta em 2025.
Essa perspectiva se baseia no fato de que os
juros cairão em 2024 e 2025 e que os preços das commodities, energéticas ou
não, também serão menores neste e no próximo ano. A tendência, pelas projeções
da instituição, não será prejudicial ao Brasil, um grande exportador de
commodities. O país crescerá mais do que o previsto anteriormente este ano
(1,7% ante 1,5% em outubro) e avançará 1,9% em 2025.
Se as nuvens estão menos carregadas agora, como diz Pierre-Olivier Gourrinchas, economista-chefe do Fundo, isto não significa que os riscos se tornaram menores. Os ataques aos petroleiros no Mar Vermelho e a possibilidade de uma escalada de conflitos no Oriente Médio são um sinal claro de que choques geopolíticos poderão provocar altas expressivas nos preços das commodities e causar interrupções sérias da oferta de suprimentos para todos os países. Os preços dos fretes já subiram bastante e não há sinais de que o confronto possa se encerrar tão cedo.
Depois de quedas importantes da inflação em
toda parte, não está garantido que esse comportamento prosseguirá até que os
índices se adequem às metas dos bancos centrais. A inflação ensaiou um repique
na Europa e Estados Unidos, impulsionada pelos serviços, que têm maior
resistência à queda, em especial diante de um mercado de trabalho aquecido. O
FMI alerta que os reajustes salariais na zona do euro podem pressionar os
preços, o que obrigará as autoridades monetárias a jogarem na retranca e
retardar a queda dos juros.
A percepção dos investidores sobre o ritmo de
queda dos juros é outro risco - eles podem estar otimistas demais. A previsão
de uma redução maior e mais veloz do que a indicada pelos sinais dados pelos
BCs, que tem tornado mais benignas as condições financeiras, pode se frustrar.
Nesse caso, os juros podem voltar a subir, obrigando os governos, que hoje
estão altamente endividados, a buscar uma consolidação fiscal mais rápida, que
pesaria negativamente sobre o crescimento.
A China é outro fator de preocupação
evidente. A intensificação da crise de seu setor imobiliário pode reduzir o
crescimento do país e, em decorrência, a expansão global. O socorro financeiro
para evitar uma explosão da bolha, já usado outras vezes, adiaria, mas não
resolveria o problema. De outro lado, se os preços dos imóveis continuarem a
desabar, deve haver sérios problemas financeiros nos bancos estatais,
estendendo a crise para toda a economia. De qualquer forma, o FMI conta com uma
queda dos preços das commodities, parcialmente gerada por uma menor expansão
chinesa - com recuo de 5,2% em 2023 para 4,6% este ano e 4,1% em 2025.
Os riscos “positivos” são um processo de
desinflação acelerada, que jogaria no chão as taxas de juros antes do previsto,
depois do maior e mais rápido aperto monetário em 40 anos. O maior ano
eleitoral da história, envolvendo quase metade da população do planeta, é
propício ao expansionismo fiscal, estimulando o crescimento em vários países -
embora deva deixar um rastro de dívidas e inflação que trarão problemas mais à
frente.
O comércio global, porém, não tem futuro promissor. Até 2025 crescerá bem abaixo da taxa histórica de 4,9% (3,3% este ano, 3,6% no próximo), pressionado pela rivalidade EUA-China. Países levantaram 3.200 novas restrições ao comércio em 2022 e 3 mil em 2023, ante 1.100 em 2019. O protecionismo está em alta, um péssimo sinal.
Mais corrupção
Folha de S. Paulo
Piora em ranking decorre de pacto de
impunidade entre políticos e autoridades
Não há de ter causado surpresa a piora
acentuada do Brasil no mais recente ranking de percepção da corrupção divulgado
pela Transparência Internacional. Na relação de 2023, o país perdeu dez
posições e apareceu na desonrosa 104ª colocação, entre 180 nações
avaliadas.
O levantamento anual da renomada organização
computa o resultado de questionários aplicados a especialistas e executivos de
empresas sobre como percebem a corrupção nos países em que atuam. É um modo
engenhoso de tentar aferir um fenômeno que escapa das contabilidades oficiais.
A trajetória do indicador brasileiro
corrobora a impressão de que as expectativas sobre a prevenção e a punição dos
crimes do colarinho branco atingiram o pico em 2014. Naquele ano fora
deflagrada a Operação Lava Jato, na esteira do julgamento do mensalão, que
condenou à prisão figuras antes tidas como intocáveis pela lei penal.
Já no fim da década passada, o escore do
Brasil havia baixado para o nível em que se arrasta desde então. Tirou nota 36,
de um máximo de 100, no primeiro ano do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT). Perdeu dois pontos em relação a 2022, enquanto a percepção sobre
outras nações melhorou, daí a queda no ranking.
No relatório em que apresentou os dados de
2023, a Transparência Internacional mostra-se
solidamente informada sobre as causas da deterioração brasileira. O
pacto da impunidade é uma obra coletivamente empreendida por representantes de
todo o espectro político-partidário e ideológico, bolsonaristas e petistas,
juízes e congressistas, autoridades e oligarcas.
A corrosão da autonomia do procurador-geral
da República iniciou-se com Jair Bolsonaro (PL), que desprezou a lista tríplice
de servidores do Ministério Público para nomear Augusto Aras. Lula seguiu os
passos do seu antecessor no Planalto para ungir Paulo Gonet.
O petista também se manteve alinhado a
Bolsonaro ao priorizar lealdade e compadrio político nas escolhas para o
Supremo Tribunal Federal. A corte reverteu, numa série de julgados coletivos e
individuais, várias decisões e teses que puniam e desestimulavam maracutaias
nas camadas elevadas do poder.
O Congresso
perdeu a compostura e encheu-se de verbas com controle próprio,
difíceis de rastrear. Os partidos se locupletaram de dinheiro dos impostos, e
seus chefões movimentarão sem maiores importunações R$ 5 bilhões nas eleições
municipais deste ano.
Tudo isso ajudou a multiplicar as
oportunidades de negociatas com orçamentos e regramentos estatais e a reduzir a
probabilidade de os delinquentes terminarem na cadeia. O Brasil voltou a ter um
solo mais fértil para a corrupção.
Dengue anunciada
Folha de S. Paulo
Explosão de casos era previsível; agilizar
vacinação poderia ter salvado vidas
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
causou algum burburinho com uma mal disfarçada referência, em publicidade sobre
a dengue, à operação da Polícia Federal que teve como alvo o vereador Carlos
Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Em vez de usar o grave problema de saúde
pública para politicagem contra rivais do presidente, a gestão petista deveria
ter tomado medidas de precaução para a explosão anunciada da doença.
Como mostrou a Folha, a partir de dados
do Ministério da Saúde, oito estados e o Distrito federal mostram alta
de 100% ou mais de casos neste início de ano.
A região Sul apresentou 10.961 diagnósticos
de dengue na primeira quinzena de janeiro, o que representa um salto de 958% em
relação ao período correspondente de 2023. No Brasil, o aumento foi de 105%,
passando de 27.076 no ano passado para 55.584.
A alta é comum no início de cada ano, com
pico em março. A explosão da doença em janeiro de fato está fora da curva,
contudo foi
praticamente prevista pela Organização Mundial de Saúde.
Em janeiro do ano passado, a OMS emitiu
alerta sobre "ameaça pandêmica" da dengue. Em julho, apontou que 2023
poderia ter números recordes no mundo devido ao El Niño, que eleva temperaturas
e incidência de chuvas.
A piora global tem como causas mudança
climática, urbanização crescente e aumento de circulação de pessoas.
Desmatamento e saneamento precário também elevam taxas de contaminação.
No Brasil, quase 50% da população não tem
acesso a redes de esgoto, e a derrubada de matas para construção de moradias
irregulares grassa nos centros urbanos.
Se medidas em infraestrutura demandam tempo,
outras podem ser tomadas de imediato, como campanhas de conscientização,
vigilância de habitações, incremento logístico e de pessoal nas redes de
atendimento e distribuição de vacinas. Nesta última, porém, o governo falhou
fragorosamente.
Em março de 2023, a Anvisa permitiu a venda
do imunizante japonês Qdenga. Mas o processo kafkiano que autoriza a oferta
pelo SUS só foi concluído em dezembro.
Agora, a farmacêutica só consegue entregar 5 milhões de doses até novembro. Como são necessárias duas doses, apenas 2,5 milhões de brasileiros serão imunizados. Fica o aprendizado de conhecimento notório: procrastinar na área da saúde coloca vidas em risco.
Uma tarefa coletiva
O Estado de S. Paulo
O desequilíbrio estrutural entre receitas e
despesas não será revertido sem que Executivo, Legislativo e Judiciário assumam
a responsabilidade de rever seus gastos de forma realista
O País encerrou o ano com um déficit primário
de R$ 230,5 bilhões, o pior resultado desde 2020, quando teve início a pandemia
de covid-19. É o equivalente a 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB).
Diante da repercussão negativa da notícia, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cobrou da opinião pública que levasse em
consideração o fato de que o Executivo optou por pagar o calote imposto pelo
governo anterior, de Jair Bolsonaro, aos credores de precatórios e aos
governadores.
“Desses R$ 230 bilhões, praticamente metade é
pagamento de dívida do governo anterior e que poderia ser prorrogado para 2027.
Nós achamos que não seria justo com quem quer que fosse o presidente na
ocasião”, afirmou Haddad. “A opinião pública, formada e informada, deveria
levar em consideração esse gesto do governo de colocar ordem nas contas no
primeiro ano de governo.”
Antes mesmo de ser apresentada, no fim de
2021, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios foi duramente
criticada por este jornal. Nos estranhos tempos bolsonaristas, até mesmo o
dever do Executivo de pagar débitos em dia, em cumprimento a decisões judiciais
já transitadas em julgado, foi relativizado por motivos eleitoreiros – e,
diga-se de passagem, com o aval da maioria da Câmara e do Senado.
Felizmente este erro foi corrigido. A
regularização dos precatórios atrasados de 2022 e 2023 e a antecipação dos
débitos deste ano custaram R$ 92,3 bilhões aos cofres públicos, valor que ficou
fora da apuração da meta por autorização do Supremo Tribunal Federal (STF).
Excluídos os precatórios, portanto, o rombo fiscal atingiu R$ 138,1 bilhões, ou
1,27% do PIB, nas contas do Tesouro Nacional. Como a meta ajustada admitia um
rombo de até R$ 213,6 bilhões, o governo julga ter feito um excelente trabalho,
embora o próprio ministro tenha se comprometido a perseguir um déficit de 1% do
PIB.
Como era previsível, os bolsonaristas
criticaram duramente o déficit, comparando-o ao superávit registrado em 2022,
último ano do governo Bolsonaro. Obviamente, a claque bolsonarista ignorou o
fato de que esse superávit não teria sido possível sem o calote dos precatórios
que a administração petista acabou de reverter.
Já os petistas dizem que o déficit entregue
no primeiro ano do governo Lula da Silva poderia ter sido muito menor não
fossem despesas que foram propositadamente antecipadas para facilitar o alcance
da meta nos próximos anos.
Reconhecer que o desequilíbrio fiscal é
estrutural e ultrapassa diferentes governos não é motivo para mudar a meta.
Mesmo que atingi-la seja desafiador, mantê-la é a melhor maneira de conter os
excessos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Cumpri-la, no entanto,
requer ações efetivas, e não recorrer a calotes, manobras, desculpas, descontos
e toda sorte de interpretações criativas.
Para isso, é imperativo enfrentar as despesas
de uma forma mais realista. Se é verdade que as políticas públicas que compõem
o Orçamento não podem sofrer cortes radicais como os propostos por Bolsonaro em
programas como o Farmácia Popular, sob pena de inviabilizá-los, também é fato
que os gastos autorizados pela emenda constitucional da transição foram muito
além do que o necessário para recompor esses programas.
Enquanto as despesas aumentaram 12,5% em
relação a 2022, já descontada a inflação, as receitas tiveram queda de 2,8%, a
despeito de todo o esforço do ministro Haddad para recuperá-las sem aumentar
impostos.
Alcançar as metas fiscais e reverter a
trajetória de crescimento da dívida demandará bem mais que contingenciamentos.
O problema não vem de hoje, e a tarefa não é apenas do Executivo. O Congresso
prega um discurso a favor da responsabilidade fiscal, mas não abre mão dos
recursos para emendas parlamentares e o fundão eleitoral, enquanto o Judiciário
e o Ministério Público consumiram 1,6% do PIB em 2021, quatro vezes mais que a
média mundial. Sem um esforço coletivo, a conta não fecha.
O populismo de sempre
O Estado de S. Paulo
A cada episódio de violência na Cracolândia,
renova-se a aposta no uso de força policial como solução simples para um
problema complexo. Isso só funciona como parolagem eleitoreira
A irrupção de mais um caso de violência na
região central da capital paulista, ocorrido na manhã do sábado passado, quando
uma loja de materiais eletrônicos foi saqueada por frequentadores da
Cracolândia, evidenciou que tanto o governador Tarcísio de Freitas
(Republicanos) como o prefeito Ricardo Nunes (MDB) estão totalmente perdidos na
formulação de políticas públicas inteligentes e coordenadas para acabar com
aquela tragédia social, econômica e sanitária – ou ao menos mitigá-la – e
revitalizar o centro histórico da cidade de São Paulo.
Passadas as primeiras horas do ataque,
Tarcísio prometeu enviar mais tropas da Polícia Militar (PM) em socorro do sr.
João Paulo Souza, dono da loja invadida, e de outros comerciantes da região.
“Teremos ações de aumento do efetivo para botar mais policiais nas ruas”, disse
o governador, anunciando, ainda, a instalação de uma companhia da Força Tática
da PM numa das vias que recebem o chamado “fluxo” da Cracolândia.
Ninguém com juízo haverá de ser contra o
aumento do policiamento ostensivo numa região que sabidamente necessita de mais
policiais para coibir a ação de criminosos. O problema é que o governador teve
mais de um ano para planejar uma intervenção mais ampla e duradoura na
Cracolândia. Mas, talvez afinado pelo diapasão eleitoral, tudo o que tem a
oferecer é a “cavalaria” sob seu comando, para delírio dos que apostam na
truculência como a melhor forma de abordagem de um problema muitíssimo complexo
cuja solução requer ações multidisciplinares. Força policial, por si só, jamais
funcionou e jamais funcionará na Cracolândia.
Talvez sem se dar conta do que estava
dizendo, na entrevista que deu a este jornal, o secretário estadual de
Desenvolvimento Econômico, Jorge Lima, lamentou há poucos dias que “o centro de
São Paulo é lindo, mas acabou”. Falando como se não fizesse parte do governo do
Estado, ente responsável, portanto, por oferecer segurança a todos os que
desejam viver e trabalhar em São Paulo, o sr. Lima reconheceu que, “se criarmos
um plano de atratividade, o investidor vem”. Que plano é esse, ninguém sabe.
Afirmando estar “doido para ter um hotel cinco-estrelas na região”, o
secretário ainda especulou que, “se amanhã abrir cassino no Brasil, cabe um
cassino no centro” – como se o degradado centro paulistano pudesse se converter
em Monte Carlo apenas pela vontade do governo.
O fato é que, durante a campanha eleitoral de
2022, o então candidato Tarcísio de Freitas colocou o fim da Cracolândia como
uma das prioridades de seu futuro governo. A mesma promessa fora feita por
Ricardo Nunes quando este assumiu a Prefeitura, em maio de 2021. Fazia sentido.
Afinal, cada dia em que a Cracolândia segue como uma espécie de enclave no
centro da maior metrópole do País – habitado por dependentes químicos em
estágio avançado e por criminosos que exploram sua miséria física e psíquica
por dinheiro – é um dia a mais em que parece não haver alguém no comando nem no
Palácio dos Bandeirantes nem no Edifício Matarazzo.
Até agora, porém, tanto Tarcísio como Nunes
foram incapazes de apresentar aos paulistanos algo remotamente parecido com um
plano inteligente para lidar com a Cracolândia em todas as suas múltiplas
dimensões – não apenas como um problema de segurança pública. A cada crise na
região, o governador limita-se a anunciar o reforço de intervenções policiais
que não só estão longe de ser a solução ideal para o problema da Cracolândia,
como ainda alimentam a espiral de violência que tem minado, uma a uma, todas as
potencialidades de desenvolvimento da região central há mais de três décadas.
Qualquer pessoa de boa-fé entende que a
Cracolândia é um problema de alta complexidade, cuja solução demanda a
coordenação entre diferentes áreas da administração pública. Mas Tarcísio
prometeu resolvê-lo. E não faltam ao Estado que ele governa recursos humanos e
financeiros para fazê-lo. Se o governador não quer que sua promessa seja
ressignificada como oportunismo eleitoral, passa da hora de apresentar um plano
abrangente e definitivo para essa chaga paulistana.
Deboche antirrepublicano
O Estado de S. Paulo
A Lula da Silva e Paulo Pimenta convém
lembrar: ironia e comunicação pública são incompatíveis
A Secretaria de Comunicação Social da
Presidência (Secom) achou adequado debochar do ex-presidente Jair Bolsonaro
usando, para isso, uma campanha de utilidade pública. O caso diz respeito à
batida da Polícia Federal numa das casas da família Bolsonaro na investigação
sobre o suposto uso da Abin pelo ex-presidente. No momento em que as redes
sociais se mobilizaram para comentar o episódio, o governo petista aproveitou a
publicação de um post de campanha contra a dengue para tripudiar das agruras da
família Bolsonaro. Além do cinismo evidente, trata-se de atitude
antirrepublicana, deplorável por definição.
O post mostrava a imagem de um homem batendo
à porta com as palavras “toc, toc, toc” e o enunciado: “Quando os agentes
comunitários de saúde baterem à sua porta, não tenha medo, apenas receba-os”. A
onomatopeia foi previsivelmente interpretada como uma referência a um discurso
da então deputada Joice Hasselmann, em 2022, sobre a iminência de uma possível
operação contra Bolsonaro.
A nomenklatura lulopetista poderia argumentar
tratar-se de uma mera coincidência – não fosse o histórico de artimanhas
produzidas pelos criativos instalados no Palácio do Planalto, algumas das quais
repletas de ironia, zombaria e referências veladas à família Bolsonaro e
adversários. Quando Bolsonaro ficou inelegível, por exemplo, o perfil oficial
do governo, a título de festejar a redução do preço da gasolina, exclamou
“grande dia” – em referência nada sutil à frase que o ex-presidente costumava
usar para comemorar notícias favoráveis ao governo e reveses de adversários. Em
outra campanha, destinada a alertar a população a declarar o Imposto de Renda,
os redatores lulopetistas trouxeram uma pergunta: “E aí, tudo joia?”. O post
foi publicado durante a investigação sobre as joias recebidas por Bolsonaro da
Arábia Saudita.
Se essas brincadeiras no perfil oficial do
governo já causam espanto, mais espantoso ainda é o próprio ministro Paulo
Pimenta, da Secom, jactar-se de que se trata de método perfeitamente válido.
Feito um aluno orgulhoso do que acabou de aprender, disse: “Difícil para quem
raciocina em uma linguagem analógica tradicional entender o papel dos
algoritmos nas ‘janelas de oportunidades e fluxos’ que a comunicação digital
precisa considerar. (...) É como se tivesse um trem em alta velocidade
passando. Se eu ficar na frente sou atropelado. Se embarco junto, viajo na
velocidade do trem e levo junto a minha mensagem. A mensagem principal é a
dengue, o trem é a pauta do dia”. Mais claro a respeito de seus verdadeiros
propósitos, impossível.
Ironia e deboche são incompatíveis com uma comunicação pública, impessoal, republicana. Fazer referências, mesmo indiretas, a um adversário é converter canais governamentais em palanques digitais. Na sua obsessão para atingir o bolsonarismo, o governo recorre às mesmas práticas que dizia condenar na gestão anterior. No fim das contas, o post só reafirma a ideia de que, para o lulopetismo, a máquina do Estado deve estar a serviço não dos cidadãos, mas do partido.
É preciso concluir a reforma tributária
Correio Braziliense
O governo se movimentou e em meados de
janeiro criou os grupos de trabalho com estados e municípios para fixar a
legislação para regular a reforma tributária sobre o consumo
O Congresso retoma suas atividades na prática
na segunda quinzena de fevereiro, mas antes mesmo da volta às votações em
comissões e no plenário, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), convocou uma reunião de líderes partidários para a próxima
segunda-feira. Na pauta, estará o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
às emendas de comissão ao sancionar o Orçamento de 2024, retirando R$ 5,6
bilhões dos deputados e senadores em ano eleitoral. E, aí, há um risco para
toda a sociedade, não apenas pelo fato de uma tensão entre Executivo e
Legislativo ser sempre um fator de instabilidade para investidores e
empresários, mas sobretudo porque esse ambiente pode contaminar as votações dos
projetos destinados a regulamentar a reforma tributária, alardeada por todos
como a grande transformação vivida pelo Brasil nos anos recentes.
A previsão é de que 60 dias após a
promulgação da reforma tributária o governo envie ao Legislativo os projetos de
lei que vão regulamentar as novas normas tributárias do país, incluindo as
alíquotas da cobrança única da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal
e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) estadual e municipal, que deve ficar
próxima a 27,5%, e a questão dos incentivos fiscais, com potencial de gerar uma
judicialização do tema. Setores que devem ser afetados, sobretudo nos serviços,
estão emitindo alertas para o risco de se eliminar benefícios para baratear os
custos da conta de água, por exemplo.
Isento do Imposto sobre Mercadorias e
Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), o
fornecimento de água e esgoto deve passar a contribuir com a alíquota cheia
(27,5%), elevando o custo para os consumidores. Não é algo que deva ocorrer no
curto prazo, mas que se não for regulamentado agora, para que os incentivos
permaneçam, haverá a penalização dos consumidores a partir de meados de 2033,
quando ICMS e ISS devem ser efetivamente extintos. Este é apenas um ponto. Como
ele, há outros que precisam de regulação complementar.
O governo se movimentou e em meados de
janeiro criou os grupos de trabalho com estados e municípios para fixar a
legislação para regular a reforma tributária sobre o consumo, com prazo de 60
dias para entrega das proposta de texto legal que precisam ser enviados ao
Congresso em até 180 dias após a promulgação da reforma em 20 de dezembro de
2023. A intenção do Executivo é receber as propostas para então formular os
projetos de lei que Câmara e Senado terão de aprovar para completar a reforma
tributária do ponto de vista legal.
A expectativa é de que essas propostas sejam encaminhadas e votadas neste ano, que será encurtado pelas eleições municipais. Para tanto, é necessário que deputados e senadores considerem que a reforma tributária é uma proposta para o Brasil e não exclusiva do governo. A promessa dos parlamentares é bloquear votações de interesse do governo por causa do veto às emendas e à desoneração da folha de pagamentos. É preciso que a reforma seja regulamentada o quanto antes, uma vez que o período de transição é muito longo e haverá a convivência de dois regimes tributários por um bom tempo. Concentrados apenas em reagir contra o Planalto, parlamentares não podem agir contra o Brasil.
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