segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Fernando Gabeira - A fronteira com o Equador

O Globo

A produção e a distribuição de drogas são um dado essencial não apenas na economia, mas na vida social de nosso continente

Tinha vários temas na cabeça e, de um modo geral, isso é bom. No entanto não posso escapar do Equador. O que aconteceu lá é importante para o Brasil e também para os Estados Unidos e a Europa, mesmo que se finjam de mortos.

A produção e a distribuição de drogas são um dado essencial não apenas na economia, mas na própria vida social de nosso continente. O impacto delas na vida dos outros países é menor que aqui, onde muita gente morre ou é subjugada nas áreas ocupadas pelo tráfico. O caso brasileiro é especial. Por aqui passam rotas de drogas, e o país tornou-se o segundo maior consumidor mundial de cocaína.

Outro dia, escrevi um artigo comparando alguns pontos da violência no México com o Brasil. O Equador tornou-se uma espécie de novo México. Atos de terrorismo para demonstrar força não são inéditos no Brasil. Recentemente, a milícia da Zona Oeste do Rio incendiou um grande número de veículos na cidade. Seu líder hoje está preso. Mas o domínio territorial do crime permanece inalterado.

Já escrevi sobre como as milícias ameaçaram a produção de energia solar na Região Metropolitana do Rio. Queriam dinheiro. Na semana passada, uma obra pública em Piedade, Zona Norte do Rio, foi ameaçada por três homens: o preço para finalizá-la seria R$ 500 mil.

A infiltração nas instituições é uma realidade no Equador. Mas também é no Rio. O governo quer o controle das penitenciárias no Equador, mas será que o governo brasileiro realmente controla as nossas?

Há muito o que fazer para que saiamos dessa situação. Não temos fronteiras físicas com o Equador. Mas há fronteiras simbólicas marcadas por um estado de coisas que existe também na Colômbia, na Bolívia, no Peru, na Venezuela.

Hoje a Amazônia brasileira é um espaço por onde transita o crime transnacional. Estados do Nordeste foram profundamente alterados pela presença de rotas especiais e pelo deslocamento de fortes organizações do Sudeste.

Em algumas situações, é inegável a boa vontade do governo. As operações de emergência para proteger os ianomâmis, em Roraima, foram um esforço extraordinário em dinheiro e recursos humanos. Mas, um ano depois, os garimpeiros continuam donos da região.

Misturo temas para mostrar que eles nos revelam lições comuns. Garimpeiros ilegais, traficantes de drogas e milícias podem ser combatidos momentaneamente. Terminado o combate, há uma sensação de alívio transmitida pela imprensa. Com o passar do tempo, a ilusão se desfaz.

O ideal seria sentar para definir uma estratégia considerando a segurança pública um grande problema continental. Um dos objetivos dessa estratégia, no caso brasileiro, seria recuperar o terreno perdido e restabelecer a soberania nacional em toda a extensão de nosso território.

Sou pessimista quanto ao fim do tráfico de drogas. Mas a possibilidade de recuperar seu território não é irreal. Da mesma forma, milícias podem ser neutralizadas se houver constância no combate e na ocupação real do território delas.

A recuperação do controle das penitenciárias passa por um processo complexo, que implicará investimentos e melhoria das condições. A tese de que é melhor matar os presos de fome, tortura ou doenças só fortalece a coesão interna das grandes facções criminosas, e isso acaba caindo na cabeça dos brucutus da extrema direita.

Mas Nayib Bukele conseguiu solucionar o problema em El Salvador, dirão. É verdade que avançou, mas a um preço muito alto em controle do Congresso e direitos individuais. Não existe uma só maneira de combater o crime, e ela deve levar em conta a complexidade e o estágio democrático da sociedade.

Não é um tema que possa ser resolvido por uma bancada da bala, como a que existe no Congresso. Mas é impossível ignorá-la num debate aberto. E é isso que o Equador deveria nos inspirar.