segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Marcus André Melo* - 'Reis eleitos, com o título de presidentes'

Folha de S. Paulo

Impasse nas relações Executivo-Legislativo

O modelo de Simón Bolívar para a América Latina era "reis eleitos, com o título de presidentes". Mas presidencialismo imperial é coisa do passado. Os presidentes perderam poderes discricionários e alguns constitucionais. Como no Brasil, onde as relações Executivo-Legislativo estão se reacomodando. E há confrontos.

O presidente Lula apresentou a MP da desoneração como para medir forças com os presidentes das duas Casas legislativas. Isso após ter seu veto integral a proposta derrubado no Senado. Ou seja, dobrou a aposta. O que explica esta medida audaciosa? Uma hipótese é que se trata de uma estratégia de sinalização de seu comprometimento com a responsabilidade fiscal. Espera ganhar mesmo perdendo: irá recorrer ao episódio para justificar o aumento da arrecadação em 2024.

A rigor, a estratégia de transferência da culpa já se generalizou. As queixas em relação à parlamentarização cumprem esse papel. O Congresso é bode expiatório para a corrupção, imobilismo, irresponsabilidade fiscal etc. A estratégia parece estar funcionando. O que surpreende considerando que nem os escândalos de corrupção nem o desvario fiscal em governos do PT no passado estiveram associados às emendas orçamentárias ou a medidas do próprio Congresso.

Aqui há um precedente importante. O presidente do Senado, em março de 2015, Renan Calheiros, recusou uma MP também sobre a desoneração fiscal da presidente Dilma, que teve que reenviá-la como projeto de lei. Demorou seis meses para ser aprovado e só entrou em vigor em dezembro daquele ano.

Renan alegou que "não é um bom sinal para o ajuste, para a democracia, para a estabilidade econômica, aumentar imposto por medida provisória. Qualquer ajuste tem que ter uma concertação, um pacto, tem que ouvir o Congresso Nacional".

A conjuntura era de confronto entre o PMDB e Dilma Rousseff, e começou já no seu primeiro mandato. Vale lembrar, nas eleições municipais de 2012, o PMDB fez um manifesto contra o favorecimento pelo governo de candidatos do PT em detrimento do partido, principal parceiro do governo. Como o conflito escalou é de conhecimento geral. Hoje a situação se inverteu: as emendas orçamentárias (e não só as impositivas) alimentam os parceiros da coalizão, gerando insatisfação no PT, que reclama da parlamentarização.

Sim, a MP impressiona. Faz sentido apenas o timing: os presidentes das duas Casas se tornam patos mancos em 2024. Foram fundamentais para a aprovação da PEC da Transição, do arcabouço fiscal e da reforma tributária. Quando Rodrigo Maia imperava, quem imaginaria que Lira passasse a deter tanto poder. É que seus poderes são institucionais, independe de quem ocupa o cargo.

*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

Nenhum comentário: