Folha de S. Paulo
Impasse nas relações Executivo-Legislativo
O modelo de Simón Bolívar para a América Latina era "reis
eleitos, com o título de presidentes". Mas presidencialismo imperial é
coisa do passado. Os presidentes perderam poderes discricionários e alguns
constitucionais. Como no Brasil, onde as relações Executivo-Legislativo estão se reacomodando. E há confrontos.
O presidente Lula apresentou a MP da desoneração como para medir forças com os presidentes das duas Casas legislativas. Isso após ter seu veto integral a proposta derrubado no Senado. Ou seja, dobrou a aposta. O que explica esta medida audaciosa? Uma hipótese é que se trata de uma estratégia de sinalização de seu comprometimento com a responsabilidade fiscal. Espera ganhar mesmo perdendo: irá recorrer ao episódio para justificar o aumento da arrecadação em 2024.
A rigor, a estratégia de transferência da
culpa já se generalizou. As queixas em relação à parlamentarização cumprem esse
papel. O Congresso é bode expiatório para a corrupção,
imobilismo, irresponsabilidade fiscal etc. A estratégia parece estar
funcionando. O que surpreende considerando que nem os escândalos de corrupção
nem o desvario fiscal em governos do PT no passado estiveram associados às
emendas orçamentárias ou a medidas do próprio Congresso.
Aqui há um precedente importante. O presidente do Senado, em março de 2015, Renan Calheiros, recusou uma MP também sobre a
desoneração fiscal da presidente Dilma, que teve que reenviá-la como projeto de
lei. Demorou seis meses para ser aprovado e só entrou em vigor em dezembro
daquele ano.
Renan alegou que "não é um bom sinal para o ajuste, para a democracia,
para a estabilidade econômica, aumentar imposto por medida provisória. Qualquer
ajuste tem que ter uma concertação, um pacto, tem que ouvir o Congresso
Nacional".
A conjuntura era de confronto entre o PMDB e Dilma Rousseff, e começou já no seu primeiro mandato. Vale
lembrar, nas eleições municipais de 2012, o PMDB fez um manifesto contra o
favorecimento pelo governo de candidatos do PT em detrimento do partido,
principal parceiro do governo. Como o conflito escalou é de conhecimento geral.
Hoje a situação se inverteu: as emendas orçamentárias (e não só as impositivas)
alimentam os parceiros da coalizão, gerando insatisfação no PT, que
reclama da parlamentarização.
Sim, a MP impressiona. Faz sentido apenas o timing: os presidentes das duas
Casas se tornam patos mancos em 2024. Foram fundamentais para a aprovação
da PEC da Transição, do arcabouço fiscal e da reforma
tributária. Quando Rodrigo
Maia imperava, quem imaginaria que Lira passasse a deter tanto poder.
É que seus poderes são institucionais, independe de quem ocupa o cargo.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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