O Globo
A produção e a distribuição de drogas são um
dado essencial não apenas na economia, mas na vida social de nosso continente
Tinha vários temas na cabeça e, de um modo
geral, isso é bom. No entanto não posso escapar do Equador. O que
aconteceu lá é importante para o Brasil e também para os Estados Unidos e a
Europa, mesmo que se finjam de mortos.
A produção e a distribuição de drogas são um dado essencial não apenas na economia, mas na própria vida social de nosso continente. O impacto delas na vida dos outros países é menor que aqui, onde muita gente morre ou é subjugada nas áreas ocupadas pelo tráfico. O caso brasileiro é especial. Por aqui passam rotas de drogas, e o país tornou-se o segundo maior consumidor mundial de cocaína.
Outro dia, escrevi um artigo comparando
alguns pontos da violência no México com o
Brasil. O Equador tornou-se uma espécie de novo México. Atos de terrorismo para
demonstrar força não são inéditos no Brasil. Recentemente, a milícia da Zona
Oeste do Rio incendiou um grande número de veículos na cidade. Seu líder hoje
está preso. Mas o domínio territorial do crime permanece inalterado.
Já escrevi sobre como as milícias ameaçaram a
produção de energia solar na Região Metropolitana do Rio. Queriam dinheiro. Na
semana passada, uma obra pública em Piedade, Zona Norte do Rio, foi ameaçada
por três homens: o preço para finalizá-la seria R$ 500 mil.
A infiltração nas instituições é uma
realidade no Equador. Mas também é no Rio. O governo quer o controle das
penitenciárias no Equador, mas será que o governo brasileiro realmente controla
as nossas?
Há muito o que fazer para que saiamos dessa
situação. Não temos fronteiras físicas com o Equador. Mas há fronteiras
simbólicas marcadas por um estado de coisas que existe também na Colômbia, na Bolívia, no Peru, na Venezuela.
Hoje a Amazônia brasileira é um espaço por
onde transita o crime transnacional. Estados do Nordeste foram profundamente
alterados pela presença de rotas especiais e pelo deslocamento de fortes
organizações do Sudeste.
Em algumas situações, é inegável a boa
vontade do governo. As operações de emergência para proteger os ianomâmis,
em Roraima,
foram um esforço extraordinário em dinheiro e recursos humanos. Mas, um ano
depois, os garimpeiros continuam donos da região.
Misturo temas para mostrar que eles nos
revelam lições comuns. Garimpeiros ilegais, traficantes de drogas e milícias
podem ser combatidos momentaneamente. Terminado o combate, há uma sensação de
alívio transmitida pela imprensa. Com o passar do tempo, a ilusão se desfaz.
O ideal seria sentar para definir uma
estratégia considerando a segurança pública um grande problema continental. Um
dos objetivos dessa estratégia, no caso brasileiro, seria recuperar o terreno
perdido e restabelecer a soberania nacional em toda a extensão de nosso
território.
Sou pessimista quanto ao fim do tráfico de
drogas. Mas a possibilidade de recuperar seu território não é irreal. Da mesma
forma, milícias podem ser neutralizadas se houver constância no combate e na
ocupação real do território delas.
A recuperação do controle das penitenciárias
passa por um processo complexo, que implicará investimentos e melhoria das
condições. A tese de que é melhor matar os presos de fome, tortura ou doenças
só fortalece a coesão interna das grandes facções criminosas, e isso acaba
caindo na cabeça dos brucutus da extrema direita.
Mas Nayib Bukele conseguiu solucionar o
problema em El Salvador, dirão. É verdade que avançou, mas a um preço muito
alto em controle do Congresso e direitos individuais. Não existe uma só maneira
de combater o crime, e ela deve levar em conta a complexidade e o estágio
democrático da sociedade.
Não é um tema que possa ser resolvido por uma
bancada da bala, como a que existe no Congresso. Mas é impossível ignorá-la num
debate aberto. E é isso que o Equador deveria nos inspirar.
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