Correio Braziliense
Se o golpe tivesse dado certo, provavelmente,
o primeiro ato seria derrubar Bolsonaro. Ele não retornaria dos Estados Unidos
A montanha de evidências e provas de que o
ex-presidente Jair Bolsonaro estava tramando, junto com alguns militares de
alta patente, um golpe de Estado, tornou-se absolutamente cristalino para quem
acompanha a política brasileira. A reunião ministerial em que o chefe assume
que vai perder a eleição, mas algo precisaria ser feito para evitar este
desfecho, é autoexplicativa. Alguns dos ministros presentes, que nada tinham a
ver com o assunto, comentaram a sua perplexidade diante do esquema preparado
com antecedência para chegar àquele teatro que foi gravado por alguém que
decidiu se prevenir.
O ex-presidente, segundo interlocutores que com ele estiveram em reuniões restritas, são unânimes em afirmar que o então chefe do governo não tinha capacidade para discutir qualquer assunto por mais de três minutos. Ele rapidamente mudava de assunto e começava a contar piadas de gosto duvidoso. Até um dirigente estrangeiro se mostrou surpreso porque na reunião com o brasileiro ouviu piadas de cunho sexista inapropriadas para aquele momento. A primeira conclusão é simples: Bolsonaro estava absolutamente despreparado para assumir o cargo de presidente da República.
Ele nunca foi chegado a uma leitura.
Desconhece os clássicos, não sabe o que é teatro e ignora a história do Brasil
e do mundo. Com palavras de calão, admitiu que por sorte (o adjetivo não foi
este) ele chegou à Presidência da República. Nos seus quatro anos de devaneio
político, este curioso personagem se recusou a trabalhar ou planejar qualquer
tipo de ação em favor do país. Destruiu a área da educação, com a nomeação de
ministros incompetentes. Na saúde, fez pior: colocou militares, que além de não
entenderem do assunto, tentaram montar um sistema de corrupção em torno da
compra de vacinas. Naturalmente, a covid-19 era uma gripezinha.
Trata-se da mais perfeita tentativa
desastrada de golpe latino-americano. Tudo errado, improvisado e, pior,
gravado. As provas são eloquentes, gritantes e condenam os personagens dessa
opereta de segunda categoria. Há rastros e pegadas por todos os lados. Agora,
que o golpe se desmanchou no ar, uns e outros se escondem atrás de explicações
duvidosas e infantis. Eram apenas golpistas desastrados que, por incompetência,
não souberam ganhar a eleição, nem dar um golpe. Em 1964, os militares tiraram
Jango do poder com apoio da classe média, dos principais jornais, do
empresariado e, importante, de Washington. Dessa vez, nada disso estava
presente.
Mas se o golpe tivesse dado certo,
provavelmente, o primeiro ato seria derrubar Bolsonaro. Ele não retornaria dos
Estados Unidos. Um dos generais de quatro estrelas assumiria o poder para
conduzir a execução da garantia da lei e da ordem. O país viveria em estado de
sítio, com Congresso fechado, interferência no Judiciário, liberdades
individuais suspensas e influência dos religiosos neopentecostais. Ou seja, os
pastores de televisão teriam importante participação na política. O Brasil, em
vez de se transformar em grande Portugal, tornar-se-ia em Brasilquistão,
controlado por mão de ferro por militares e pela moral preconceituosa dos
religiosos. O resto é fácil de intuir: censura, tortura, perseguição e cassação
de lideranças. O Exército seria transformado no maior partido político
brasileiro. O país viu este filme. E não gostou.
Esse pesadelo passou, ao menos, por agora. O
melhor sinal da mudança é que o Brasil vai receber nos dias 21 e 22 deste mês,
na Marina da Glória, no Rio de Janeiro, chanceleres das 20 maiores economias do
mundo para debater as tensões atuais e a possível reforma dos órgãos de
governança global. O ministro Sergei Lavrov, da Rússia, confirmou sua presença.
Antony Blinken, dos Estados Unidos, anunciou sua vinda. Os representantes dos
grandes do mundo vão iniciar os trabalhos para preparar o encontro dos presidentes
que deverá ocorrer em novembro deste ano. Nada disso ocorreria se o golpe
tivesse dado certo. Bolsonaro e seu extravagante ministro de Relações
Exteriores comemoravam o fato de o Brasil ter se tornado um pária mundial.
Esta reunião terá desdobramento imediato. Na
semana seguinte, Fernando Haddad receberá, em São Paulo, os ministros da
Fazenda e os presidentes de Bancos Centrais do G20 que vão traçar caminhos para
garantir o crescimento da economia mundial. Enquanto isso, Lula foi ao Egito,
passeou diante das pirâmides e teve reuniões com o presidente do país, Abdul
Fatah Khalil Al-Sisi. Depois participou da 37ª Cúpula dos Chefes de Estado e
Governo da União Africana, que reúne 55 chefes de estado do continente, em Adis
Abeba, Etiópia. A diplomacia brasileira se mexe, a política interna procura
seus limites e o país funciona normalmente. Os golpistas vestiram o pijama.
Um comentário:
Interessante! Mas não acredito que qualquer dos generais de 4 estrelas tivesse peito pra depor Bolsonaro depois do golpe. Nenhum deles teria apoio popular pra isto, e certamente faltaria coragem pra tentar! Bolsonaro é um mentiroso e CRIMINOSO, mas tem voto e apoio de 1/3-2/5 da população brasileira.
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