domingo, 11 de fevereiro de 2024

Bernardo Mello Franco – O bloco dos trapalhões

O Globo

Conspiração contra a democracia uniu coronel assustado, político que escondia pepita de ouro e chefe de espionagem que falava demais

O comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas do Exército abriu a porta, viu um agente da Polícia Federal e desmaiou. Parece piada, mas aconteceu na manhã de quinta-feira, em Goiânia.

O tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida foi treinado para desestabilizar o inimigo, manipulando corações e mentes com técnicas de guerra híbrida. Ao se ver na mira da PF, ficou pálido, tremeu nas bases e perdeu os sentidos.

O oficial desfalecido foi um dos alvos da Operação Tempus Veritatis, destinada a investigar a tentativa de golpe. A ação foi estrelada por outros personagens inusitados, como um político flagrado com ouro de contrabando e um chefe de espionagem repreendido por falar demais.

Augusto Heleno comandou o Gabinete de Segurança Institucional. Dava ordens ao diretor da Abin e era responsável pelo aparato de inteligência do governo de Jair Bolsonaro.

Em reunião com mais de 30 participantes, o general contou que estava pronto para infiltrar arapongas nas campanhas dos candidatos da oposição. Num surto de lucidez, o capitão pediu que ele interrompesse o sincericídio. “A gente conversa em particular, na nossa sala, sobre esse assunto”, suplicou.

Valdemar Costa Neto é o dono do PL. Em 2002, alugou a legenda ao petismo e apoiou a primeira eleição de Lula. Vinte anos depois, fez negócio com Bolsonaro. Vestiu a camisa amarela e se converteu ao extremismo de resultados.

Escolado na matéria, o ex-deputado não se assustou com a chegada da PF, mas foi surpreendido ao saber que iria em cana de novo. Ao vasculhar sua casa, a PF encontrou uma arma com registro vencido e uma pepita de ouro desviada de garimpo.

Não há dúvida de que os bolsonaristas conspiravam contra a democracia. Desde a operação de quinta, o enigma é outro: entender por que o ex-presidente permitiu que uma reunião para tramar um golpe fosse gravada em vídeo.

Aliados dizem que seu escudeiro Mauro Cid tinha o hábito de filmar todas as atividades para alimentar as redes sociais. O tenente-coronel, que já havia sido flagrado contrabandeando joias e falsificando cartão de vacina, guardou a prova do crime no computador pessoal. Uma ajuda inestimável aos policiais e procuradores que atuam no caso.

Em tempo de carnaval, os golpistas que ainda não foram presos poderiam formar o Bloco dos Trapalhões. Seria engraçado se a turma não tivesse chegado tão perto de jogar o país num estado de exceção.

O exemplo do Chile

O funeral do ex-presidente Sebastián Piñera foi marcado por uma civilidade que anda em falta na política sul-americana. Sem maquiar as divergências, o presidente Gabriel Boric e a antecessora Michelle Bachelet fizeram discursos generosos sobre o antigo adversário.

Piñera era um político de direita, mas sempre teve compromisso com a democracia. Em 2019, reprovou insultos de Bolsonaro a Bachelet e ao pai dela, que foi torturado e morto pela ditadura de Pinochet.

 

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