sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Vera Magalhães - No STF, Dino reforçará o 'alexandrismo'

O Globo

Novo ministro será um reforço à ala ‘antigolpe’ do STF, que tem referendado decisões de Moraes e deve se manter monolitica por bastante tempo

Foi-se o tempo em que era possível traçar uma risca de giz no chão do plenário do Supremo Tribunal Federal e separar os ministros chamados garantistas dos punitivistas — que, no intervalo entre 2014 e 2019, também ganharam a alcunha de lavajatistas.

O declínio da Lava-Jato, que coincidiu com os anos Jair Bolsonaro, em que o STF foi instado a agir como barreira de contenção não apenas em relação ao golpismo eleitoral, já na reta final, mas também em questões ambientais, sanitárias e direitos dos povos indígenas, entre outros, tornou essa distinção superada, para usar um adjetivo caro aos magistrados em seus debates no plenário.

A necessidade de impor ao Executivo limites que não eram dados pela Procuradoria-Geral da República, na maior parte do período sob o comando de Augusto Aras, ou pelo Congresso, cooptado à base de orçamento secreto, fez sumirem arestas antigas entre integrantes dos dois blocos antes vigentes e surgirem novas alianças e novos líderes.

É nesse Supremo pós-garantista que Flávio Dino chega, rompendo alguns ritos, como os longos rapapés na sessão de posse, e dando preferência a não realizar o tradicional rega-bofe em que juízes, procuradores, advogados, políticos e empresários, alguns dos quais com ações na própria Corte, confraternizavam e muitas vezes dividiam até os microfones em shows regados a uísque.

Se o lavajatismo é página virada, assim como a própria operação foi praticamente tornada letra morta pelas recentes anulações de decisões, outra doutrina, o “alexandrismo”, vigora com status inabalável. Assim como ocorreu na fase áurea da operação que investigou o petrolão e relações entre empreiteiras e poder público noutras empresas além da Petrobras, as decisões do ministro Alexandre de Moraes no vasto leque de inquéritos e ações presidido por ele são francamente majoritárias.

Dino será mais um integrante dessa nova corrente, que tende a, por ainda bastante tempo, chancelar sem reservas as decisões do relator da maior parte das investigações que atingem o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Isso implica dizer que serão inócuas, como têm sido até aqui, as tentativas de questionar Moraes como relator de qualquer um desses feitos, o foro dos investigados no Supremo ou mesmo a duração indeterminada de alguns inquéritos, notadamente o que foi aberto lá em 2019 e segue como uma espécie de nave-mãe da qual derivam as demais investigações.

É essa hegemonia existente no STF, que, na visão de muitos analistas e juristas, garantiu a vigência da democracia hoje, que será o foco das reclamações da oposição daqui até as próximas eleições presidenciais. A unicidade desse grupo “alexandrista”, mas também a maneira como o ministro e seus colegas conduzirão as investigações que chegam cada vez mais rápido perto de Bolsonaro, ditará a capacidade de a Corte sair ilesa e manter a disposição de “não apaziguar” nas punições àqueles que tentaram um golpe.

A História recente tem sido feita de acomodações e, não raro, de reviravoltas no próprio Supremo. O revés da Lava-Jato só chegou de verdade depois que vazaram as conversas entre integrantes da força-tarefa e o então juiz Sergio Moro. Por ora, nenhum evento do tipo “vaza-jato” parece ameaçar o cronograma muito preciso e coordenado que Polícia Federal e Ministério Público Federal cumprem para dar estofo às decisões de Moraes.

Dino será um reforço à ala “antigolpe” do STF, que chega a ter nove integrantes em alguns julgamentos. Será uma voz eloquente no plenário, porque ninguém acredita que esse início low profile, sem discurso, durará muito tempo. Ele pode até ter deixado a política, mas não a oratória. A certeza é que o ex-governador, ex-senador e ex-ministro de Lula será um alvo preferencial dos bolsonaristas, revezando com Moraes. Nada que pareça preocupá-lo, muito pelo contrário, aliás.

 

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