Folha de S. Paulo
A mudança da reeleição no poder executivo
passa mais uma vez pelos governadores
"Não tem nenhum país importante do
planeta que não tenha reeleição", disparou o presidente Lula numa roda de
senadores no Palácio da Alvorada. Lula está errado. Já discuti
aqui esta questão. Na região do mundo que concentra a vasta
maioria das democracias presidencialistas do planeta —a América Latina— os
países que ocupam o topo nos rankings de democracia —Uruguai, Costa Rica e
Chile— não permitem a reeleição imediata de presidentes. Tampouco o México,
cuja importância não precisa ser enfatizada.
Fora das Américas não há democracias presidencialistas puras. Nos regimes semipresidenciais da África, Ásia e da Europa do leste, os presidentes são criaturas institucionais radicalmente distintas. E obviamente, nas autocracias a questão perde totalmente o sentido, como assistimos agora com a farsa da reeleição de Putin e de Maduro.
A Europa é fundamentalmente parlamentarista,
e aqui não há mandato fixo para o primeiro-ministro —ele pode ser de alguns
meses ou anos. No semipresidencialismo francês e português, só é possível uma
única reeleição do presidente. Mas na França, a coabitação leva o presidente a
se resignar a conviver com um primeiro-ministro adversário nomeado pelo
Parlamento que assume o poder Executivo. Os limites aos mandatos assumem outro
sentido à luz dessa dinâmica.
Vale destacar um aspecto absolutamente
singular do caso brasileiro. A dinâmica política da discussão entre nós não
envolve apenas presidentes, mas também governadores e prefeitos, sobretudo os
primeiros. Nos EUA e Argentina, o problema não se coloca pela diversidade de
arranjos institucionais, sobretudo nesta última, onde as constituições
provinciais variam quanto à possibilidade de reeleição, à existência de
bicameralismo (várias delas têm Senado), regras eleitorais, regimes municipais
etc.
A emenda da reeleição (PEC 16/1997) em nosso
país teve apoio massivo dos governadores e prefeitos que eram titulares do
cargo. Seu efeito institucional mais amplo foi ter fortalecido o poder
Executivo vis-à-vis o Legislativo, como mostrei em "Reformas constitucionais no Brasil: instituições políticas e
processo decisório" (Revan, 2002). O efeito esperado da
vedação da reeleição ora proposta é o oposto: reduzir o poder de fato do
Executivo pelo efeito pato manco. O cálculo individual do apoio no caso atual
passa mais uma vez pelos governadores, com base nos possíveis cenários para a
eleição de 2026, mesmo que a proposta de mudança preveja a vedação só a partir
de 2030.
A proposta de vedar a reeleição consecutiva
do poder Executivo no país está atrelada à simultânea sincronização das
eleições legislativas, de difícil viabilização, mas poderá caminhar sozinha.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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