Valor Econômico
Indicadores atuais têm semelhança assustadora
com os graves problemas da década passada no Brasil
Também conhecida como uma recessão de ajuste
de balanço. Ocorre quando uma parte considerável das empresas reduzem seu
endividamento, vendendo ativos, cortando gastos e investimentos e atrasando
fornecedores e bancos, com impactos adversos no setor bancário e na atividade
econômica. É definida como um período em que a relação crédito/PIB cai um
décimo ou mais.
Os Estados Unidos tiveram uma desalavancagem na década de 1930, o Reino Unido na década de 1950, o México na década de 1980 e o Japão na década de 1990. O Brasil teve um evento de desalavancagem na década passada. A relação crédito/PIB da pessoa jurídica caiu de 28% em 2015 para 22% dois anos depois.
Cada caso é um caso. As causas que
catalisaram o processo nos EUA foi a crise na Bolsa em 1929; no Reino Unido, o
superendividamento durante a Segunda Guerra Mundial; no México, inflação,
déficits gêmeos e preços de petróleo; e no Japão, uma bolha imobiliária.
Em todos, se observou uma reação equivocada
da política econômica, o efeito dominó em toda a cadeia produtiva, prejuízos
vultosos para bancos e estagnação e recessão. Houve uma destruição de riqueza
em que a intermediação financeira e a sociedade foram prejudicadas. Os números
ilustram o que aconteceu no Brasil.
As perdas de crédito (write offs) dos bancos
saltaram de R$ 98,4 bi em 2014 para R$ 134,5 bi no ano seguinte e para R$ 146,5
bi no outro. Mesmo com as perdas, o sistema bancário permaneceu solvente. O
mais grave é que o PIB encolheu 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016 e a taxa de
desocupação saltou de 6,6% em dezembro de 2014 para 12,2% dois anos depois. Uma
tragédia.
Havia indicadores antecedentes que apontavam
para problemas com o crédito. As negativações para pessoas jurídicas aumentaram
62,9% de dezembro de 2010 a dezembro de 2014. A carteira com atrasos e
inadimplência dos bancos, entre dezembro de 2012 a dezembro de 2014, aumentou
21,6% e nos dois anos seguintes, 67,8%.
Quando aumenta a inadimplência, os bancos têm
um comportamento pró-cíclico. Aumenta a demanda por ativos menos arriscados
(flight to quality) e um aperto de crédito - prazos mais curtos, taxas mais
elevadas e critérios de concessão mais rígidos. Todos procuram resolver suas
dificuldades, prejudicando o desempenho do conjunto.
São profecias que se autorrealizam. Problemas
de liquidez temporários se transformam em problemas de solvência para empresas
que sem a mudança nas condições de crédito continuariam solventes e em
expansão. O efeito dominó causado pela deterioração das condições de crédito se
propaga por toda a cadeia produtiva.
A mensagem mais importante deste artigo é que
indicadores atuais têm uma semelhança assustadora com o que aconteceu na década
passada, o que preocupa. Nos últimos 24 meses, a carteira de atrasos e
inadimplentes de PJs aumentou 103,2%, e o volume de dívidas negativadas PJs
pelo Serasa em 27,7%, num período de crescimento do PIB.
A qualidade da composição da carteira de
crédito caiu. Nos últimos 12 meses, o total do crédito PJ cresceu 1,9%; o
capital de giro caiu 6,5%, o desconto de duplicatas caiu 2,8% e o cheque
especial aumentou 16,2% e o parcelado do cartão de crédito subiu 42,1%. Note-se
que a taxa do cheque especial é 17 vezes maior que a do capital de giro.
A pressão financeira sobre o setor privado é
elevada. As receitas de crédito do Sistema Financeiro Nacional correspondem a
8,6% do PIB, ao que se deve acrescentar o IOF cobrado em quase todas as
concessões. Uma pressão adicional são as dívidas fiscais. São superiores a R$ 5
trilhões, cerca de 50% do PIB, a quase totalidade composta por multas e
correções arbitrárias.
O problema se agrava a cada dia que passa.
Com margens (spreads) cada vez mais altas, uma oferta de financiamentos
encolhendo e a inadimplência subindo e induzindo as empresas a diminuir
estoques, cortar custos, atrasar tributos e fornecedores e, em alguns casos, a
demitir e até fechar.
A questão é definir a política econômica
adequada para resolver esse problema e evitar que possa se agravar como há dez
anos. O que fazer? Há duas alternativas. Uma é ignorar o problema. Mesmo com um
agravamento do quadro, o sistema bancário vai continuar solvente, mas com uma
contribuição pífia ou negativa para o crescimento do PIB. Perdem os bancos e
perde o país.
A outra alternativa é reconhecer que o
problema existe. Três conjunto de medidas complementando a agenda do crédito do
Banco Central do Brasil e do Ministério da Fazenda podem fazer diferença e
evitar o pior: remoção do entulho inflacionário, uma nova arquitetura fiscal
tributária para o setor bancário e redução do peso da dívida.
A inadequação institucional da intermediação
financeira é a raiz mais importante dos problemas. É praticamente a mesma há
mais de trinta anos, com uma cunha bancária elevada. A tributação é perversa.
Em muitas operações a maior parte das receitas de crédito fica para o governo,
em outras em que o mutuário fica insolvente, há ainda pagamentos para o
governo.
Um exemplo emblemático é numa operação de um
dia, em que uma empresa entra no cheque especial, paga em média taxas
anualizadas de 342% para a instituição financeira acrescida de taxa anualizada
de 220,6% de IOF. A regulamentação da reforma tributária é uma oportunidade
para melhorar o quadro.
O peso da dívida pode ser reduzido com uma
revisão dos critérios de atualização de débitos fiscais - multas e correções, e
mais facilidades para renegociações, assim como medidas parecidas para dívidas
bancárias. Paradoxalmente, podem aumentar, em vez de diminuir a arrecadação
fiscal e do setor bancário com efeitos positivos na solvência do setor privado.
O foco da política econômica está na dinâmica
do déficit público e marginalmente, no setor privado, que é quem faz a economia
crescer. As ações do governo no crédito estão centradas em aprimorar a cobrança
(lei de falência e execução extrajudicial) e são praticamente omissas em
melhorar a solvência do setor privado. É possível fazer mais. Ganhariam os
bancos, o fisco, as empresas, os cidadãos e o Brasil.
*Roberto Luis Troster é economista.
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