O Globo
Muita gente diz que não assiste ao BBB de
jeito nenhum, mas, misteriosamente, o programa é, há vários anos, um enorme
sucesso
No início dos anos 1980, depois de quase dez
anos afastado da emissora, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, voltou à TV Globo,
com toda a pompa e circunstância, para apresentar aos sábados seu Cassino do
Chacrinha.
Nessa época, Chacrinha vira e mexe entregava
o Troféu Velho Guerreiro a algum cantor ou ator de novelas. Mas, no ano em que
ganhei uma porção de leões no Festival do Cinema Publicitário de Cannes, ele
resolveu me conceder um Velho Guerreiro também. Fiquei empolgado com o prêmio,
pois queria muito conhecer o Chacrinha, de quem já era fã havia muito tempo.
Como não gosto de atrasos, cheguei para o
programa antes da hora marcada e fiquei observando o trabalho da produção. Eles
estavam checando as luzes, os efeitos de gelo seco, a posição das chacretes no
palco e treinando o auditório, já lotado, para responder às perguntas do
Chacrinha, tipo “Vai para o trono ou não vai?”, e berrar “Uh uh” quando ele
gritasse “Terezinha”! Tudo milimetricamente ensaiado.
De repente, apareceu o Chacrinha, ainda não
fantasiado. Ele percebeu que eu estava observando aquilo atentamente, me
cumprimentou e perguntou:
— Gostando, Olivetto?
— Muito bem organizado — respondi.
— Sabe por que é assim organizado? Porque aí eu entro e desorganizo. Se não estiver organizado, não dá para desorganizar.
Chacrinha era um gênio que, durante bom
tempo, sofreu preconceitos. Mesmo sendo líder de audiência, havia quem dizia
não assistir a seu programa por ser popular demais. Resolveu isso com uma ideia
brilhante. Começou a mandar abraços e saudações para pessoas da alta sociedade.
— Alô, Thereza Souza Campos, como vai, vai
bem?
— Alô, Chiquinho Scarpa, como vai, vai bem?
Essa ideia não só diminuiu os preconceitos,
como também atraiu outros grã-finos para a audiência e melhorou o nível dos
anunciantes. Tudo isso — somado aos elogios dos tropicalistas e de alguns
intelectuais como os irmãos Campos — construiu a merecida reputação de
Chacrinha como grande comunicador do Brasil.
Outros grandes comunicadores e ídolos
populares também sofreram preconceitos. É o caso de Silvio Santos, sobre quem
muita gente mentia ao dizer que não assistia, quando ele já detinha a audiência
recorde das televisões ligadas em todo o país aos domingos. Ou de Raul Gil, que
os esnobes chamavam de brega, enquanto os modernos e antenados como os Titãs
adoravam ir ao seu programa.
No futebol, Galvão Bueno sempre teve como
grande mérito sua capacidade de ler o inconsciente coletivo e dizer coisas que
o mais simplório dos torcedores gostaria de dizer. Foi muito criticado por
isso, o que não interferiu em nada em sua brilhante carreira. O mesmo aconteceu
com outros comunicadores populares de enorme talento e sucesso, como Ana Maria
Braga.
Um capítulo bastante interessante da relação
da nossa sociedade com os grandes sucessos da comunicação de massa é a reação
do público masculino às novelas. Inicialmente rejeitadas pelo machismo dos
homens brasileiros e vistas como coisa de mulherzinha, as novelas só começaram
a ter alguma aceitação masculina durante o fenômeno Beto Rockfeller. Mas só
conquistaram o público masculino pra valer depois das tramas urbanas e
contemporâneas de Gilberto Braga. O livro “Gilberto Braga, o Balzac da Globo”
explica muito bem. Não deixem de ler.
Hoje em dia, o programa líder absoluto de
audiência menos assistido é o BBB — Big Brother Brasil. Muita gente diz que não
assiste de jeito nenhum, mas, misteriosamente, o BBB é, há vários anos, um
enorme sucesso.
Não vou mentir que seja apaixonado pelo BBB,
o que não é verdade, mas, como profissional de comunicação, não posso deixar de
saber daquilo que milhões de pessoas estão vendo. Por isso, de vez em quando,
dou uma espiadinha. Mesmo nos dias de hoje, quando informações e detalhes sobre
o BBB são muito fáceis de obter.
Todo dia, a mídia, principalmente a mídia
on-line, relata tudo que aconteceu ou acontecerá naquela casa. O programa
passou a ser, além de campeão de audiência eletrônica, um campeão de audiência
escrita.
Mérito de Boninho e sua equipe, que sabem que
quem não se aprimora, se estupora.
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