O Globo
A situação tende a piorar, pois os gastos
obrigatórios crescem mais rápido que o PIB e a arrecadação
Diante do colapso do Rio Grande do Sul, muita
gente aproveitou para defender a política de gastos públicos. Disseram: “Estão
vendo? O governo precisa gastar. Se não fizer isso, quem atenderá a
população?”.
Fraco argumento.
Óbvio que o governo precisa gastar. Ou terá passado pela cabeça de alguém lançar uma megaprivatização de atendimento a tragédias ambientais? Também não, claro. Isso mostra que o tema é bem mais complexo.
Comecemos, então, por outro lado. Imaginemos
que o governo federal estivesse com suas contas equilibradas, até gastando
menos do que arrecada. Teria, portanto, caixa forrado e espaço para tomar
empréstimo — e gastar uma grana pesada na reconstrução do Rio Grande e no
socorro às famílias.
Não é essa a realidade. O governo já vinha
aumentando suas despesas, em nível muito acima da arrecadação. Tem déficits
acumulados, dívida em alta. Pior ainda: o governo gasta 90% de seu orçamento
com despesas obrigatórias: pensões e aposentadorias, salários do pessoal,
programas como seguro-desemprego, benefício a idosos, Bolsa Família, educação e
saúde. Sobram míseros 10% para todo o resto: investimentos, subsídios e
créditos favorecidos a determinados setores, os diversos PACs.
O dinheiro já é insuficiente para isso, e a
situação tende a piorar, pois os gastos obrigatórios crescem mais rápido que
o PIB e
a arrecadação. Falando francamente: não tem dinheiro disponível para gastar com
o atendimento à tragédia no Sul. E, entretanto, tem de gastar.
Como? Desistindo de todos os demais
investimentos e programas, o que o governo Lula não pretende fazer, ou tomando
mais dinheiro emprestado. Endividar-se significa gastar mais com juros e
pressionar, para cima, a taxa de juros de mercado.
Pior ainda: o governo estadual e as
prefeituras também terão de gastar mais. Podem? Antes da tragédia, o governo
gaúcho já estava em recuperação fiscal. Traduzindo: não pagou suas dívidas, a
União assumiu, e o estado passou a pagar prestações mensais mais camaradas. O
governo federal já suspendeu o pagamento dessas parcelas, pelos próximos três
anos. Isso deixa R$ 28 bilhões nos cofres do estado e tira esses mesmos
recursos da receita da União. Mais déficit federal. E estadual, mais à frente.
Logo, assim como Brasília, também o Rio
Grande entra nessa história já sem dinheiro em caixa e endividado. O mesmo vale
para a maior parte das prefeituras, que só têm uma saída: arrancar dinheiro de
Brasília e pegar umas sobras do que vai para o estado.
Em muitos programas de assistência, o governo
federal oferece crédito a cidadãos e empresas, em vez de simplesmente dar
dinheiro. Os juros são subsidiados, mas quem recebe os empréstimos terá de
devolver em algum momento. Logo, o setor privado tem de se virar. Acionistas
precisarão alocar capital e fazer ajustes. O PIB gaúcho fatalmente encolherá.
Eis por que é uma grande bobagem dizer que o
governo tem de gastar. A questão é: que dinheiro, onde e como gastar?
Dizemos isso, embora óbvio, porque já se vê
por aí um pessoal sugerindo que as contas públicas estourarão por causa das
despesas com a recuperação do Sul. Não. Já estavam arrombadas. Pretendem tirar
da contabilidade o gasto com a recuperação, de modo que, legalmente, o
Orçamento estará dentro das metas. Mas, dentro ou fora dos livros contábeis, o
gasto feito gera déficit e dívida reais. E juros.
Eis por que a ministra do Planejamento, Simone Tebet,
teve a ousadia de pensar em ajuste fiscal. Só pensar, estudar como equilibrar
as contas nos próximos anos. Já sofre ataques só por isso. Ataques ideológicos
— falar de ajuste numa hora desta? — porque os números da ministra dizem o
seguinte: nessa toada, em 2028, todo o Orçamento do governo será destinado às
despesas obrigatórias. Não sobrará nada para investimentos. Muito menos para a
prevenção e cuidados com as tragédias ambientais.
Esses são os números. O resto é palavrório e
uma feia tentativa de assumir protagonismo político em meio à tragédia.
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