sábado, 18 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Não dá para tolerar reconstruções em área de risco

O Globo

Como Nova Orleans no pós-Katrina, Rio Grande do Sul deverá manter desocupadas as regiões vulneráveis

Respondendo ao clamor público diante da enchente no Rio Grande do Sul, o governo federal tem feito anúncios quase diários de ajuda para os atingidos pela catástrofe. Dinheiro é, sem dúvida, crucial para o socorro imediato e para a reconstrução do estado. Mas os recursos só contribuirão para evitar novas tragédias se as três esferas de governo aprenderem com os erros cometidos nas anteriores. É, antes de tudo, preciso desocupar áreas de alto risco. Não dá mais para tolerar casas e moradias em locais sujeitos a repetidas inundações, como partes de Lajeado e cidades vizinhas. Mesmo quando a memória da enchente de 2024 perder a força, é preciso manter desocupadas as áreas vulneráveis.

Também crucial é garantir que obras de infraestrutura tenham como foco a população mais vulnerável. Os bairros mais pobres costumam estar mais suscetíveis, como em Canoas e Eldorado do Sul. Nas regiões com baixa probabilidade de alagamento, as moradias devem ter custo baixo, preço acessível e, ao mesmo tempo, ser construídas para suportar enchentes menores. Uma medida prudente é criar áreas de refúgio para as águas em regiões desocupadas. Outra medida necessária é reflorestar as encostas nas serras, para também ajudar a reter as enxurradas.

Em certa medida, o desastre gaúcho guarda semelhanças com o provocado pelo Furacão Katrina em 2005. Nova Orleans foi inundada pela ruptura de diques, depois recebeu investimentos bilionários para a reconstrução. Passados mais de 18 anos, uma das principais lições é que os governos devem repensar a política habitacional, segundo um estudo sobre o pós-Katrina publicado em janeiro pelo Urban Institute. A população mais vulnerável não pode seguir exposta aos riscos.

Como no Rio Grande do Sul, em Nova Orleans também houve falhas no planejamento e na manutenção das barreiras destinadas a conter as águas. Passado o pior momento, políticos de todo tipo correram para dar atenção às obras de proteção. Nos Estados Unidos, o investimento superou US$ 14 bilhões. As ações foram amplas, com diques, canalizações, conservação de áreas alagadiças, sistemas de drenagem, reservatórios, bacias de amortecimento e muros. Mesmo quando gerenciadas pelos governos municipais e estadual, as fontes de financiamento federal tiveram papel relevante. O mesmo deve se repetir por aqui.

Na avaliação dos pesquisadores, todo esse esforço deu resultado. Há evidência de que aumentou a proteção contra novos eventos climáticos extremos. Uma das razões foi a diminuição do número de residências em áreas expostas a enchentes. O estudo, porém, faz ressalvas: o foco deve ser a população historicamente menos atendida pelas políticas públicas. “Um investimento mais equitativo deve priorizar as comunidades que antes tinham serviços deficitários e garantir que tenham acesso aos benefícios da infraestrutura”, dizem os autores.

Para se reerguer, o Rio Grande do Sul precisará aprender com os erros cometidos por quem já passou por experiência de mesma dimensão. O alto engajamento dos gaúchos como voluntários tem sido uma das respostas positivas à tragédia. A participação da população será fundamental na reconstrução também. Para garantir projetos habitacionais que levem em conta o risco de catástrofes, dar prioridade aos mais vulneráveis e, de quebra, coibir o mau uso do dinheiro público.

Conquista da Copa feminina merece celebração, mas exige vigilância

O Globo

Histórico de equívocos e obras abandonadas em eventos anteriores recomenda mais comedimento

Confirmando o favoritismo, o Brasil foi escolhido pela Fifa para sediar a Copa do Mundo Feminina de 2027, derrotando a candidatura conjunta de Alemanha, Holanda e Bélgica. Pesou na decisão o anfitrião dispor de infraestrutura pronta, preparada para a Copa masculina de 2014. Será a primeira vez que a competição acontecerá na América do Sul.

O anúncio é uma boa notícia. O Brasil já acumula ampla experiência na organização de megaeventos esportivos. Sediou duas Copas do Mundo (1950 e 2014), dois Pan-Americanos (1963 e 2007) e uma Olimpíada (Rio 2016). A Copa aumentará a visibilidade interna do futebol feminino, que evoluiu nos últimos anos, mas ainda tem potencial para avançar. Além disso, contribuirá para movimentar a economia das cidades escaladas para receber os jogos.

Mas o histórico de equívocos na preparação de eventos anteriores preocupa. A escolha das sedes para a Copa de 2014 obedeceu a critérios mais políticos que técnicos. Estádios portentosos foram erguidos ou reformados em cidades sem demanda para ocupá-los depois da competição. Um exemplo é o Mané Garrincha, em Brasília, cuja ociosidade não faz jus ao craque que lhe dá nome. Eventualmente, shows ou jogos de times do Rio e de São Paulo cumprem a função de encher a arena que custou R$ 1,6 bilhão e tem capacidade para mais de 70 mil torcedores.

Projetos de mobilidade que deveriam ter ficado como legado não saíram do papel. Reportagem do GLOBO mostrou que, dez anos depois da Copa de 2014, mais de um terço (38%) das obras prometidas por estados e municípios ainda não foram entregues. Um dos casos mais escandalosos é o VLT de Cuiabá (MT), orçado em R$ 1,4 bilhão. Dezenas de trens e quilômetros de trilhos foram comprados, mas depois o governo do estado decidiu mudar o projeto. A questão foi parar na Justiça, os trens foram abandonados, e a população ficou sem nada.

Os responsáveis pela candidatura brasileira afirmam que a Copa feminina aproveitará estádios existentes em dez cidades (duas a menos que em 2014). Estão planejadas apenas construções provisórias para abrigar convidados, imprensa e reuniões. Tais gastos foram orçados em meros US$ 13,3 milhões e devem, segundo os organizadores, ser bancados por patrocinadores.

É verdade que os principais estádios já foram adaptados para o padrão Fifa e, em princípio, não devem demandar gastos significativos para sediar os jogos em 2027. Mas será preciso conter o ímpeto de ministros, governadores e prefeitos ávidos por obras. As protagonistas, vale lembrar, são as atletas. O certo seria concluir o que se começou há mais de dez anos, evitando novos projetos que torram dinheiro público e são abandonados pelo caminho.

O Brasil deve celebrar a realização da décima Copa do Mundo de futebol feminino. O evento pode ser um estímulo para que milhares de meninas se tornem uma nova Marta e para que o Brasil se torne uma potência na modalidade. Mas é preciso vigilância para evitar que o evento sirva de pretexto para novos desperdícios.

Melhor rumo para novo TSE é o do comedimento

Folha de S. Paulo

Com composição alterada, corte acertará se atuar de forma mais contida e menos censória nos pleitos municipais deste ano

A partir do próximo mês, o Tribunal Superior Eleitoral terá uma nova composição, à qual caberá a tarefa mais imediata de supervisionar os pleitos municipais deste ano. É de imaginar que pode haver mudanças —em boa parte, desejáveis— na conduta da corte.

Alexandre de Moraes deixará a presidência do TSE e será substituído por Cármen Lúcia; Nunes Marques assumirá a vice-presidência; André Mendonça passará a integrar o colegiado, na condição de terceiro membro cativo do Supremo Tribunal Federal.

Isso significa que os dois ministros indicados por Jair Bolsonaro (PL) estarão com assento na cúpula da Justiça Eleitoral.

Não se pode afirmar, obviamente, que a corte se tornará bolsonarista —os magistrados nomeados pelo ex-presidente são apenas 2 dos 7 membros titulares. Mas parece razoável prognosticar um TSE menos beligerante em relação ao ex-presidente e seus aliados.

Em parte, isso ocorrerá por razões materiais. Restam apenas dois casos de alta voltagem a serem julgados, que são os pedidos de cassação dos mandatos dos senadores Jorge Seif (PL-SC) e Sergio Moro (União Brasil-PR).

A seguir, a mudança do perfil dos representantes do STF na corte eleitoral deverá pesar. Sai Moraes, aquele que os bolsonaristas consideram seu inimigo número 1, e entra em seu lugar uma juíza rigorosa, mas bem mais discreta e comedida. Nunes Marques e Mendonça, mesmo que não tivessem sido indicados por Bolsonaro, são considerados de tendência garantista.

Uma redução do protagonismo e do intervencionismo do TSE seria positiva. A democracia brasileira enfrentou recentemente uma pressão golpista e foi bem-sucedida. A cúpula do Judiciário teve papel importante na defesa das instituições, ao traçar limites e mirar indivíduos e grupos que extrapolaram no extremismo.

Desde que Bolsonaro foi derrotado nas urnas e tornado inelegível, porém, os riscos foram significativamente reduzidos. A Procuradoria-Geral da República, que se tornara um órgão omisso no governo anterior, voltou a atuar normalmente —ao menos nessa seara.

As heterodoxias emergenciais adotadas pelas cortes não mais se justificam. A credibilidade da Justiça e a própria pacificação do país requerem um Judiciário mais autocontido e menos censório.

No caso do TSE, essa tarefa é ainda mais delicada, dado que o tribunal tem o poder não apenas de julgar condutas pretéritas mas também o de regular os pleitos, criando as normas necessárias quando a lei não as prevê. Há que tomar cuidado especialmente aí.

O objetivo primeiro e inafastável da Justiça Eleitoral é fazer cumprir a vontade dos eleitores, não substituí-los nem tutelá-los.

Eleições sangrentas

Folha de S. Paulo

Sob o rastro da violência, México deve eleger primeira mulher como presidente

As eleições no México serão decididas em 2 de junho sob o signo da violência e da interferência dos cartéis do crime organizado.

Chegou-se a considerar a postergação do pleito diante dos assassinatos de 25 candidatos e de 26 pessoas ligadas a campanhas entre setembro de 2023 e abril deste ano, segundo dados da ONG mexicana Laboratório Eleitoral. A data acabou mantida, entretanto nada garante que o Estado de Direito mexicano sairá fortalecido.

A barbárie já supera a das eleições de 2018, quando o populista de esquerda Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO, chegou ao poder sob o bordão do combate aos cartéis.

Há a perspectiva de que uma mulher chegue à chefia do Executivo —ao qual cabe a política nacional de segurança pública— pela primeira vez na história do país.

Claudia Sheinbaum —ex-prefeita da Cidade do México pelo partido Morena, de seu mentor AMLO— promete dar continuidade a um governo que descumpriu sua promessa de reduzir a criminalidade, moveu militares do combate aos cartéis a cargos civis e enfraqueceu controles do sistema eleitoral.

Ao surfar na popularidade do atual presidente e no uso da máquina federal, a candidata mantém vantagem de 20 a 25 pontos nas últimas pesquisas sobre a oposicionista Xóchitl Gálvez, que pretende em seu discurso demolir os atos de AMLO, sobretudo os que debilitaram a democracia, e não dar trégua ao crime organizado.

No entanto Gálvez representa uma inusitada coalizão entre o Partido Revolucionário Institucional, que escancarou a corrupção nos seus 71 anos de domínio político do país, e seu antigo oponente Partido Ação Nacional.

Sabe-se que nenhuma das candidatas governará com maioria confortável no Congresso para impor sua agenda de segurança.

E poucos duvidarão de que o crime organizado se move, com violência ou malícia, por seus interesses nestas eleições mexicanas. Para os cartéis, tanto melhor uma gestão incapaz de combatê-los e uma democracia mais debilitada.

Vai começar tudo de novo

O Estado de S. Paulo

A troca do presidente fez a Petrobras perder R$ 34 bi em valor de mercado, mas isso é só uma fração do que a estatal perderá ao voltar a ser a vaca leiteira da demagogia lulopetista

O presidente Lula da Silva está disposto a obrigar a Petrobras a se alinhar, em ritmo e intensidade, aos projetos que considera fundamentais para seu governo, mesmo que tais projetos não sejam do interesse da empresa. Diante disso, os R$ 34 bilhões que a petroleira perdeu em valor de mercado imediatamente após a demissão sumária de Jean Paul Prates da presidência da estatal serão apenas uma fração do que a Petrobras perderá ao ser transformada, de novo, em vaca leiteira da demagogia lulopetista.

Queda de valor das ações na bolsa depois de um anúncio de mudança é uma reação previsível e até faz parte do jogo especulativo do mercado. Pelo tamanho da Petrobras, a cifra envolvida nem chega a assustar no curto prazo. O problema é o que virá depois, a médio e longo prazos. E, o que se depreende das movimentações do governo, a intenção de Lula em seu terceiro mandato é reativar a pleno vapor políticas que causaram perdas não de dezenas, mas de centenas de bilhões de reais, a maior parte delas irrecuperável.

O pior é que o rombo colossal aberto na Petrobras não trouxe as compensações sociais que prometiam as gestões petistas de Lula e Dilma Rousseff. Ao contrário, foi um jogo de perde-perde, em que os maiores lesados pela administração dolosa da empresa, além dela mesma, foram o País e os contribuintes. O desvario começou já no primeiro mandato de Lula, que vislumbrou na descoberta do pré-sal seu eldorado particular e iniciou sua jornada tão megalomaníaca quanto desarrazoada.

O espantoso é que, mesmo depois do fracasso retumbante de suas iniciativas, Lula insiste na obsessão. É o que fica claro, por exemplo, na elevação significativa do volume de investimentos previsto pela Petrobras já no primeiro ano de seu retorno ao Planalto. No fim de 2023, a empresa anunciou US$ 102 bilhões para o período 2024-2028, uma alta de mais de 30% em relação à programação anterior, que o agora ex-presidente Prates promoveu na tentativa de agradar ao chefe e se manter no cargo.

Desde 2015, a Petrobras estava optando por ciclos de investimentos abaixo da marca dos US$ 100 bilhões. Em seu período mais frenético, entre 2010 e 2014, o volume ultrapassou a marca de US$ 220 bilhões, o que mereceu destaque em um processo do Tribunal de Contas da União (TCU) que avaliou o desnível entre investimentos, endividamento e a política de preços de combustíveis – responsável pela receita – como “inequívocos sinais de ameaça à perenidade da companhia”.

Agora, Lula quer que a Petrobras acelere novamente os investimentos, para ter o quanto antes obras grandiosas para inaugurar em sua ininterrupta campanha eleitoral, como por exemplo a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e o Comperj, no Rio de Janeiro, que se transformaram em emblemas de desperdício de dinheiro e corrupção. O projeto da refinaria estimava custos em torno de US$ 2 bilhões, consumiu US$ 19 bilhões e ficou pela metade. O polo petroquímico, nem a quarta parte do previsto alcançou e engoliu outros US$ 8 bilhões, de acordo com o TCU.

O valor das perdas da Petrobras com políticas irrealistas e investimentos fracassados a partir de 2003, início do mandarinato petista, é estimado em mais de R$ 300 bilhões. Somente a contenção do preço dos combustíveis – uma política populista muito cara ao PT e que teve seu auge na gestão de Dilma – representou perda de receitas da ordem de R$ 180 bilhões. Entre 2005 e o fim de 2011, ainda de acordo com o TCU, os preços de diesel e gasolina foram mantidos praticamente no mesmo patamar, a despeito da escalada dos preços internacionais e da necessidade de financiar os maiores planos de negócios da empresa.

Nunca antes em sua história, a Petrobras se viu mergulhada em tamanha disparidade entre receitas e despesas. O objetivo da empresa, além de prover o mercado interno de combustíveis, é buscar o lucro e distribuir dividendos a seus acionistas. Cabe à União, que recebe a parte do Leão desses dividendos, dar retorno à sociedade em suas políticas públicas. Atender a objetivos macroeconômicos e sociais não é tarefa da Petrobras, ao contrário das ideias defendidas por Magda Chambriard, o próximo poste de Lula na empresa.

Tebet, um corpo estranho no governo petista

O Estado de S. Paulo

Ministra do Planejamento prepara pacote racional de corte de gastos para recalibrar o arcabouço e alcançar equilíbrio fiscal, mas respaldo de Lula e do PT parece improvável

Com apenas nove meses de vigência, o arcabouço fiscal dá mostras evidentes de não ser capaz de entregar o crescimento econômico com responsabilidade fiscal que promete, mantidos os atuais parâmetros para gastos e receitas. Os sinais preocupantes que surgem por todos os lados mostram que é preciso recalibrar as despesas públicas, que não tiveram tratamento adequado no regime fiscal do governo Lula da Silva e ameaçam comprometer o equilíbrio das contas e levar a administração federal à insolvência, afetando os investimentos públicos.

O roteiro para o necessário corte de despesas do governo, parte mais sensível e complexa do gerenciamento fiscal, coube ao Ministério do Planejamento, de Simone Tebet – que, sendo liberal, é um corpo estranho no governo lulopetista. Tebet assumiu uma solitária batalha que tende a transformá-la em bode expiatório do PT. Para indignação dos petistas, a ministra estuda ajustes para tornar viáveis os pagamentos de benefícios previdenciários e para conciliar os gastos obrigatórios, as despesas discricionárias e o custeio da máquina pública.

Utilizando projeções do Ministério do Planejamento obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação, reportagem do Estadão mostrou que até 2028 os gastos mínimos constitucionais com Saúde e Educação vão consumir 112% do espaço das despesas não obrigatórias do Orçamento federal. Os dados corroboram a necessidade de revisão dos pisos constitucionais, o que já havia sido constatado pelo Tesouro, quando propôs, no ano passado, a vinculação desses gastos ao crescimento da população, ao PIB per capita ou ao próprio arcabouço fiscal.

Outra linha mestra do plano de Tebet, a desindexação dos benefícios previdenciários do modelo de reajuste do salário mínimo, foi invalidada no nascedouro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Não vejo muito espaço, nessa seara, para discussão da questão do mínimo”, disse o ministro, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Difícil imaginar uma gestão Lula da Silva discutindo temas como a desindexação de benefícios da Previdência do salário mínimo; a vinculação de gastos com saúde e educação aos limites impostos pelo arcabouço; e a recalibragem da contribuição federal ao Fundeb, um fundo de natureza contábil voltado à educação básica. Todas compõem o cardápio de alternativas em estudos no Planejamento. Adotá-las ou não será uma decisão política do governo. Mas não parece crível esperar avaliação ponderada e criteriosa de uma administração federal que defende o gasto público irrestrito, pois, como diz Lula, não se trata de gasto, e sim de “investimento”.

Orgulhosamente desenvolvimentista e estatista, o PT atacou pesadamente o trabalho em curso no Planejamento. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, foi ao X para classificar como “muito ruins” as propostas de Tebet, que, segundo ela, “contrariam o programa de governo eleito em 2022”. Tratase de uma falácia: com o objetivo de forjar a tal “frente ampla” para derrotar nas urnas o então presidente Jair Bolsonaro, o demiurgo petista nunca foi claro sobre o que pretendia fazer na economia, e seu programa de governo era suficientemente vago para que os incautos acreditassem que, desta vez, Lula não seria Lula.

A mesma Gleisi que hoje critica a inobservância à ortodoxia petista garantiu aos partidos da suposta frente ampla que o governo, uma vez eleito, governaria com todos. O embarque de Tebet na candidatura de Lula em 2022 foi parte do processo que convenceu muitos eleitores de centro de que valia a pena correr o risco de votar no PT contra Bolsonaro porque Lula levaria em conta a visão de quem não era petista. Não é exagero dizer, aliás, que foi isso o que decidiu a eleição a favor de Lula na apertadíssima disputa contra Bolsonaro.

A equipe do Planejamento está embasando as implicações do crescimento das despesas na economia. A correção no ritmo dos gastos será a alternativa proposta a soluções paliativas ou malajambradas do passado, como a contabilidade criativa da gestão Dilma Rousseff, que gerou grave crise econômica. O governo será leviano se fugir ao debate. Simone Tebet está sentindo na pele o que é defender racionalidade dentro de um governo petista.

Molecagem

O Estado de S. Paulo

Para Guilherme Boulos, vale tudo para livrar um aliado da cassação por suspeita de ‘rachadinha’

O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) foi uma das vozes mais estridentes do País a denunciar o clã Bolsonaro, não sem razão, pela prática da famigerada “rachadinha”. O problema é que, para o sr. Boulos, parece haver “rachadinhas” e “rachadinhas”. Quando a prática criminosa – tecnicamente, uma modalidade de peculato – é cometida por seus adversários políticos, sobre eles recai toda a fúria vestal do notório líder do MTST. Já quando o suspeito é um aliado, então prevalecem a hipocrisia, a condescendência e até a molecagem.

Pois foi molecagem, não há outra forma de dizer, o que o sr. Boulos fez, na condição de relator do processo de cassação do mandato do colega André Janones (Avante-MG), para livrar a barra do parceiro do dito “campo progressista” no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, no dia 15 passado. Mais do que ignorar, o psolista distorceu uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desfavorável a Janones e ignorou olimpicamente os fortes indícios de prática de “rachadinha” que pesam contra o colega.

Esse papelão a que se prestou o deputado paulista tinha o objetivo de matar na origem o processo político contra aquele que é tido como “herói” pela esquerda por supostamente ter “salvado” a campanha de Lula da Silva nas redes sociais na eleição passada. Ademais, para sustentar sua tibieza, Guilherme Boulos tomou como verdadeira em seu relatório uma autodeclaração de inocência, ora vejam, do próprio André Janones.

À guisa de lustrar com um verniz de tecnicalidade o que não passa de reles acobertamento, pura e simplesmente, o relator do processo de cassação, ao votar para que o caso fosse arquivado, justificou que uma gravação na qual Janones pede a seus assessores que devolvam parte dos salários a ele teria ocorrido antes da assunção do mandato federal. “Antes de tudo, é preciso trazer à baila que a representação do PL (contra André Janones) traz fatos ocorridos antes do início do mandato de deputado federal do representado (em fevereiro de 2019). O próprio representado afirma isso”, disse Boulos ao votar pelo arquivamento do processo. Eis a molecagem.

A referida gravação – que revela explicitamente que Janones, de fato, pediu que seus assessores de gabinete o ajudassem a “recompor o patrimônio”, que teria sido dilapidado em função dos gastos de uma fracassada campanha nas eleições de 2016 – ocorreu quando o mineiro já era deputado federal. No áudio, como deixou claro o ministro do STF Luiz Fux ao autorizar a abertura de inquérito pedida pela Procuradoria-Geral da República, Janones apenas fazia menção aos gastos de 2016 que teriam de ser cobertos. Não se trata, portanto, do marco temporal da possível prática de “rachadinha”, como o sr. Boulos, ardilosamente, deu a entender.

Guilherme Boulos é caso perdido e só mostrou que para livrar um aliado político da cassação vale tudo, até ofender a inteligência alheia. Espera-se que seus pares no Conselho de Ética sejam mais respeitosos com os fatos e com a sociedade.

Mudanças climáticas exigem políticas de Estado

Correio Braziliense

O atual cenário climático requer políticas continuadas, para ultrapassar a economia de carbono, defender as florestas e mudar o padrão de ocupação e construção das cidades

Ninguém pode ignorar a imediata, enérgica e eficiente ação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para apoiar o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e os prefeitos da região no socorro aos atingidos pelas enchentes, mas o foco de suas ações deve ser objetivo quanto às necessidades da população e da economia gaúcha, e não aos eventuais. interesses eleitorais envolvidos.

O presidente Lula, prontamente, conseguiu aprovar uma lei no Congresso que suspendeu por três anos o pagamento da dívida do estado, num montante de R$ 23 bilhões. O auxílio emergencial de R$ 5,1 mil e outras medidas diretamente destinadas às famílias atingidas dispensam palavras para explicitar a preocupação efetiva do governo com os gaúchos flagelados. Ontem, o governo anunciou uma parcela extra do Fundo de Participação dos Municípios, no montante de R$ 192 milhões, para ajudar os prefeitos nessa emergência.

A criação de uma secretaria extraordinária, em nível ministerial, para controlar e agilizar os esforços federais era mesmo necessária. A nomeação para o cargo do ministro Paulo Pimenta, porém, foi polêmica; é vista como uma partidarização da atuação governamental. O que confirmará ou não essa interpretação será o comportamento do ministro extraordinário.

Numa democracia, toda ação administrativa tem impacto eleitoral, mas isso ocorre pelos seus resultados efetivos, e não em decorrência apenas do proselitismo ou da instrumentalização dessas ações. No caso das enchentes gaúchas, não será diferente. A politização do socorro aos gaúchos com propósitos eleitorais pode até ter um efeito bumerangue e se voltar contra seus autores, ainda mais em uma situação de destruição da envergadura que estamos presenciando. Até porque a plena recuperação do Rio Grande do Sul exigirá a atuação de vários governos e pode exigir o esforço de uma geração.

É importante destacar que a tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande Sul não tem precedentes, vai muito além das enchentes de 1941. Ela é reflexo de uma mudança significativa no regime de circulação das águas do Atlântico, provocada pelo aquecimento global. São mudanças que exigem um novo olhar dos governantes e o combate sistemático ao negacionismo ambiental.

Ou seja, requer políticas de Estado, continuadas, para ultrapassar a economia de carbono, defender as florestas e mudar o padrão de ocupação e construção das cidades. Segundo um artigo publicado em fevereiro na revista Science Advances, o braço atlântico da grande circulação oceânica que circunda os continentes está mais fraco devido ao derretimento da calota polar. Isso provoca anomalias no atual regime de chuvas e no padrão das temperaturas deste século.

O Hemisfério Norte ficará mais frio nas próximas décadas, em especial na América do Norte e no norte da Europa; e o Hemisfério Sul, mais quente. Há evidências científicas de que a Circulação de Revolvimento Meridional do Atlântico (Amoc), nome técnico do sistema, perdeu 15% de sua intensidade nas últimas duas décadas e se encontra, hoje, em seu momento mais fraco do milênio.

Essa circulação é importante para a manutenção do equilíbrio térmico do planeta. Observando as mudanças ao redor do paralelo 34,5° Sul, que passa pelo município de Chuí, no Rio Grande do Sul, e pela Cidade do Cabo, na África do Sul, o projeto captou indícios de mudança de temperatura em águas profundas na região. O Atlântico Sul está cerca de 1,6°C mais quente na faixa tropical e 1°C no restante. Pode parecer pouco, mas tem um impacto colossal: o aumento da velocidade e da potência dos ciclones e anticiclones, por exemplo. Ciclones extratropicais são geradores de tempestades. Por isso, as tempestades maiores e mais intensas no Sul, algumas no Sudeste, e as secas no Norte e Nordeste. E o aumento da temperatura das ondas e dos bolsões de calor, principalmente no centro do país.

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