Folha de S. Paulo
Para 58% nos EUA, Suprema Corte não tem se
conduzido a adequadamente
A Suprema Corte norte-americana atingiu em
2023 um dos mais baixos níveis de confiança junto à população desde que a
mensuração começou a ser feita, em 1973, pelo instituto Gallup. Enquanto 41%
dos entrevistados aprovam o trabalho do tribunal, 58% entendem que a Suprema
Corte não tem se conduzido adequadamente.
Há hoje uma percepção de que a Corte se voltou muito à direita, tornando-se "extremamente conservadora". A decisão no caso Dobbs, que transferiu aos estados o poder de regulação sobre o aborto, além de decisões graves no campo ambiental e a não responsabilização das plataformas em relação a discursos de ódio por elas veiculadas, confirmam essa guinada à direita.
A nomeação de juízes com mais compromisso
ideológico do que lealdade à Constituição, assim como a própria obstrução
realizada pelos republicanos que impediu a nomeação de um magistrado pelo
ex-presidente Obama, vem reforçando a visão de um tribunal incapaz de exercer a
sua jurisdição com imparcialidade ou ao menos com equilíbrio.
A desconfiança tem crescido, ainda, como
consequência do comportamento impróprio de alguns magistrados fora da corte.
Nesta semana, o New York Times trouxe uma
imagem de 2021 de uma bandeira dos Estados
Unidos hasteada de cabeça para baixo no jardim da casa do juiz da
Suprema Corte Samuel Alito, em Alexandria, na Virgínia. A bandeira invertida
simboliza, entre outras coisas, a reivindicação de que a eleição de Joe Biden foi
fraudada, como pontifica reiteradamente Donald Trump.
O fato é que outros magistrados também têm
deixado transparecer suas preferências políticas, sem maiores cerimônias, ainda
que pelas manifestações de seus cônjuges.
Mas a questão não é apenas de natureza
político-ideológica. Há também um problema de integridade, incompatível com o
exercício da magistratura.
Alguns juízes da Suprema Corte, como ficou
explícito no caso de Clarence Thomas, têm se deixado seduzir por mimos
oferecidos por amigos milionários, a bordo de confortáveis iates, jatos ou
mesmo pescarias em lugares exclusivos. A situação é grave, pois esses amigos
têm interesses submetidos à jurisdição da corte. No mesmo sentido, há inúmeras
insinuações de proximidade indevida entre alguns magistrados e escritórios de
advocacia ou de lobby, em Washington.
A reação da Suprema Corte a essa perda de
credibilidade tem sido muito tímida. Ainda assim, seu presidente, John Roberts,
conseguiu aprovar um novo código de conduta, voltado a balizar o comportamento
dos seus membros, de forma que não apenas se conduzam com integridade mas
também demonstrem agir em conformidade com as virtudes inerentes ao exercício
da magistratura. O desafio agora é impô-lo aos seus pares.
A crise de credibilidade da Suprema Corte
norte-americana é particularmente preocupante neste momento em que um dos
candidatos a presidente, além de explicitamente hostil às regras do jogo
constitucional que o contrariem, incitou insurgência contra o resultado
eleitoral que lhe foi adverso, em 6 de janeiro de 2022. Sabemos, por
experiência própria, como uma Suprema Corte pode ser fundamental para conter
arroubos autoritários.
Embora a confiança em nosso Supremo Tribunal
Federal seja aparentemente maior do que aquela depositada na Suprema Corte
norte-americana, até como consequência do papel crucial que desempenhou na
defesa das regras do jogo democrático, não nos faria mal se o Supremo também
decidisse pela adoção de um código de conduta que contribuísse não apenas para
proteger a imagem dos seus magistrados mas, sobretudo, a integridade e a
autoridade do Supremo Tribunal Federal.
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