Folha de S. Paulo
Insuficiência de investimentos é geral e
agenda também parece distante de grandes debates de política econômica
"Estudos alertaram, mas o governo também
vive outras agendas", respondeu Eduardo Leite quando indagado
sobre a falta de investimentos para o combate de enchentes no
Rio Grande do Sul, cuja necessidade já era apontada por estudos. A
sinceridade brutal que ele mostrou ali cobra seu preço, mas seria verdadeira em
diversos estados brasileiros. Estamos mal adaptados à mudança
climática.
No discurso, ela é prioridade para variados lados do espectro ideológico. A
real divisão atual entre liberais e a esquerda é se o Estado, ao incorporar
essa agenda ambiental, tem que fazer escolhas e priorizar o que é mais
importante ou se pode simplesmente gastar mais sem nenhum limite a cada nova
necessidade que se apresenta. Mas isso é uma discussão teórica.
Na prática a coisa é bem diferente. A
insuficiência de investimentos é geral. Bahia e Minas em
2021 e 2022, Pernambuco em
2023, Rio Grande do
Sul em 2024. Isso vale tanto para investimentos que mitiguem o
impacto de eventos climáticos extremos quanto para tecnologias que deixem de
contribuir com (ou até revertam) os processos destrutivos que tornam esses
eventos cada vez mais frequentes.
Natalie
Unterstell, presidente do Instituto Talanoa e com passagem pelo
governo federal, narrou, em sua conta no X, como o Programa
Brasil 2040 —que previu o aumento de chuvas no Sul e
propunha adaptações às mudanças climáticas no governo Dilma— foi simplesmente
cortado em 2015, entre outros motivos por apontar a burrice de projetos como
Belo Monte. Parece que pouca coisa mudou. O novo PAC do
governo Lula destina 1,5% do seu R$ 1 trilhão à prevenção de
desastres.
A agenda ambiental mais ampla também parece alheia às grandes discussões de
política econômica, que passam pelo estímulo à compra de automóvel e pelo
subsídio da Petrobras ao preço da gasolina. A boa notícia é que temos, depois
de longa sabotagem (do governo Dilma até Bolsonaro)
um Ministério do Meio Ambiente comprometido
com a redução do desmatamento na Amazônia. Se o resto do governo não cooperar,
contudo, será insuficiente.
A real cara da emergência climática não são os eventos apocalípticos de
Hollywood que destroem o mundo inteiro de uma vez. É a frequência cada vez
maior de enchentes que alagam cidades, secas que destroem plantações, incêndios
florestais que se prolongam, desertificação de solos, picos de calor e frio que
prejudicam a saúde etc. A vida humana não será extinta, mas ficará gradualmente
mais cara, mais precária e mais brutal, especialmente para quem vive na base da
pirâmide social e não tem como se proteger.
É quase inacreditável que esse tema não tenha mais centralidade no Brasil.
Temos em nosso território 60% da selva amazônica, a maior biodiversidade do
mundo, o maior volume de água doce do mundo. Nosso agro depende diretamente do
clima e do regime de chuvas que essas condições propiciam. Nossa matriz
elétrica é relativamente limpa, e só de manter as florestas de pé já ajudamos o
esforço global.
O Brasil, sozinho, não tem como combater as mudanças climáticas. Por isso
deveria tomar o protagonismo no tema e deixar de se perder em ruídos sobre
guerras com as quais não estamos envolvidos (e nas quais temos ficado do lado
errado). Se o mundo pagar o que deve pelo esforço brasileiro de preservar nossa
Amazônia, poderemos inclusive investir mais na adaptação
para desastres futuros.
Enquanto isso, aqui dentro, liberais,
desenvolvimentistas, esquerdistas, direitistas, deveriam todos se unir em torno
de um novo consenso de que a agenda ambiental é não só uma prioridade global
como uma oportunidade para o Brasil.
Um comentário:
O último parágrafo... Meu sonho!
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