Valor Econômico
Um oceano separa a catástrofe climática que
atingiu o Rio Grande do Sul do comício do partido espanhol Vox, com lideranças
da ultradireita internacional, como Javier Milei, realizado em Madri nesse
domingo (19). A verdade, contudo, é que a distância entre esses dois eventos,
um geográfico, outro político, é tão estreita que seria possível cruzar esse
oceano com uma pinguela.
Isso porque no mesmo dia em que os principais nomes da extrema direita mundial reuniram-se na Espanha para reforçar, entre outras pautas, o negacionismo climático, os brasileiros - do outro lado do Atlântico - assistiam, estarrecidos, à fúria das águas arrastando carros, móveis, pessoas, animais, sobre cidades inundadas, um cenário de guerra, uma atmosfera de desespero e desalento. Tão longe, e tão perto.
Os dados mais recentes mostram que morreram
157 pessoas e quase 1 milhão de pessoas estão há quase um mês em abrigos
públicos, ou na casa de parentes ou amigos. Mas é espantoso que o desastre
tenha precedentes recentes, e nenhum governante tenha feito a lição de casa.
Se o Guaíba superou o nível de 5 metros, nas
enchentes provocadas pelas chuvas de novembro (há seis meses), o lago/rio já
havia acionado o alarme ao bater o recorde de ultrapassar 3 metros - o que não
ocorria desde as cheias de 1941. Alguns dos municípios mais afetados neste mês,
como Porto Alegre, Canoas e Eldorado do Sul, haviam sido inundados nas chuvas
de novembro, embora não na mesma proporção.
A crise climática evidencia-se num cenário em
que, enquanto as tempestades devastavam cidades no Rio Grande do Sul em
novembro, uma onda de calor, com termômetros marcando 46o C, alastrava-se pelo
restante do país. O próprio Rio Grande do Sul, antes de se ver debaixo d’água,
amargou uma das estiagens mais severas nos três anos que antecederam as atuais
enchentes.
São fatos que desafiam os negacionistas, como
o presidente da Argentina, Javier Milei, chamado no comício do Vox de “estrela
brilhante”. No país de Lionel Messi, a crise climática também deu sinais de
alerta. As temperaturas alcançaram os 46º C, enquanto o volume de água de rios
alimentados pela neve da Cordilheira dos Andes está diminuindo. E um inimigo
antes reservado ao Brasil e ao Paraguai agora ameaça os argentinos: a dengue,
que se manifesta nas altas temperaturas, como nos verões brasileiros.
Milei, entretanto, é um político que chamou o
aquecimento global de “marxismo cultural”, fechou o Ministério do Meio Ambiente
e resiste a vacinar a população contra a dengue.
Na mesma sintonia, o presidente do Vox,
Santiago Abascal, acusa os socialistas de estarem sob ordens dos
"ecologistas radicais" e fala em "religião climática".
E, recentemente, o ex-presidente Jair
Bolsonaro afirmou nas redes sociais que "problematização climática é
desinformação".
No ato em Madri, Milei exortou a direita
europeia a se unir contra o socialismo, e pediu votos para o Vox nas eleições
para o parlamento europeu em 9 de junho. Os partidos ultraconservadores vivem
uma onda de expansão. Em março, o partido Chega, de Portugal, do líder
extremista André Ventura, cresceu de 12 cadeiras para 50 vagas no Congresso.
Nos últimos dois anos, a ultradireita passou
a governar, ou integrar coalizões de governo, na Itália, Grécia, Suécia e
Finlândia. França e Alemanha estão ameaçadas. Donald Trump pode retornar à Casa
Branca, e o bolsonarismo segue com musculatura no Brasil.
A união da ultradireita é estratégica, e
busca seguir um modelo implementado pela esquerda e centro-esquerda europeia na
última década, mas que perdeu fôlego nos últimos anos. Quando o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva deixou a prisão, ele fez um périplo internacional, e foi
recepcionado pelas principais lideranças da centro-esquerda europeia, cujos
partidos mantêm a aliança histórica com o PT. Em novembro de 2021, Lula nem era
pré-candidato, e foi recebido pelo presidente da França, Emanuel Macron, pelo
primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, pelo futuro chanceler da Alemanha,
Olaf Scholz (que era ministro de Finanças na ocasião), e discursou no
Parlamento Europeu em Bruxelas, em evento promovido por congressistas do bloco
social democrata, de centro-esquerda. Na contramão do negacionismo climático
dos ultraconservadores, Lula defendeu a preservação do meio ambiente e a
redução da desigualdade econômica.
A preocupação de cientistas atentos às
mudanças climáticas é com o aumento da frequência e da duração desses episódios
extremos. E como se não bastassem os alertas dos dados científicos para o
agravamento desse quadro, os cientistas ainda são vítimas de desinformação nas
redes sociais, onde são agredidos e achincalhados.
Mas há reações. Em fevereiro, o cientista
americano e professor da Universidade da Pensilvânia Michael Mann venceu uma
batalha judicial que se prolongava havia 12 anos contra blogueiros que o
difamaram nas redes sociais. Segundo a revista “Nature”, um tribunal americano
fixou contra os difamadores uma indenização por danos morais ao cientista no
valor de US$ 1 milhão.
Andrea Jubé
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