Folha de S. Paulo
Pessoas jurídicas se assemelham às naturais
em muitos aspectos, mas há situações em que o elemento humano é irredutível
Contra fake news,
o governo Lula processa um
influenciador de direita por ofensa à honra da União. A pergunta é
se o Estado tem honra que possa ser ofendida ou se essa palavrinha que já
causou tantas brigas, homicídios (pense nos duelos) e até guerras se aplica
apenas a humanos?
Lidamos aqui com o que talvez seja a maior realização da linguagem, que é criar realidades imaginárias compartilhadas por tantas pessoas que se tornam instituições altamente motivadoras. Estamos falando de coisas como religião e dinheiro (a maior parte da moeda em circulação não existe nem como pedaço de papel, apenas como registros contábeis digitais). Estamos também falando de entes públicos, organizações, empresas e tudo aquilo a que chamamos de pessoas jurídicas.
É difícil até imaginar um mundo em que CNPJs
não pudessem possuir bens, movimentar contas bancárias e processar e ser
processados na Justiça, a exemplo do que ocorre com as pessoas físicas. Mas é
temerário levar a analogia longe demais. Apesar de as "personae
fictae" do direito canônico em muitos aspectos se assemelharem às pessoas
naturais, há situações em que a humanidade é um elemento irredutível.
É o caso, acredito, da honra. É o caso também
das partes do direito penal em que a intenção desempenha um papel chave.
Podemos processar a empresa que provocou um desastre ambiental que deixou
mortos, mas não vejo como acusar a corporação de crime doloso contra a vida.
Essa imputação, penso, só pode ser feita a indivíduos de carne e osso que
tomaram as decisões que levaram ao acidente ou que se omitiram quando não
poderiam tê-lo feito. Algo parecido vale para genocídio.
Dá para discutir se o homem tem ou não o
livre-arbítrio, mas é líquido e certo que pessoas fictícias não o têm. É a
mesma razão pela qual não responsabilizamos os insanos e paramos de levar ao
banco dos réus bichos causadores de acidentes, como se fazia na Idade Média.
Um comentário:
Hélio e seu sobrenome difícil,rs.
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